Falhanço da estratégia "covid zero" deixa regime em encruzilhada
Autoridades apresentam medidas avulso que apontam para menor rigidez, mas Pequim não deverá abandonar política que levou aos protestos e está a gripar a economia.
A empunhar folhas em branco em Pequim, ou a entoar palavras de ordem como "Não queremos testes, queremos liberdade" e pedidos de demissão de Xi Jinping em Xangai, chineses de norte a sul do país saíram às ruas para protestar contra as restrições que persistem.
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Apesar de no dia 11 o regime comunista ter anunciado uma lista com 20 medidas para reduzir a abrangência da política de "covid zero", as autoridades locais acabaram por agir em sentido oposto quando confrontadas com o aumento de infeções por coronavírus. O incêndio que na semana passada matou dez pessoas em Urumqi, na província de Xinjiang, terá sido a gota de água para uma população que está a sofrer medidas repressivas num regime já de si repressivo, e protagonizou nos últimos dias os maiores protestos desde 1989. Qualquer que seja a resposta da estrutura liderada por Xi Jinping, não parece haver uma solução positiva.
A reação do poder passou por anúncios de levantamento de algumas medidas mais rigorosas, mas ao mesmo tempo a ameaçar quem pretenda manifestar-se. Uma comissão do Partido Comunista (assuntos políticos e jurídicos, que supervisiona a aplicação da lei) concluiu que, para "salvaguardar a estabilidade social global", está na altura de "reprimir os atos criminosos ilegais que perturbam a ordem social".
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A polícia mostrou-se em força nas ruas na segunda e na terça-feira, e aparenta ter evitado novos ajuntamentos, numa altura em que as temperaturas caíram até aos -9 ºC . Além disso, as forças de segurança têm contactado pessoas que suspeitam ter participado nos protestos, pedindo informações sobre os seus movimentos.
Por outro lado, as autoridades reagiram com algumas medidas de flexibilização e que podem apontar para uma saída da política de covid zero. Em Pequim, foi proibido fechar os portões das áreas residenciais a cadeado, uma medida que deixava as pessoas trancadas quando se registavam infeções entre os moradores. Em Urumqi, o município anunciou um subsídio (equivalente a 40 euros) a cada habitante com baixos rendimentos e uma moratória de cinco meses no arrendamento para algumas famílias.
Noutra frente, a Comissão Nacional de Saúde da China anunciou uma renovada ambição para aumentar as taxas de vacinação entre os idosos e declarou que os governos locais devem identificar as pessoas a vacinar. Só dois terços das pessoas com mais de 80 anos estão vacinadas e, além disso, a eficácia das vacinas chinesas está aquém da tecnologia empregada nas imunizações de mRNA. As autoridades temem que o fim das restrições possa representar uma crise sanitária como o país ainda não teve. A acreditar nas estatísticas oficiais, só uma pequena parcela da população conviveu com o vírus (281 mil pessoas numa população de 1,4 mil milhões).
No entanto, não é de esperar que Pequim atenda aos anseios dos manifestantes. "A probabilidade de que a liderança acabe com a covid zero em resposta aos protestos é pequena, quer devido ao precedente que criaria quer porque a cessação dos esforços para conter o vírus agora levaria rapidamente à sobrecarga do sistema de saúde", comentou Mark Williams, economista-chefe para a Ásia da consultora Capital Economics. "O governo não tem boas opções neste momento. Faça o que fizer, dificilmente não haverá restrições significativas impostas em grandes partes do país, o que vai ter um enorme impacto no enfraquecimento da economia".
A diretora do FMI Kristalina Georgieva disse que o crescimento da China deverá ser revisto em baixa.
A percentagem de jovens desempregados, 19,9%, atingiu um recorde na China, consequência de confinamentos em vigor em cidades que representam cerca de 25% do PIB do país.
A política de covid zero foi adotada desde o início pelas autoridades chinesas em contraste com a abordagem da maioria dos países de "achatar a curva" da propagação do vírus. Além das duras medidas de repressão, vigilância e censura, o peso económico dos confinamentos é cada vez maior, pondo em causa as cadeias de abastecimento globais e o papel da China como um parceiro fiável e estável.
Fim da "era dourada", diz Sunak
O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, anunciou o fim da "era dourada" entre Londres e Pequim, o que se reflete no fim de projetos em cooperação ou da presença de empresas chinesas em setores críticos no Reino Unido, revendo a posição que defendera durante a campanha para a liderança do Partido Conservador. Agora diz que a China "representa um desafio sistémico aos valores e interesses" britânicos. "Sejamos claros, a chamada "era dourada" acabou, juntamente com a ideia ingénua de que o comércio conduziria a uma reforma social e política."
No entanto, Sunak mostrou-se contra uma "retórica simplista de Guerra Fria", e disse que Londres "não pode ignorar a importância da China na política internacional, da estabilidade global às alterações climáticas". Nos últimos dias, sob a lei do investimento e segurança nacional, os britânicos recusaram a aquisição, por parte de uma empresa chinesa, de um fabricante de semicondutores, Newport Wafer; excluíram a chinesa CGN da construção da central nuclear Sizewell C, que agora será executada com a francesa EDF; e deram ordens para que "locais sensíveis" deixem de ter câmaras de vigilância de fabrico chinês; ao que se soma a exclusão da rede 5G da Huawei.
Noutro sinal diplomático, o embaixador chinês em Londres foi convocado pelo MNE britânico após o jornalista da BBC em Xangai ser agredido e detido durante uma manifestação, incidente que o ministro James Cleverly chamou de "profundamente perturbador".
cesar.avo@dn.pt
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