"Eu estou bem." Tentativa de golpe falhada contra Embaló em Bissau
"Houve muitos mortos, mas eu estou bem", disse o presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, à Jeune Afrique, depois de uma tentativa de golpe de Estado durante a tarde de ontem. "A Guiné-Bissau não merece isto", afirmou mais tarde em conferência de imprensa, rejeitando qualquer responsabilidade: "Sou um homem de paz, contra a violência". No Facebook, Embaló tinha publicado já antes fotos suas ao lado da liderança militar no palácio presidencial com a indicação: "A calma voltou a Bissau". E no Twitter escrevia que "a situação está sob controlo governamental" e agradecia "à população" e "a todas as pessoas fora do país que mostraram a sua preocupação".
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Os relatos de tiros de bazuca e disparos de metralhadora junto ao Palácio do Governo, onde decorria um conselho de ministros com o presidente e o chefe de governo, Nuno Gomes Nabiam, surgiram depois da hora de almoço. Alguns dos ministros teriam conseguido fugir pelas traseiras do palácio, segundo a agência Lusa, enquanto outros saíram quando os militares entraram, pelas 17.20. Segundo o presidente, o tiroteio terá durado cinco horas. O número de mortos e de detidos não foi precisado.
Embaló, que está no poder desde fevereiro de 2020, deu depois uma conferência de imprensa a partir do Palácio Presidencial, agradecendo às forças de defesa e segurança por terem impedido um "atentado à democracia".
"Eles não queriam apenas dar um golpe de Estado, queriam matar o Presidente da República, o primeiro-ministro e os ministros", afirmou Umaro Sissoco Embaló. O presidente explicou que se tratou de um "ato bem preparado e organizado" que poderá estar ligado a "gente relacionada com o tráfico de droga"..
Embaló falou aos jornalistas ao lado do primeiro-ministro, com quem não tem tido uma relação fácil. A tensão entre ambos agravou-se no final de 2021, por causa de um avião Airbus A340 que o Governo mandou reter no aeroporto de Bissau. Tinha chegado da Gâmbia, com autorização presidencial, e Nabiam impediu-o de sair por suspeitas de que teria armas a bordo - o que não se confirmou. Na altura Embaló chegou a ameaçar demitir Nabiam, por ele nomeado.
Na semana passada, novo momento de tensão, quando o presidente fez uma remodelação governamental. O partido do primeiro-ministro contestou tal gesto, mas este disse que concordava com as mudanças - um dos demitidos, o ex-secretário de Estado da Ordem Pública Alfredo Malu, disse que a sua saída estava ligada ao caso do avião. O mal-estar também foi criado com a polémica assinatura, pelo presidente, de um acordo de partilha dos recursos com o Senegal, à revelia de Nabiam.
Quando as notícias davam conta de que teria havido disparos no exterior do palácio presidencial, a comunidade internacional apressou-se a reagir. Um dos primeiros foi o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que num comunicado disse estar "profundamente preocupado com a notícia de combates violentos em Bissau", apelando ao seu "fim imediato" e ao "pleno respeito pelas instituições democráticas do país".
Também a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental condenou a "tentativa de golpe" e responsabilizou os militares pela "segurança do presidente". Em menos de dois anos, houve três golpe de Estado na região: Mali e Guiné-Conakri ainda em 2021 e Burkina Faso já a 24 de janeiro deste ano.
O chefe da diplomacia português, Augusto Santos Silva, também condenou as "movimentações armadas", congratulando-se quando Embaló voltou ao Palácio. À RTP disse esperar que esta tentativa de golpe "seja um acidente de percurso, porque a Guiné-Bissau tem tido um período de estabilidade e consolidação institucional". Após anos de isolamento devido aos sucessivos golpes, o presidente tem vindo a reforçar os laços internacionais, mesmo fora de África, tendo visitado Portugal, Brasil ou Bélgica e recebido vários chefes de Estado. Um deles foi Marcelo Rebelo de Sousa, na primeira visita de um presidente português em 31 anos. Marcelo falou ontem com Embaló para lhe transmitir a sua "condenação veemente" ao "atentado à ordem constitucional".
Desde que a Guiné-Bissau obteve a independência de Portugal, em 1974, já houve pelo menos quatro golpes e 17 tentativas de golpe.
14 de novembro de 1980: O primeiro-ministro Nino Vieira depôs, num golpe sem sangue, o presidente Luís Cabral (irmão do "pai da independência, Amílcar Cabral). O primeiro golpe desde a independência pôs fim ao projeto de união da Guiné-Bissau com Cabo Verde.
7 de junho de 1998: Uma revolta militar liderada pelo general Ansumane Mané para afastar o presidente Nino Vieira leva o país à guerra civil. Este acabaria por cair já depois de feita a paz, num segundo golpe, a 7 de maio de 1999.
14 de setembro de 2003: O general Veríssimo Correia Seabra derruba o presidente Kumba Ialá noutro golpe sem derramamento de sangue. Em causa o adiar das legislativas (o presidente tinha dissolvido o Parlamento em novembro do ano anterior) e o não pagamento de salários a funcionários públicos e soldados.
2 de março de 2009: Um dia depois de o chefe do Estado-Maior, o general Tagme Na Wae, ser morto num ataque à bomba contra a sede do Alto Comando Militar, soldados matam o presidente Nino Vieira. O chefe de Estado estaria a tentar fugir, sendo acusado de estar por detrás da morte do rival. Apesar de ter morrido às mãos dos militares, o exército negou ter-se tratado de um golpe, já que a ordem constitucional foi seguida e o presidente da Assembleia Nacional, Raimundo Pereira, tomou posse como presidente interino.
12 de abril de 2012: Bissau ia eleger o sucessor do falecido presidente Malai Bacam Sanhá, mas a segunda volta das eleições foi suspensa pelo golpe do general Antonio Indjai (responsável por outra revolta em 2010). A disputa seria entre o até então primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior e Kumba Ialá, suspeito de estar também envolvido no golpe que fez cair o presidente interino Raimundo Pereira.
15 de outubro de 2021: O chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, general Biagué Na N"Tan, denunciou tentativas de mobilizar militares com cerca de 15 euros para derrubar o presidente Umaro Sissoco Embaló e o primeiro-ministro Nuno Gomes Nabiam.
susana.f.salvador@dn.pt