Golpe de estado na Bolívia termina com general preso
DANIEL MIRANDA / AFP

Golpe de estado na Bolívia termina com general preso

Juan José Zúñiga foi detido após cercar por horas o palácio onde estava o presidente Luis Arce. Intenção de Evo Morales de voltar ao poder em 2025 motivou reação do militar.
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Juan José Zúñiga, o general que liderou uma tentativa de golpe de Estado na Bolívia contra o presidente Luis Arce, foi preso na noite de quarta-feira, no último ato, até ver, de uma crise que durou menos de 24 horas na Plaza Murillo, em La Paz.

Com tropas e veículos blindados, Zúñiga cercou por horas a Casa Grande del Pueblo, o palácio presidencial boliviano também conhecido como Palacio Quemado, com o objetivo, segundo o próprio, de “expressar descontentamento com a situação do país”, de precipitar “uma troca ministerial” e de libertar presos políticos, como Jeanine Añez, condenada em 2022 a dez anos de prisão por ter organizado um golpe de Estado contra Evo Morales, presidente de 2006 a 2019.

Num dos momentos mais dramáticos da tentativa de golpe de Estado, Arce, do partido de centro-esquerda Movimiento al Socialismo, chegou a estar cara a cara com Zúñiga, a quem ordenou retirada. Na sequência, as tropas esvaziaram a Plaza Murillo, voltaram aos quartéis e a calma foi devolvida a um país onde as tentativas de golpe são frequentes.

Zúniga havia sido destituído do cargo de comandante do exército na terça-feira, 25, véspera da tentativa de golpe, por ter ameaçado Morales, pré-candidato às eleições de 2025 supostamente contra Arce, uma vez que os dois, antes aliados, são hoje rivais políticos.

Na segunda-feira, o general disse em entrevista que Morales não poderia mais ser presidente do país e que o prenderia em caso de vitória nas próximas eleições. “Caso cheguemos a isso”, afirmou, “não permitirei que ele pisoteie a Constituição, que desobedeça ao mandato do povo, as Forças Armadas são o braço armado do povo, o braço armado da pátria”.
Na sequência, Morales pressionou Arce a demitir Zúñiga, o que o presidente, eleito em 2020, fez.

Ao ser detido ao lado de outro militar, Zúñiga, disse, entretanto, sem apresentar nenhuma prova, que agiu a mando de Arce, segundo o jornal boliviano El Deber. “O presidente disse-me que a situação está muito crítica, que era preciso algo para levantar a sua popularidade”. O general teria então perguntado ao presidente: “colocamos os blindados na rua?”, ao que Arce teria dito: “coloque”.

Ivan Lima Magne, ministro da Justiça de Arce, respondeu que Zúñiga “mente e busca justificar uma decisão que é sua e pela qual prestará contas à Justiça”. Ainda de acordo com Magne, o general arrisca pena de 15 a 20 anos de prisão por atentados à democracia e à Constituição.

Em discurso horas depois da tensão, Arce garantiu, da varanda do palácio presidencial, ao lado do vice-presidente, David Choquehuanca, que o seu governo fará “respeitar a democracia conquistada com o voto nas urnas”. Nas ruas, manifestantes gritaram palavras de ordem a favor da democracia e cantaram o hino nacional.

A tentativa de golpe surge num contexto de crise económica, incluindo falta de dólares e escassez de combustível, que levou Evo Morales a anunciar a intenção de se candidatar em 2025 contra Arce, que é do mesmo movimento político e seu ex-ministro da Economia, gerando também uma crise política.

As tensões começaram em 2019, quando Morales foi obrigado, pelo exército e polícia, a renunciar ao seu mandato presidencial após ganhar as eleições de outubro e a refugiar-se no México. Como o vice-presidente, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados e o primeiro vice-presidente do Senado se solidarizaram com Morales e só a segunda vice do Senado, Jeanine Añez, se manteve no cargo, declarou-se presidente interina, decisão confirmada pelo Tribunal Constitucional, até novas eleições.

Após negociações entre Morales e Añez ficou então acordado que o primeiro não se candidataria às eleições marcadas para 2020, em troca da segunda libertar manifestantes do Movimiento al Socialismo, entre outras reivindicações.

No sufrágio, Arce, apoiado por Morales, bateu o candidato de centro-direita Carlos Mesa. E, logo após, Morales regressou a um país que quer voltar a presidir em 2025, mesmo que, para isso, tenha de vencer o ex-braço-direito.

Líderes internacionais, como o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, ou o presidente do Brasil, Lula da Silva, reagiram à crise. “Espanha condena veementemente os movimentos militares na Bolívia. Enviamos ao governo da Bolívia e ao seu povo o nosso apoio e solidariedade e apelamos a que respeitem a democracia e o Estado de direito”, disse Sánchez. “A posição do Brasil é clara. Sou um amante da democracia e quero que ela prevaleça em toda a América Latina. Condenamos qualquer forma de golpe de Estado na Bolívia e reafirmamos nosso compromisso com o povo e a democracia no país irmão”, declarou Lula.

Outros políticos que se manifestaram foram os presidentes do México, Andrés Manuel López Obrador, da Venezuela, Nicolás Maduro, do Chile, Gabriel Boric, e do Paraguai, Santiago Peña, além do ex-presidente argentino Alberto Fernández.

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