Êxodo do Nagorno-Karabakh chega ao fim, crise arménia está a começar

Governo de Pashinyan tem de manobrar entre apoio aos refugiados, ira popular e gestão das relações com Moscovo e vizinhos.
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O fluxo de refugiados do Nagorno-Karabakh reduziu-se a um fio no sábado, quando a Arménia afirmou que quase toda a população do território separatista já tinha fugido, depois de o Azerbaijão ter tomado o controlo do enclave.

Um jornalista da AFP que se encontrava na passagem de Kornidzor para a Arménia viu apenas algumas ambulâncias chegarem, enquanto os guardas fronteiriços diziam estar à espera dos últimos autocarros. Na cidade mais próxima, Goris, centenas de refugiados exaustos esperavam, entre as suas bagagens, na praça central, que o Governo lhes oferecesse alojamento.

A tomada militar relâmpago do enclave de etnia arménia pelo Azerbaijão, na semana passada, provocou um êxodo súbito que reescreveu a composição étnica multissecular da região em disputa. A Arménia disse no sábado que 100 437 pessoas de uma população estimada em 120 mil tinham fugido desde que a região separatista viu a sua luta de décadas contra o domínio do Azerbaijão terminar com uma derrota súbita.

Erevan afirmou que 14 doentes acamados morreram durante ou pouco depois de terem sido retirados do território pela única estrada de montanha. Artak Beglaryan, um antigo funcionário separatista, disse que "os últimos grupos" de residentes de Nagorno-Karabakh estavam a caminho da Arménia no sábado. "Restam, no máximo, algumas centenas de pessoas, a maioria das quais são funcionários, empregados dos Serviços de Emergência, voluntários e algumas pessoas com necessidades especiais", escreveu nas redes sociais.

A Arménia - um país com 2,8 milhões de habitantes - enfrenta um desafio para alojar o súbito fluxo de refugiados e as autoridades disseram que 35 mil estão agora em alojamento temporário.

Erevan acusou o Azerbaijão de estar a levar a cabo uma campanha de "limpeza étnica" para limpar Nagorno-Karabakh da sua população arménia. Mas Baku negou a alegação e apelou publica- mente aos residentes arménios do território para ficarem e se "reintegrarem" no Azerbaijão. As Nações Unidas afirmaram que vão enviar uma missão a Nagorno-Karabakh este fim de semana, para avaliar as necessidades humanitárias, na primeira vez que o organismo internacional tem acesso à região em cerca de 30 anos.

Com as tensões elevadas entre os vizinhos do Cáucaso, o Azerbaijão afirmou que um dos seus soldados foi morto por um atirador arménio na fronteira. A Arménia negou rapidamente a acusação. As trocas de tiros ao longo da fronteira entre os dois inimigos do Cáucaso são comuns. Até agora, as partes têm evitado que o recente conflito sobre Nagorno-Karabakh se transforme num confronto mais alargado.

A ofensiva de 24 horas do Azerbaijão para tomar o enclave parece ter terminado de forma decisiva a luta sangrenta sobre o estatuto da região, que se arrasta desde o colapso da União Soviética. Os separatistas concordaram na quinta-feira em dissolver o governo e tornar-se formalmente parte do Azerbaijão até ao final do ano. A decisão marcou o fim de um dos mais longos "conflitos congelados" do mundo, um que o Azerbaijão conseguiu vencer enquanto a Rússia, aliada de longa data da Arménia, estava atolada na sua guerra contra a Ucrânia.

Na capital arménia, Erevan, cerca de 3000 opositores do primeiro-ministro arménio Nikol Pashinyan retomaram os protestos contra o Governo. Os críticos de Pashinyan, que tinham interrompido as manifestações para se concentrarem na ajuda aos refugiados, acusam-no de abandonar a região separatista face à agressão do Azerbaijão. "Perdemos Karabakh, agora não queremos perder a Arménia", disse à AFP a linguista Maria Asatryan, de 38 anos. "Quanto mais tempo Pashinyan se mantiver no poder, pior será a situação. As pessoas têm de se unir e dizer a Pashinyan para se demitir".

Pashinyan tem tentado desviar as culpas para a Rússia. Moscovo enviou forças de manutenção da paz para a região, com o objetivo de controlar as tréguas que puseram fim a uma guerra de 2020, na qual Baku recuperou algumas das terras que perdeu para os separatistas na década de 1990.

Pashinyan considerou as atuais alianças de Erevan "ineficazes". Há dias, tropas arménias e norte-americanas fizeram exercícios militares conjuntos, enquanto o chefe do governo instou o Parlamento a ratificar, na sessão da próxima semana, um documento que tornaria a Arménia membro do Tribunal Penal Internacional. O TPI emitiu um mandado de captura internacional contra o presidente russo Vladimir Putin. O Kremlin afirmou que consideraria a adesão da Arménia ao TPI como um passo "extremamente hostil".

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