O Movimento para a autodeterminação da Kabylia e de Anavad (Governo Provisório da Kabylia no exílio-MAK) viu no passado 20 de abril a celebração dos 21 anos do início da Primavera Amazigh (berbere para os menos avisados), data que em 1980 viu a contestação e a raiva sair à rua, pela proibição, a partir de Argel, da realização de uma conferência sobre poesia kabyla ancestral em Tizi-Ouzou, a capital desta província argelina contestatária e situada no nordeste da Argélia, com acesso ao Mediterrâneo e povoada por cerca de 12 milhões de habitantes, sendo que dois milhões vivem em França e dois milhões em Argel, a capital da Argélia..Ferhat Mehenni, 70 anos, o presidente do Movimento independentista, lidera o mesmo desde junho de 2010, sendo também um conhecido músico em todo o norte de África, já que ganhou o Festival de Música Moderna de Argel em 1973. É a partir daqui que este "Sérgio Godinho Kabyla", inicia o seu caminho de músico de intervenção, o que rapidamente o leva a um engajamento político cada vez maior, pela independência da sua terra natal..Ficamos com a impressão que 2021 marca um renascimento do MAK. A impressão está correta? Como todas as empresas de libertação nacional, nós passamos por altos e baixos. Atualmente a adesão do povo Kabyla à causa independentista é quase total. As manifestações às quais apelámos neste 20 de abril, tiveram uma adesão plena, tanto na Kabylia como no estrangeiro. É o que a fúria repressiva do poder colonial argelino desencadeia, à qual nós respondemos sempre com calma e razão. O direito dos povos a dispor deles próprios é para nós imprescindível e inalienável. E cá estamos, firmes. A 25 de abril, o Ministério argelino da Defesa lançou uma ofensiva mediática acusando-nos de sermos terroristas e toda a Argélia ainda ri disso! Dito isto, para responder à sua questão, não se trata de um renascimento do MAK, porque o MAK nunca esteve morto, mas trata-se de um momento de sucesso. Registamos um momento de vitórias encorajadoras após o boicote total às presidenciais de dezembro de 2016 e à revisão constitucional de novembro de 2020. Estas manifestações são um sinal anunciador de um boicote total às próximas legislativas. Desta forma, pacificamente, vamo-nos separando politicamente da Argélia, que tem em curso uma operação chamada "Operação Zero Kabylas" através do qual têm um objetivo de extermínio antikabyla..Este sucesso deve-se ao fim da presidência Bouteflika? Ao contexto de mudança trazido pelo Hirak? Ou à celebração dos 20 anos do MAK? Não devemos o nosso sucesso à incapacidade de governação de Bouteflika, mas à legitimidade das nossas ações e à boa fundação da nossa causa. As divergências no topo da hierarquia militar, o verdadeiro poder na Argélia, não são novidade. Datam da morte do ditador Boumédiène, em dezembro 1978, tendo mais de 40 anos. Do tempo de Bouteflika, temos registado vitórias esmagadoras desde 2009. O Hirak, que no início esteve focado contra um 5.º mandato presidencial de Bouteflika, confundiu alguns dos adquiridos políticos da Kabylia e nós demarcámo-nos deles desde o início. Este regresso em força do Hirak, há três meses, está cada vez mais instrumentalizado, particularmente em Argel, para nos combater, fazendo com que os seus porta-vozes se exprimam contra o MAK e o seu projeto de auto-determinação..Qual é a situação da Kabylia e dos kabylas neste momento? A situação socioeconómica é catastrófica e a pandemia de covid foi devastadora. O desenvolvimento económico está bloqueado por Argel e é graças à emigração que a Kabylia se mantém de pé. Os únicos projetos infraestruturais programados não passam da construção de novas prisões e quartéis militares. O sismo que recentemente afetou a cidade de Vgayet (Béjaia), fez numerosos sinistrados que o poder central se recusa em acudir. A fiscalidade praticada na Kabylia é muito severa e os investidores privados são desencorajados e reorientados para outros destinos. Argel prepara-se mesmo para destruir a mais bela cidade da Kabylia, Vgayet (Béjaia), para explorar umas jazidas de zinco, de chumbo e outra offshore de petróleo de xisto. A instituição judiciária está instrumentalizada para fazer cair todos os responsáveis políticos, militares e industriais kabylas. Ultimamente são sobretudo os militantes kabylas do MAK ou do Hirak, que são apresentados perante a justiça com acusações sem provas. Walid Nekiche, Djamel Azaim e Lounès Hamzi são exemplos claros do que falo. A Kabylia está revoltada contra a sorte que a Argélia lhe reservou e aspira a viver soberanamente no respeito da sua língua, que até hoje é negado, dos seus valores e competências..Tem algum canal de comunicação com a presidência argelina? O que está disponível para negociar com a Argélia e em que termos? O poder argelino insiste em não nos reconhecer. Preferem o braço-de-ferro ao diálogo. É um poder militar que não conhece outra linguagem a não ser a da violência e da força. Não se dão conta que a barbárie não tem mais lugar num mundo onde os valores da paz, e dos direitos humanos corroeram a arbitrariedade. É esta a razão pela qual nós recusamos cair nesta armadilha. Por isso mesmo, estamos prontos a discutir com Argel sob os auspícios da ONU, as modalidades, etapas, prazos. Numa frase, as condições de uma consulta referendária sobre o futuro da Kabylia..No cenário de uma Kabylia independente, que tipo de relações terá com a Argélia, com a França, com Marrocos e com a África? Sonhamos com um cenário à checoslovaca. Uma consulta referendária para uma separação amigável, que preservará uma qualidade de relações exemplares com o nosso vizinho imediato. Gostaríamos de ter os melhores laços económicos, políticos e culturais com a Argélia, Marrocos e Tunísia, bem como com a França, a União Europeia, os EUA e a Rússia e também com o continente africano e os países árabes. A Kabylia é dinâmica e cativante e será uma ator de paz e de prosperidade na bacia do mediterrâneo e uma ponte entre a África e a Europa..Politólogo/arabista.www.maghreb-machrek.pt