"Fonplata está aberto a países que tenham interesse em promover a integração económica da região do Mercosul"
Foto: Paulo Spranger

"Fonplata está aberto a países que tenham interesse em promover a integração económica da região do Mercosul"

Luciana Botafogo, presidente executiva do Fonplata, banco dos cinco países da Bacia do Prata, agora os mesmos do Mercosul, participou em Lisboa no Encontro Triângulo Estratégico organizado pelo IPDAL.
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O Fonplata junta os países da Bacia do Prata. Para nós, na Europa, não é um grupo óbvio, porque se vemos a Argentina, o Uruguai e o Paraguai como um conjunto geográfico, já a soma do enorme Brasil, o seu país, e também da Bolívia gera surpresa. Desde quando é que o banco existe e como é que surgiu este grupo de países do Rio da Prata?

Começou como um fundo em 1974, e era um fundo para combater as assimetrias entre países da região da Bacia do Prata, que é o que une a Bacia do Prata, via os rios Paraná e Paraguai. Então, era circunscrito a essa região e começou como um fundo e eram, normalmente, os países maiores, Argentina e Brasil, que apoiavam os países de menor tamanho, Paraguai, Uruguai e Bolívia, para fazer projetos de integração. Era um fundo que se desenvolveu lentamente e tinha uma governança complexa. Estava debaixo das chancelarias dos cinco países e a gestão era política. Nos anos 2010, 2012, os cinco países se reuniram e mudaram a governança. Criaram uma gestão executiva, nesse momento criaram também a presidência executiva, uma equipe técnica para gerir os projetos, e começaram a enfocar em outros projetos, em projetos de infraestrutura, mais estruturantes. Até que, em 2018, se aprova um novo convénio constitutivo que muda o fundo em um banco e permite que ele não seja tão circunscrito à Bacia do Prata, mas aos cinco países. Depois, em 2024, a Bolívia se formaliza como um país membro do Mercosul. Então, para a Europa, podemos dizer que é o banco do Mercosul, não é que é um banco de posse do Mercosul, porque o Mercosul não existe como uma estrutura jurídica, mas são os países do Mercosul os acionistas. Então, hoje, o Fonplata tem como sócios fundadores os países do Mercosul.

Quando fala da Bacia do Prata, não significa, por exemplo, que o Fonplata abranja apenas os estados do interior do Brasil?

Hoje, nós podemos trabalhar em qualquer região dos cinco países. Então, do Oiapoque até a Terra do Fogo a gente pode trabalhar.

Pode dar exemplos de projetos que apoiaram?

Por exemplo, no Brasil, apoiamos projetos municipais, basicamente. A estratégia do país para o Fonplata é apoiar municípios. Então, temos projetos de água e saneamento em Belém do Pará, temos projetos de recuperação de vias em Rio Branco, no Acre, temos projetos de pontes, de viadutos, temos projetos de captação de água. Só no Brasil temos 31 projetos em execução hoje. Na Argentina, temos projetos provinciais, e entre os últimos que aprovamos está a bioceânica em Salta, no norte. Falta um trecho de pavimentação para a bioceânica que conecta o Atlântico ao Pacífico. Então, estamos financiando não só a estrada, como acessos, viadutos, pontes, etc., para melhorar essa conectividade. Também temos projetos de água e saneamento na província de Mendoza, fazer uma captação de água, uma planta potabilizadora de água para distribuir água potável para toda a cidade, melhorar a distribuição de água potável. No Paraguai, temos projeto da bioceânica lá em cima, no Chaco paraguaio, o pedaço no Paraguai que falta da bioceânica para ser asfaltado. Temos um projeto de transmissão de energia da região de Assunção, que vem a energia de Itaipu e não chega no Chaco paraguaio. 

São projetos para que valores?

O valor do projeto varia de 10 milhões de dólares a 300 milhões de dólares. O projeto de água e saneamento do interior do Uruguai é de 330 milhões de dólares. São 61 unidades de água e saneamento no interior do Uruguai. Também o projeto da bioceânica no Paraguai são 330 milhões. Já o projeto de água em Mendoza são 75 milhões. Tem projeto no Brasil de 20 milhões. Agora, o nosso ticket médio é em torno de 50 ou 60 milhões de dólares.

Além dos cinco países que compõem o grupo, há outros países que podem vir a integrar o banco? Numa visita no ano passado falou da hipótese de Portugal entrar. Como está essa hipótese?

Estamos agora na fase de aumento de capital do banco. Nosso capital é de 3,14 mil milhões de dólares e estamos trabalhando para aumentar para 6,5 mil milhões. A gente ainda vai aprovar o documento nesse início de segundo semestre. Estamos discutindo os possíveis cenários, mas provavelmente os países fundadores querem manter 80% do controle acionista com os países fundadores e tem um 20% em que eles estão dispostos a receber novos países membros. Desses novos, a gente já está em negociação com Colômbia, estamos vendo se podemos conversar com Chile, com Peru. E aqui na Europa estamos abertos também a novos sócios, que poderia ser Portugal, poderia ser Espanha, poderia ser qualquer outro país que tenham interesse em investir e promover a integração económica e, principalmente, a integração física e de infraestrutura da região do Sul da América, a região do Mercosul.

Imaginemos que o Estado português torna-se acionista. Qual é a vantagem que isso traz, nomeadamente para empresas portuguesas? 

Uma das vantagens mais óbvias é participar das licitações dos projetos. Então, nós executamos em torno de 700 milhões de dólares por ano e esses 700 milhões vão para empresas que participaram das licitações para fazer a obra, a toma de água, a ponte, a via, a drenagem, o que for. Essas licitações estão restritas aos países membros ou a empresas associadas a empresas dos países membros. Então, a menos que seja financiado com terceiros que a gente cofinancia, só aceitamos empresas dos nossos cinco países. Então, essa é uma vantagem imediata da entrada. Mas outras formas e outras vantagens que as empresas portuguesas poderiam ter é no pré-investimento e aí com recursos. Por exemplo, a gente está pensando em fundos fiduciários ou fundos de investimentos. E algum município está precisando fazer um projeto de energia renovável e não tem recurso para fazer o pré-projeto. Então, se tivéssemos algum recurso, fundo fiduciário, algum apoio do governo português para que empresas portuguesas, se é uma expertise de empresas portuguesas, nos ajudassem a fazer o pré-projeto. Isso ajudaria. E aí já, depois, na hora de implementar o projeto, as empresas também poderiam participar das licitações para implementar o projeto que seja.

Estão já nas negociações para essa participação acionista?

Estamos na fase, digamos assim, de sondagem, de pré-conversações. Estamos vendo com quem seriam os interlocutores, com quem a gente poderia falar. Estivemos aqui conversando com algumas autoridades, com o Instituto Camões, com o AICEP, também  com o ministério de Finanças. Mas agora houve eleição, vai ter um novo governo e tal, eu acho que seria interessante voltar numa data já com o governo 100% instalado.

Na sua perspectiva, Portugal e Espanha são os potenciais novos sócios europeus?

Tem vários potenciais novos sócios. A vantagem de Portugal e Espanha, na minha opinião, é que a gente compartilha valores, visões, cultura, então ajudaria na nossa governança. Eu acho que tem mais vantagens do que desvantagens. Às vezes você pegar um país de uma região muito distante, ou com valores distintos, ou com cultura distinta, pode complicar a governança. A gente tem um board de governadores que se junta uma vez ao ano, tem diretores que se juntam a cada três meses, e é um board muito ágil, muito rápido de decisões, com uma visão compartilhada, com valores compartilhados, então a execução do banco se diferencia dos demais porque a gente é muito ágil, muito rápido e muito amigável entre todos.

Estamos a falar de países não só com uma dimensão muito diferente, mas com um poder económico muito diferente. Países como o Brasil e de uma certa forma a Argentina ainda têm uma obrigação de ajudar os outros com este banco ou já não há essa perspectiva?

Há essa perspectiva e nós somos um banco cooperativo. Então é um banco onde o Brasil e a Argentina têm maior participação de todos os multilaterais. O Brasil é dono de 33% do banco, assim como a Argentina e os outros países têm a participação de 11%. Nessa mudança a gente vai diluir um pouco o capital de cada um mas vai manter a mesma proporção. Então o Brasil tem muito interesse no banco, a Argentina tem muito interesse também e apesar de serem donos de 33% de cada um eles têm um voto igual à Bolívia, igual ao Paraguai, igual ao Uruguai porque a conceção é de uma cooperativa não é que tem um grande e um pequeno. O voto é igual, e a visão é igual, um visão de integração regional

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