Donetsk e Lugansk - as regiões mineiras no centro da tensão entre Rússia e Ucrânia

Juntas, as "repúblicas populares" sob controlo dos pró-russos têm 3,8 milhões de habitantes e ocupam um terço da região do Donbass. Ambas têm líderes fiéis a Putin, a cujo partido, o Rússia Unida, até aderiram em dezembro.

O presidente da Duma garantia há dias: "A Rússia não quer a guerra. O nosso presidente Vladimir Putin disse-o e continua a dizê-lo." Mas "se o perigo aumentar para as vidas dos russos e compatriotas que vivem na DPR e na LPR, o nosso país irá defendê-los", acrescentava Vyacheslav Volodin. DPR é a sigla da República Popular de Donetsk e LPR a da República Popular de Lugansk, que declararam a independência da Ucrânia em 2014, na sequência da anexação da Crimeia pela Rússia, e a viram reconhecida por Putin na segunda-feira. No dia seguinte a câmara baixa do parlamento russo autorizou o envio de tropas para o Donbass, região da Ucrânia de maioria russófona onde ficam. Uma missão de "manutenção de paz", garante Putin, o primeiro passo para a "invasão" denunciada pelos EUA, afirma o Ocidente. Esta quinta-feira o mundo acordou com o avanço das tropas russas em território ucraniano.

"Não há tropas russas aqui", garantia na véspera Denis Pushilin. O líder dos separatistas de Donetsk admitiu, no entanto, que podem chegar a qualquer momento, "quando e em que circunstâncias, a situação o dirá". Não tardaram a mudar, na ótica do Kremlin.

Mas qual o interesse da Rússia nas regiões de Donetsk e Lugansk?

Há oito anos que os separatistas pró-russos controlam partes dos dois oblast, as sub-regiões administrativas que constituem o Donbass. Mas só agora Putin reconheceu a independência - uma decisão só apoiada por Nicarágua, Síria e Venezuela, os mesmos países que imitaram a Rússia no reconhecimento da Abcásia e da Ossétia do Sul, após a guerra de 2008 com a Geórgia.

Donetsk e Lugansk mergulharam nos últimos anos num conflito entre as forças armadas ucranianas e os separatistas apoiados por Moscovo, que já terá feito mais de 14 mil mortos. Antes disso, a região era conhecida pela grande riqueza em minérios e por constituir um importante centro de produção industrial de aço e carvão - além de ter, aos olhos de Moscovo, uma posição estratégica, fornecendo, tal como a Crimeia, uma saída para o mar Negro, cujas águas dão acesso ao Mediterrâneo.

Os acordos de Minsk, assinados em 2015 entre ucranianos e russos, sob mediação franco-alemã, vieram trazer alguma acalmia aos combates no Donbass. Mas ao reconhecer a independência das duas regiões separatistas, Putin veio na prática rasgar o documento que previa a sua devolução à soberania ucraniana. A grande dúvida neste momento é se as ambições de controlo russas se ficam pelas fronteiras agora dominadas pelos separatistas - cerca de um terço do território do Donbass - ou se se estendem a toda a região, cujo controlo os líderes das "repúblicas populares" reivindicam.

Chamada Stalino nos tempos soviéticos, Donetsk é uma cidade mineira onde ainda hoje a praça principal exibe uma estátua de Lenine, o líder da revolução bolchevique que derrubou o czar em 1917. E foi a constituição adotada pelo seu sucessor, Estaline, que os separatistas da DPR (tal como os da LPR) foram recuperar em 2014. Incluindo a pena de morte para vários crimes, o que, a juntar ao controlo das comunicações e movimentos pela polícia secreta, levam especialistas citados pela Al-Jazeera a considerar as regiões separatistas como estados policiais, "ao estilo da Coreia do Norte".

Fundada em 1869 por um industrial inglês (tal como Donetsk no final do século XVIII o fora por um galês, a confirmar os britânicos sempre de olho onde há minério), Lugansk chamou-se a partir de 1935 Voroshilovgrado, em homenagem ao comandante militar e político Kliment Voroshilov. Mas, em 1958, voltou ao nome original, após a decisão de Nikita Khrushchev de não dar nome de pessoas vivas a cidades. Por morte de Voroshilov, voltou a trocar de nome, apenas para voltar a ser Lugansk em 1990.

Juntas, as duas zonas controladas pelos rebeldes têm cerca de 3,8 milhões de habitantes - 2,3 milhões em Donetsk e 1,5 milhões em Lugansk. Só nos últimos meses, a Rússia concedeu cidadania a mais de 700 mil destas pessoas - um primeiro passo, garantem os analistas, para justificar agora o envio de tropas para "proteger" os seus cidadãos. A verdade é que, segundo o último censo ucraniano (de 2001), cerca de dois terços da população do Donbass é russófona. Uma consequência também do envio de população russa para aquela região mineira após a II Guerra Mundial.

Antes de se tornar palco do conflito entre Ucrânia e Rússia, Donetsk era sobretudo conhecida pelo futebol, com o seu clube, o Shaktar, a ser um dos que mais títulos conquistaram na Ucrânia. Desde 2014, a violência no Donbass, obrigou o Shaktar a jogar as partidas "em casa" em cidades como Lviv, Carcóvia ou Kiev, para onde chegou a mudar a sua sede. O Donbass também é a região de origem de muitos dos que compõem a grande e bem integrada comunidade ucraniana em Portugal.

com as tropas russas a avançar, uma coisa é certa: Putin tem nos líderes das repúblicas populares aliados fiéis. Aos 40 anos, Denis Pushilin, que em 2018 chegou ao poder após o assassínio à bomba do antecessor, é formado em Engenharia Civil e Arquitetura, tendo servido na Guarda Civil da Ucrânia mas aderido desde cedo à causa separatista. Já Leonid Pasechnik , um antigo agente dos serviços de segurança ucranianos, de 51 anos, lidera a República Popular de Lugansk também desde 2018. Ambos se tornaram membros do Rússia Unida, o partido de Putin, em dezembro do ano passado.

helena.r.tecedeiro@dn.pt

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