Entre a ameaça jihadista e os mercenários russos, Uagadugu vive segundo golpe em meses
Militares depõem golpista anterior, também militar, e tentam implicar França no apoio a alegado contragolpe.
Em janeiro, quando o tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba desalojou o presidente eleito Roch Kaboré, o argumento utilizado foi o de tornar mais seguro o país da África Ocidental. Nem nove meses depois, a conta foi apresentada na sexta-feira a Damiba por outros militares, num novo golpe no continente africano. Em ambas as ocasiões, alguns populares festejaram com bandeiras russas, possível símbolo da entrada dos mercenários russos no país. Desta vez, porém, o homem que estava no poder foi acusado de tentar ripostar nas horas seguintes a partir de uma base francesa, o que foi de pronto negado pela Embaixada de França em Uagadugu.
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Os militares que tomaram o poder no Burquina Faso disseram que o líder da junta, deposto horas antes, estava a planear recuperar o poder com o apoio de Paris. "Refugiou-se na base francesa em Kamboinsin, a fim de planear uma contraofensiva para criar problemas às nossas forças de Defesa e Segurança", disseram numa declaração lida na televisão nacional e assinada pelo capitão Ibrahim Traoré, o novo líder do país.
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Traoré, de 34 anos, era até agora chefe da unidade de Forças Especiais que combatia os terroristas no norte do país. Uma hora antes de o grupo de militares implicar a antiga potência colonial, a embaixada francesa negou qualquer envolvimento nos acontecimentos, bem como no acolhimento ou proteção de autoridades burquinenses. A França mantém no país uma unidade de forças especiais, apesar do crescente sentimento antifrancês, tal como sucedeu no vizinho Mali.

O protagonista do golpe de janeiro, Damiba, invocou a luta contra os islamistas e a segurança do país como motivos para o golpe. Militares que o derrubaram agora usaram os mesmos argumentos.
© OLYMPIA DE MAISMONT/AFP
Segundo os golpistas, a alegada resistência de Damiba com o apoio francês seria uma resposta à vontade da Nova Junta em "recorrer a outros parceiros prontos a ajudar na luta contra o terrorismo", ou seja, ao grupo paramilitar russo Wagner.
Curiosamente, terá sido a recusa de Kaboré em contratar os mercenários russos que terá levado Damiba ao golpe de janeiro. Segundo o Daily Beast, o tenente-coronel, que havia sido promovido a comandante militar responsável pela segurança da capital em dezembro, insistira junto do presidente para este optar pelos serviços russos para combater os jihadistas. O Grupo Wagner está presente em vários países africanos, da Líbia à República Centro-Africana, do Sudão ao Mali (e com uma passagem falhada por Cabo Delgado, Moçambique).
Com mais de 40% do território fora do controlo do governo, os líderes golpistas disseram que Damiba também tinha falhado. "Longe de libertar os territórios ocupados, as áreas outrora pacíficas ficaram sob controlo terrorista", disseram. "Decidimos assumir as nossas responsabilidades, movidos por um único ideal: a restauração da segurança e da integridade do nosso território."
Em consequência, suspenderam a Constituição, fecharam as fronteiras, dissolveram o governo de transição e a Parlamento e instituíram um recolher obrigatório. O ambiente em Uagadugu foi tenso no sábado, com trocas de tiros e o destacamento de soldados para as ruas, suscitando receios de mais confrontos entre os apoiantes de Damiba e os novos homens fortes do país. Resta descortinar qual o papel dos russos - se é que houve - no desenrolar dos acontecimentos.
cesar.avo@dn.pt
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