Espanha e Irlanda pedem “revisão urgente” do acordo entre UE e Israel
Um dia depois de dizer que Israel está “cego de raiva” e já nem ouve o maior aliado (EUA), o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, assinou uma carta junto com o chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez, na qual pede à União Europeia (UE) uma “revisão urgente” do acordo de associação com Israel. Em causa estão eventuais violações dos direitos humanos na Faixa de Gaza, com os dois líderes a pedir “medidas adequadas” que podiam levar até à suspensão do acordo que é a base da relação económica entre os 27 e Israel. “O compromisso da UE com os direitos humanos e a dignidade não pode ter exceções”, escreveu Sánchez na rede social X.
Esta é a primeira tentativa europeia de eventualmente punir o governo de Benjamin Netanyahu, sendo que até ao momento nem existe consenso para sancionar os colonos israelitas responsáveis por atos de violência contra os palestinianos na Cisjordânia ocupada. Hungria e República Checa terão levantado objeções, sendo que as sanções requerem unanimidade.
Esses são também dois dos dez países da UE que se abstiveram ou votaram contra uma resolução nas Nações Unidas, em dezembro, que pedia um cessar-fogo humanitário imediato em Gaza, mais uma vez mostrando a divisão interna que existe na UE sobre este tema. A nível dos 27 só foi possível chegar a acordo para pedir, ainda em outubro, “pausas humanitárias”. Desde então, a operação militar intensificou-se, estimando-se em 28 mil o número de mortos no enclave palestiniano, além de haver 1,9 milhões de deslocados internos.
“Estamos profundamente preocupados com a deterioração da situação em Israel e em Gaza, especialmente pelas consequência que o atual conflito está a ter sobre os palestinianos inocentes, sobretudo crianças e mulheres. A ampliação da operação militar israelita na zona de Rafah supõe uma ameaça grave e iminente que a comunidade internacional deve enfrentar com urgência”, dizem os dois líderes europeus na carta enviada à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
“Pedimos à Comissão que efetue uma revisão urgente sobre se Israel está a cumprir as suas obrigações, incluindo as derivadas do Acordo de Associação UE/Israel, que faz do respeito dos direitos humanos e dos princípios democráticos um elemento essencial de relação”, dizem. “E se considera que está a incumprir, que proponha ao Conselho medidas adequadas para que sejam tomadas em consideração.” O próximo Conselho Europeu está marcado para 21 e 22 de março.
O Acordo de Associação UE/Israel entrou em vigor em junho de 2000 e providencia um quadro institucional e legal para o diálogo político e a cooperação económica. “As relações entre as partes, bem como todas as disposições do próprio acordo, basear-se-ão no respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos, que orientam a sua política interna e internacional e constituem um elemento essencial do presente acordo”, lê-se no artigo 2.
Na carta, Varadkar e Sánchez reiteram a condenação ao ataque terrorista do Hamas, a 7 de outubro, e pedem a libertação dos reféns, lembrando que Israel tem direito à sua defesa. Mas, insistem, “a resposta deve ajustar-se aos princípios da distinção [entre civis e não civis], proporcionalidade e precaução”. Os dois líderes mencionam a “preocupação generalizada pelas possíveis infrações do Direito Internacional Humanitário e da legislação internacional”, recordando ainda que o Tribunal Internacional de Justiça da ONU deu ordens a Israel para que “adote medidas imediatas e efetivas para garantir serviços básicos e assistência humanitária” em Gaza.
À margem
Netanyahu veta diálogo no cairo sem mudanças
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, disse ontem que só uma alteração das reivindicações do Hamas sobre a eventual trégua e libertação de reféns pode permitir o avanço das negociações. As declarações surgem depois de ser revelado que não haverá hoje uma delegação israelita nas negociações que decorrem na capital egípcia. “No Cairo, Israel não recebeu nenhuma proposta nova do Hamas”, disse o gabinete do primeiro-ministro, indicando que este “insiste que não cederá às delirantes exigências do Hamas”. As famílias dos reféns lamentam esta “sentença de morte” aos que ainda estão em Gaza.
Abbas insta hamas a concluir um acordo
O presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas, instou ontem o Hamas a “concluir rapidamente” um acordo para proteger o povo palestiniano das “repercussões de uma nova catástrofe, não menos perigosa do que a Nakba de 1948”. A palavra “nakba”, que significa catástrofe, é usada para referir o êxodo palestiniano após a criação do Estado de Israel. O apelo surge numa altura em que Israel promete uma “operação poderosa” contra Rafah, no sul da Faixa de Gaza, assim que os civis deixarem a cidade que se tornou num gigante campo de refugiados.
Exército israelita lança ataques contra o Líbano
Um soldado israelita morreu e outros oito ficaram feridos depois de pelo menos 11 rockets disparados do Líbano terem atingido uma base em Safed, no norte de Israel. Em resposta, os israelitas lançaram ataques aéreos generalizados contra alvos do Hezbollah, no Líbano.
Reconciliação de Erdogan e Al-Sissi
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, mostrou-se ontem disponível para reconstruir Gaza em colaboração com o Egito, após uma reunião com o seu homólogo egípcio, Abdel Fattah al-Sissi, no Cairo. Esta foi uma visita inédita, encarada como um momento de reconciliação entre os dois países após mais de uma década de crise, desencadeada pelo golpe de Al-Sissi contra o ex-presidente, Mohamed Morsi, líder da Irmandade Muçulmana e aliado de Ancara.
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