Há cinco anos, o Reino Unido saiu da sala da União Europeia e a economia britânica está hoje em maior esforço, o país tem mais imigrantes e os britânicos estão mais arrependidos. Retrato de um divórcio pouco amigável que penalizou sobretudo o reino de Sua Majestade.Para a generalidade dos europeus, o rosto mais visível do Brexit terá sido a maçada que este provocou nas viagens: passámos a ter de ir para as portas de embarque mais longe, porque o passaporte voltou a ser necessário para visitar o Reino Unido – e, aliás, a partir de abril até vai ser preciso preencher um formulário de autorização de entrada, tal como acontece quando se viaja para os EUA, e pagar uma taxa adicional.Tornou-se, também, mais complicado encomendar coisas da Amazon.co.uk ou de outras lojas ou empresas inglesas, uma vez que tudo passa a ser passível de pagamento de taxas alfandegárias mas, fora isso, o impacto na vida de um europeu genérico foi relativamente reduzido. Tão reduzido que até é difícil encontrar contas que nos mostrem a real consequência da saída do RU da União Europeia (UE). “É o que acontece quando o impacto não é muito significativo”, confirma João Duarte, economista e investigador da Nova SBE, em declarações ao DN. O mesmo, porém, não se pode dizer do que se continua a sentir em solo britânico. Depois de mais de metade dos cidadãos ter votado a saída da UE, em 2016, começaram as negociações para aquilo que foi chamado de “uma saída suave” do país que sempre foi a exceção às regras do bloco económico. Apesar de ter sido um dos fundadores da UE, e por motivos que são mais políticos e históricos do que outra coisa, o Reino Unido conseguiu ser parte integrante do bloco sem nunca ter aderido à moeda única – apesar de ter sido parte do mecanismo de taxas de câmbio europeu –, por exemplo.Ao sair da UE, nova exceção: foi o primeiro Estado-membro a fazê-lo, e, apesar de ter batido com a porta, garantiu uma série de acordos comerciais e de cooperação que, ainda assim, não foram suficientes para mitigar o impacto que o abandono do bloco provocou na sua economia. Para entender por que tudo isto aconteceu, é preciso olhar primeiro para aquilo a que os economistas chamam, comummente, de “scapegoat economics”. Ou seja, uma economia de bode expiatório, em que se procura um elemento para culpar quando precisamos de justificações para algo que corre de forma diferente do esperado. Em 2016, esse bode expiatório foi a UE. Porquê? Porque apesar de a economia britânica até apresentar desempenhos positivos, ou pelo menos acima dos seus pares, durante primeiros anos da segunda década do século XX, a verdade é que o ambiente político e social estava em ebulição. O crescimento de forças políticas como a liderada por Nigel Farage – fundador da campanha Vote Leave –, que culpam os imigrantes pelas dificuldades dos cidadãos, bem como um ligeiro desnorte do Partido Conservador, liderado à data por David Cameron, acabaram por conduzir o reino de Sua Majestade a querer fechar-se sobre si próprio. O mesmo movimento protecionista, aliás, que agora vemos a crescer em outras economias mundiais.Assim, em 2016, Cameron decidiu referendar a saída da União Europeia o que, à época parecia uma espécie de solução para os desafios de então: fechando a porta aos outros Estados-membros, limitando a entrada de cidadãos europeus com livre trânsito até então, e dificultando as importações e exportações entre o Reino Unido e o bloco europeu protegeria os trabalhadores e os postos de trabalho britânicos, e faria crescer a economia, sem o lastro dos Estados-membros que obrigavam a um passo mais lento por parte da economia britânica. Alegadamente. Sucederam-se as entrevistas de governantes a garantir estar já em conversas com grandes grupos económicos de países como a Alemanha, para negociar novos acordos – “esquecendo” de dizer que sendo a Alemanha um Estado-membro da UE não podia negociar sozinha – e apresentavam um cenário macroeconómico positivo e muito perto da perfeição. A economia cresceria, a imigração cairia e abriria espaço para os nacionais, as empresas britânicas iam ganhar graças ao consumo interno e havia como que uma espécie de regresso ao esplendor do Império Britânico de outrora.Economistas, investigadores e políticos, estrangeiros e nacionais, foram avisando que, por norma, tudo o que parece demasiado bom para ser verdade, possivelmente é mesmo uma falácia. As estimativas estavam feitas, mas a pressão pública não fez o Governo recuar e o Reino Unido avançou sem medos para uma saída da UE. E os números foram aparecendo, também eles, sem medos, desde então: perdas na ordem dos 100 mil milhões de libras, todos os anos, para a economia nacional; desaparecimento de 1,8 milhões de empregos; impacto negativo no comércio na ordem dos 15%; exportações a cair 6,4%; um saldo migratório de 2,3 milhões de pessoas. Segundo o Goldman Sachs, a economia britânica cresceu menos 5% ao ano do que outros países comparáveis, e o banco estima entre os 4% e os 8% as perdas reais para o PIB britânico, a cada ano. Os dados foram publicados em janeiro de 2024 e, contactado pelo DN, o banco reafirmou que são os mais recentes e que continuam atuais. Para os analistas desta instituição, há três fatores-chave a contribuir para as dificuldades económicas do RU: a quebra do comércio, a redução do investimento em negócios e escassez de mão de obra, provocada pelo decréscimo de imigração proveniente da União Europeia. Variáveis que deverão manter-se no médio e longo prazos, a menos que algo mude..Cinco anos depois do Brexit, Starmer quer fazer um 'reset'. Mas ainda não disse como. O impacto no comércio, estimado por mecanismos governamentais britânicos e também por investigadores da London School of Economics, deverá ser de 15% no longo prazo. Sem o mercado da União Europeia, muitas empresas britânicas deixaram pura e simplesmente de ser viáveis e de conseguir manter as operações. Mais de 16 mil pararam de exportar para o bloco – o impacto provocado permitiu que apenas as maiores continuassem a crescer (ou pelo menos a sobreviver) – e, sem surpresa, o mercado interno também saiu a perder, em consequência desse encolher do tecido empresarial.Dados da Cambridge Econometrics – num estudo pedido, aliás, pelo mayor de Londres, Sadiq Khan – davam conta de que, em 2023, o britânico médio ficou quase duas mil libras mais pobre. Entre os londrinos, esse número subiu para as 3400 libras – na capital, os salários também tendem a ser mais elevados. Valores que se tornam ainda mais significativos se tivermos em conta que o aumento dos preço no consumidor, desde a altura do referendo, foi de 31%, no RU – acima do registado na União Europeia, onde se fixou nos 27%. No mesmo sentido, desapareceram 1,8 milhões de empregos em consequência da quebra do comércio e do investimento internacional, e entraram mais de três milhões de imigrantes no país, a grande maioria vinda de fora da Europa – porque, afinal, se limitou a entrada dos europeus... Contas feitas, e o saldo migratório é de 2,3 milhões de pessoas, quando um dos grandes objetivos do Brexit era, precisamente, fechar o país a estrangeiros. Ou seja, “o prometido, que era a recuperação dos salários e afins não só não se tem sentido, como se tem agravado”, nota João Duarte. “Já o setor financeiro”, que muitos culpavam também pelo ‘estado da economia’, foi “pouco impactado” e continua a ser um importante motor desta, nota o investigador. “Se olharmos o consenso dos economistas, não houve falha nenhuma” nas estimativas feitas à época do referendo. “Houve, talvez, uma supervalorização da questão do fator da imigração, e o investimento correu, também, muito pior do que se estava à espera.” Mas, “na média, este impacto era esperado. Em termos de mensagem política, o RU quis fazer acreditar que aliando-se aos seus parceiros anglo-saxónicos, ia conseguir compensar as perdas” das relações com o bloco. “Mas, para o senso comum”, era difícil acreditar que isso fosse acontecer.“E, de facto, não houve substituição dessas relações e dessas trocas e, no que toca a alguns setores-chave, como o da Saúde, há uma falta tremenda de Recursos Humanos. Há, agora, uma série de problemas estruturais que se foram agravando”, sublinha. Recorde-se que o Serviço Nacional de Saúde britânico, o famoso NHS, funciona há muitos anos graças à importação de talento formado fora do país – como é o caso dos enfermeiros saídos de Portugal. No mesmo sentido, o facto de ter aumentado o número de migrantes de outras partes do mundo, agravou as dificuldades de integração de algumas comunidades que são, ainda assim, essenciais para que a economia não pare – muitas vezes, trabalhadores pouco qualificados que garantem que não há quebras nas cadeias de valor.A pergunta impõe-se: afinal, o Brexit não funcionou? “Essa resposta é clara: não! Não apenas do ponto de vista dos europeus – deixámos o RU dentro de muitos programas europeus de Ciência, e até ao nível de negociações de vacinas e medicamentos – mas se olharmos para o país, a resposta é ainda mais clara. O último inquérito mostra que dois em cada três britânicos acreditam que a saída [da UE] foi má para a economia. E, entre os que votaram a favor do Brexit, quatro em cinco dizem o mesmo”, recorda João Duarte. “Os salários continuam parecidos [com o que eram antes da saída], a economia está pior com barreiras comerciais e afins e, ao mesmo tempo, a redução do fluxo migratório não aconteceu. O que era pretendido, que era fechar as portas, com promessas de melhorar as condições de quem se estava a sentir deixado para trás, não aconteceu”, repete. O que pode, e não, o RU fazer para mitigar os efeitos da decisão que tomou em 2016? João Duarte prevê “maiores aproximações à UE sobretudo nas áreas da Saúde e da Ciência, e um estreitar de relações em alguns outros setores-chave. Quanto ao comércio internacional de bens, há um dano permanente, sobretudo nas pequenas empresas. Por outro lado”, continua, “na questão do investimento, importa perceber o quanto da redução de imigração da UE e da redução do investimento se vai refletir nos próximos anos. O crescimento da produtividade é o motor do crescimento a médio e longo prazos, e não sabemos quanto vai prejudicar a economia do país... não temos bem a certeza de como vai acontecer”, resume.Ou seja: é muito provável que, nos próximos anos, os governantes britânicos tentem emendar a mão, aproximando-se da União Europeia através de acordos mais ou menos formais. Porque é certo que, de momento, o Reino Unido parece precisar muito mais da UE do que a UE do Reino Unido.