Drusos. A minoria sempre na frente de batalha que quer ajudar à paz em Israel
O túmulo de Amin Tarif, líder espiritual dos drusos entre 1928 e 1993, está no centro de uma sala da casa da família em Julis, no norte de Israel. Feito em pedra branca, tem por cima uma bandeira bordada de cinco cores (verde, vermelho, amarelo, azul e branco) que representa esta minoria étnico-religiosa. Na sala ao lado, as fotografias que cobrem as quatro paredes mostram a importância que teve para a história dos drusos e de Israel. “Ele liderou a nossa fé durante a II Guerra Mundial, a Guerra da Independência e é responsável pela ligação da comunidade drusa ao Estado de Israel”, contam-nos. Nas paredes há fotos de Amin Tarif com todos os presidentes e primeiros-ministros israelitas, mas também com vários dirigentes estrangeiros.
O atual líder espiritual da comunidade de 150 mil pessoas é o seu neto, Mowafaq Tarif, que recebeu os jornalistas estrangeiros que o visitaram em meados de março com doces e café. Mas o que significa ser o líder e juiz supremo dos drusos em Israel? “Em primeiro lugar, não durmo, tenho que cuidar de todos”, brinca, em declarações traduzidas para o inglês. “Tenho que cuidar de todos, ouvir todos. Responder a mil perguntar por dia com a mente aberta. Estar presente em cada celebração ou funeral”, disse. “De manhã posso reunir-me com o primeiro-ministro e à tarde lidar com um casal com problemas no casamento. Não há momentos mortos”, explicou.
Questionado sobre quais são os valores centrais da comunidade drusa, Mowafaq Tarif diz que acreditam num só Deus, que não podem renegar, e o estatuto da mulher é muito elevado. Lembrou que há milhares de anos que têm direito ao divórcio e a ficar com parte dos bens, assim como no caso de heranças. Há ainda o respeito mútuo pela outra pessoa, pelos idosos, pelas crianças. Os drusos só casam entre si e não são possíveis as conversões. “Não somos uma religião missionária”, resumiu, indicando ainda que acreditam na reincarnação.
Orgulho druso
Antes de Mowafaq Tarif entrar na sala, o brigadeiro-general Alaa Abu Rukun, que serviu durante 32 anos nas Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) e está na reserva há dois anos, falou mais sobre a comunidade. “Tenho muito orgulho de ser druso e muito orgulho de ser israelita”, contou Abu Rukun, cujo último cargo foi de secretário militar do então presidente Reuven Rivlin.
“A nossa comunidade não tem mais nada a provar sobre quem somos e qual é a nossa posição. Desde os primeiros dias da criação do Estado de Israel e até antes disso”, refere, apontando para as fotos nas paredes que mostram a história de uma “relação única e forte” entre os judeus e os drusos.
Ainda assim, Abu Rukun admite que nem tudo é perfeito. “Apesar de não ser questionada a nossa lealdade ao Estado de Israel, vivemos com muitos desafios. Somos uma comunidade pequena. Somos árabes, porque essa é a nossa cultura, a nossa língua mãe, e somos muitas vezes incompreendidos por quem não sabe o que são os drusos.”
E quem são os drusos? Do ponto de vista histórico, vêm do Islão, mas o seu pilar, a sua fé e filosofia é completamente diferente. “Os drusos, em todo o mundo, não têm qualquer aspiração territorial em ter o seu próprio Estado ou país. Uma das nossas filosofias base é que seremos leais ao país onde vivemos e quando somos leais, somos totalmente leais”, indicou o brigadeiro-general. Mas, admitiu, é fácil ser leal ao Estado de Israel, uma democracia onde tem liberdade religiosa, lembrando que durante o império otomano os drusos eram oprimidos.
A mesma liberdade não têm os 700 mil drusos do Líbano, sob controlo do Hezbollah, ou os 1,2 milhões da Síria. Os Assad, que estiveram no poder mais de meio século, defendiam “uma Síria para todos” e queriam que os drusos abdicassem da sua individualidade. Por isso, apesar de considerarem os drusos sírios como “irmãos” e de os apoiarem quando possível com assistência ou até dinheiro, os drusos de Israel não tinham relações com eles, explica Abu Rukun.
No início de março houve uma visita histórica: um grupo de clérigos drusos sírios foi autorizado a entrar em Israel e visitar o túmulo de Amin Tarif. Um momento “emotivo”, conta o brigadeiro-general. A queda do regime de Assad e a chegada ao poder de Ahmed al-Sharaa - que todos em Israel continuam a chamar pelo nome de guerra de “Al-Jolani”, lembrando o seu passado ligado à Al-Qaeda - é uma incógnita.
Mowafaq Tarif esteve no início do ano nos EUA e não se limitou a defender os drusos - falou por todas as minorias na Síria. Sobre as conversas que teve, resumiu simplesmente: “A América e a Europa não percebem que isto não é a América ou a Europa. É o Médio Oriente. E que vale na América e na Europa não vale aqui.” E reiterou que lá porque uma pessoa agora usa fato isso não significa que tenha mudado, referindo-se a Jolani/Al-Sharaa.
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, já disse que Israel está com os drusos da Síria. Para Abu Rukun, isso aconteceu porque ele sente uma dívida para com os drusos israelitas - já disse em várias ocasiões que, por duas vezes, a sua vida foi salva pelos guerreiros drusos no campo de batalha. Mas, na sua opinião, isso só coloca os drusos sírios em perigo.
ADN de guerreiros
Não é de estranhar que a vida de Netanyahu tenha sido salva pelos drusos. “No nosso sangue, no nosso ADN, somos guerreiros, pelo que em Israel nos integramos naturalmente nas IDF como combatentes, comandantes, generais em posições de destaque”, conta Abu Rukum, apontando também a presença importante de drusos a nível diplomático e académico. Ele próprio é doutorado em Estudos do Médio Oriente. Muitos israelitas, consideram que existe uma espécie de “aliança de sangue” com os drusos.
Enquanto guerreiros, os drusos estão normalmente na linha da frente, em posições de combate, contra os “irmãos” de outros países. “O meu pai esteve na Guerra dos Seis Dias, era então um jovem oficial das IDF. E combateu contra os sírios na fronteira norte. E ele sabia que, do outro lado, estavam drusos que serviam no exército sírio. E nunca há dúvida sobre como agimos nesta situação. É muito normal lutarmos mesmo contra os nossos irmãos para defendermos o nosso país. Faz parte da nossa complexidade”, disse Abu Rukun. “Mas, quando não há conflito, tentamos ajudar-nos tanto quanto possível.”
Apesar de serem os primeiros no campo de batalha, os drusos dizem-se disponíveis para usar a sua vantagem cultural enquanto árabes que percebem o outro lado, para ajudar a fazer a paz. “Sonhamos com o dia em que podemos fazer mais para trazer a paz para a região. De um lado estamos a combater, até na Faixa de Gaza, somos soldados de combate, mas, aos mesmo tempo, os nossos oficiais estão no Cogat”, indicou, referindo-se ao gabinete de coordenação das atividades governamentais nos territórios palestinianos que é liderado por drusos. São eles os responsáveis pela ajuda na Faixa de Gaza.
“Um exemplo”
Por serem os primeiros no campo de batalha, há drusos entre as baixas de guerra. Huda Daxa é a viúva de Ehsan Daxa, coronel das IDF e comandante da 401.ª brigada blindada. Foi o druso de maior patente militar a morrer na guerra em Gaza. Mãe de três filhos, de 15, 10 e 5 anos, quis contar a sua história aos jornalistas e leu, com várias pausas devido à emoção, um texto que tinha preparado.
Psicoterapeuta de profissão, Huda começou a publicar nas redes sociais, no início da guerra, vídeos curtos para ajudar as pessoas a lidar com a situação. “Não sabia que também teria que usar estas ferramentas. Estava basicamente a preparar-me para a guerra.”
Huda conheceu Ehsan quando tinha 15 anos, à entrada do novo milénio, e estavam juntos desde então. “Ele era e vai continuar a ser o meu melhor amigo.” Contou que o marido dedicou a sua vida a um único objetivo - “um futuro melhor em Israel” - e deixa para trás “um legado de amor e aceitação das pessoas e de amor pelo país”. Ele ensinou que “os conflitos só podem ser resolvidos através do diálogo” e é “um exemplo a seguir”.
A 20 de outubro, no dia em que morreu quando um engenho explosivo rebentou numa operação em Jabalia, Ehsan salvou uma família de Gaza que ajudou a retirar dos escombros. “Estava muito feliz por salvar uma vida humana. E por isso, pela sua humanidade, as pessoas admiravam-no. Ehsan representa toda uma sociedade que acredita na igualdade e na paz. Ele foi e será sempre leal a nós”, concluiu Huda.
A jornalista viajou a convite da EIPA (Associação de Imprensa Europa Israel)