“Eixo da resistência” promete vingar morte de Haniyeh
O Hamas anunciou esta quarta-feira a morte do seu líder político Ismail Haniyeh num bombardeamento em Teerão, acusando Israel deste “ato cobarde” e prometendo que “não ficará sem resposta”. A morte de Haniyeh surge um dia depois de as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) matarem o líder militar do Hezbollah, Fuad Shukr, num outro ataque em Beirute - uma morte só confirmada oficialmente ontem pelo grupo xiita libanês.
Dois golpes ao chamado “eixo de resistência”, liderado pelo Irão, que também disse que não vai ficar de braços cruzados com a morte de Haniyeh em Teerão. O líder supremo Ali Khamenei considera que “a vingança” é um “dever”. Já o novo presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, a cuja tomada de posse Haniyeh assistiu antes de ser morto, prometeu que Israel se vai “arrepender” desta morte “cobarde”.
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, congratulou-se com os “golpes esmagadores” contra os “inimigos de Israel”, apesar de ter mencionado numa declaração televisiva apenas a morte de Shukr - oficialmente, Israel não admitiu a responsabilidade pela morte de Haniyeh. Shukr é apontado pelos israelitas como o responsável pelo ataque que matou 12 crianças nos Montes Golã, no domingo. O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, deverá fazer esta quinta-feira uma rara declaração pública, após o funeral.
Netanyahu disse ainda estar preparado para “qualquer cenário”, admitindo que vêm aí “dias desafiantes” e deixando claro que “exigirá um preço elevado por qualquer agressão” contra o país. Quando Israel bombardeou o consulado iraniano em Damasco, em abril, matando vários membros dos Guardas da Revolução, Teerão respondeu lançando drones e mísseis contra Israel - o primeiro ataque direto do género, que foi na sua maioria intercetado pela defesa aérea israelita e pelos aliados ocidentais. Um cenário que se poderá repetir, com Khamenei alegadamente a dar essa ordem após uma reunião de emergência do seu Conselho de Segurança Nacional.
O aumento da tensão regional faz soar os alarmes internacionais. “Estes anúncios nas últimas 24, 48 horas certamente não ajudam a baixar a temperatura”, disse o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, dizendo que os EUA estão “obviamente preocupados com a escalada” da situação. Contudo, consideram que essa escalada não é nem “inevitável”, nem “iminente”. Mas, ao mesmo tempo, a Administração desaconselha as viagens para o Líbano.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, mostrou-se alarmado com o que aconteceu em Beirute e Teerão. “Os ataques representam uma escalada perigosa, numa altura em que todos os esforços deveriam conduzir a um cessar-fogo em Gaza, à libertação dos reféns israelitas, a um aumento maciço da ajuda humanitária aos palestinianos em Gaza e ao regresso à calma no Líbano e na Linha Azul”, indicou o porta-voz do português, Stéphane Dujarric.
A Linha Azul é a linha de demarcação estabelecida pela ONU entre Israel e o Líbano em 2000, onde têm sido diárias as trocas de tiros desde o início da guerra em Gaza. O Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu ontem de emergência para discutir a situação no Médio Oriente.
E agora?
Haniyeh, que tinha 62 anos, foi primeiro-ministro palestiniano entre 2006 e 2007. O Hamas venceu as eleições legislativas, mas a tensão com a Fatah de Mahmud Abbas acabou em guerra civil, com Haniyeh a passar a controlar apenas a Faixa de Gaza enquanto a Cisjordânia continuou nas mãos da Autoridade Palestiniana. Israel respondeu com o bloqueio ao enclave palestiniano.
Em 2017, Haniyeh foi eleito líder político do Hamas - era considerado uma voz moderada -, sucedendo a Khaled Meshal. Este surge agora como favorito a recuperar esse cargo. Apesar do choque, o golpe para o Hamas pode ser de curta duração. Outros líderes do grupo terrorista foram mortos no passado, incluindo o histórico Ahmad Yassin, em março de 2000, sem que isso tivesse destruído o Hamas.
A morte de Haniyeh, que vivia no exílio, deverá pôr um ponto final às negociações para um cessar-fogo em Gaza, já de si difíceis. Segundo o investigador Hugh Lovatt, do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores, era a liderança política que estava a pressionar Yahya Sinwar, o líder do Hamas na Faixa de Gaza, a aceitar o cessar-fogo.
A resposta do Hamas, tal como a resposta do Hezbollah, dependerá sempre daquilo que o Irão - que apoia ambos os grupos - estiver disposto a arriscar. Os analistas acreditam que Teerão não tem interesse numa guerra aberta com Israel, mas poderá ser forçado a responder.
Outros alvos-chave desde o início da guerra
Sayed Razi Mousavi: O general iraniano do corpo de elite Força Quds, dos Guardas da Revolução, que servia de conselheiro na Síria, foi morto num ataque com drones nos arredores de Damasco a 25 de dezembro do ano passado. O Irão culpou Israel por este ataque.
Saleh al-Arouri: O número dois do gabinete político do Hamas e um dos membros fundadores das Brigadas Al-Qassam, o braço armado do grupo palestiniano, foi morto a 2 de janeiro num ataque com drones contra um prédio nos subúrbios de Beirute, no Líbano.
Mohammad Reza Zahedi: O comandante da Força Quds no Líbano e na Síria, figura de destaque dentro dos Guardas da Revolução, foi morto num ataque israelita ao consulado iraniano em Damasco, a 1 de abril deste ano. No mesmo ataque foi morto o seu braço direito, Mohammad Hadi Hajriahimi, e outros cinco oficiais. Em retaliação, o Irão lançou centenas de drones e mísseis balísticos contra Israel a partir do seu território (foi a primeira vez que tal aconteceu) a 13 de abril, com os israelitas a responder atacando o sistema de defesa aéreo iraniano uma semana mais tarde.
Mohammed Deif: O líder das Brigadas Al-Qassam, o braço militar do Hamas, foi alvo de um ataque aéreo no dia 13 de junho na cidade de Khan Yunis, em Gaza. No ataque morreram 90 pessoas, incluindo um dos seus mais próximos colaboradores, Rafa Salama, mas Deif terá sobrevivido.
Fuad Sukr: O chefe militar do Hezbollah estava no edifício em Beirute que foi alvo de um bombardeamento das forças israelitas na terça-feira. Israel garante que era o responsável pelo ataque contra Majdal Shams, nos Montes Golã ocupados, que matou 12 crianças. O Hezbollah, que nega a autoria desse ataque, admitiu só ontem a sua morte.
Ismail Haniyeh: O líder político do Hamas morreu num ataque em Teerão, atribuído pelo Irão e pelo grupo terrorista palestiniano a Israel. Os israelitas não comentam.
susana.f.salvador@dn.pt