Dominique Wolton: “Se não salvarmos as outras línguas, haverá guerras contra a língua inglesa”
Veio a Lisboa para uma conferência BEIRA – Observatório de Ideias Contemporâneas Azeredo Perdigão onde se falou muito de Camões. Esse é o grande nome da língua portuguesa, como Cervantes é o da língua espanhola e Shakespeare da inglesa. Qual é o nome equivalente para os falantes de francês?
Talvez Victor Hugo, porque é muito popular e continua a ser adaptado ao cinema e ao teatro, talvez por representar também características muito francesas: raiva, revolta, política.
Camões é conhecido em França? A primeira tradução de Os Lusíadas para francês foi no século XVIII.
Há uma complexidade de linguagem na poesia, o que é maravilhoso, mas que exclui as pessoas que não falam muito bem a língua em que é escrita, seja o português ou o francês, todas as línguas. Portanto, o paradoxo é que os poetas escrevem para todos, mas muitas vezes escrevem numa linguagem que não é compreensível para todos.
Se excluirmos os franceses de origem portuguesa, o público em geral interessa-se pela cultura portuguesa, sabe quem são Pessoa ou Saramago?
Esses são os dois que mais se destacam. Saramago por causa do prémio, mais o envolvimento político, e Pessoa porque é a força da poesia portuguesa. Creio que os franceses conhecem melhor os autores espanhóis do que os portugueses. É verdade, conhecem melhor Cervantes, por exemplo. Mas há uma simpatia natural pelos portugueses. Existe uma simpatia cultural francesa pelos portugueses. Gostamos dos portugueses por terem a elegância dos italianos, mas sem a arrogância dos italianos.
Essa opinião positiva sobre os portugueses é um reflexo da integração dos portugueses na sociedade francesa?
A história de Espanha é muito violenta. A história de Portugal é violenta, mas menos violenta. É que Salazar não é Franco. Os franceses, claro, eram contra essas ditaduras, mas especialmente o que permanece uma incógnita para nós é porque é que este grande povo que conquistou tudo antes dos outros, os portugueses, são tão modestos hoje? Nós não entendemos.
O francês foi a língua das pessoas mais instruídas em Portugal até bem dentro do século XX. Hoje é o inglês a língua franca aqui como no mundo. Qual é a sua visão sobre o futuro do francês como língua internacional?
Tenho trabalhado muito sobre a diversidade linguística e digo que atualmente é o rolo compressor do inglês que se sente em todo o mundo. Precisamos de compreender o mais rapidamente possível que se não salvarmos as outras línguas, haverá guerras contra a língua inglesa. Ou seja, não percebemos hoje que toda a gente quer ser anglófilo, mas isso vai gerar raiva porque a globalização é uniformização. E se a padronização linguística for imposta, haverá raiva. Por exemplo, na União Europeia é absolutamente necessário a diversidade. Mesmo que custe muito a tradução, e na verdade não custa muito, devemos manter as línguas. Se não preservarmos as línguas, haverá guerras na Europa e, um dia, no mundo. Para mim, a diversidade linguística é uma das condições sobre as quais não falamos muito, o que é essencial para a diversidade linguística. E se pegarmos nas línguas românicas, o francês, o espanhol, o italiano, o português, etc., têm mil milhões de falantes, o que é um grupo linguístico muito grande. Mas como não há unidade, não há valor. Portanto, o problema é salvaguardar naturalmente o mundo francófono, como outras línguas. Temos de admitir que, se queremos uma globalização pacífica, temos de admitir o tempo de tradução, a lentidão da tradução. E a loucura do inglês com 300 palavras é um empobrecimento terrível. E é por isso que o que há de bom aqui em Portugal, o mesmo em Itália, com Dante, ou em Espanha, com Cervantes, etc., é que há grandes figuras culturais que são poetas. E esta é uma forma de resistir à tirania da estandardização linguística. Para mim este é o maior problema: as pessoas estão a vender a sua alma para parecerem modernas. Claro, o inglês é muito útil, é uma língua de negócios, é uma língua de liberdade. O problema não é o inglês, é preservar os outros idiomas. E muitas vezes, nos países, as elites, e é realmente assim em França, as elites francesas, para parecerem modernas, inteligentes, estão sempre a querer falar inglês. E acho que os franceses são maus alunos da diversidade linguística. São um pouco arrogantes com o mundo francófono, demasiado arrogantes e, ao mesmo tempo, muito dispostos a vender a alma ao inglês.
Para nós, portugueses, língua e nação são sinónimos. Penso que o mesmo se passa com os franceses. Mas há outras realidades. Consegue imaginar que os países multilingues, como a Suíça ou a Bélgica, sejam tão viáveis como os monolingues?
Hoje dizemos que o multilinguismo é uma desvantagem. A tradução leva tempo, é cara e não é produtiva. Daqui a menos de vinte anos, diremos que o multilinguismo é uma oportunidade. Porque as pessoas nunca abandonam a sua língua materna. Nas batalhas que lutei pelo mundo francófono e pela linguística, digo antes de mais que devemos sempre salvar as nossas línguas maternas. Porque a tradição é transmitida através das línguas maternas. Portanto, basicamente, precisamos de três ou quatro línguas: a língua materna, geralmente línguas regionais, a língua nacional, e, depois, uma ou duas línguas internacionais, mas não apenas o inglês.
O que diz sobre as comunidades de imigrantes? Por exemplo, em França, existem pessoas de origem portuguesa, argelina, etc. É possível a República Francesa integrar pessoas que falem francês, mas mantenham em paralelo a língua das origens?
É uma riqueza que a França tem... Não é só a imigração. Quando se olha para os territórios ultramarinos franceses, e ainda temos uma dúzia de territórios ultramarinos, nunca é o francês que mais se fala, fala-se línguas regionais. Portanto, não é uma desvantagem, é uma visão tecnocrática pensar que é uma desvantagem. É uma riqueza, mas neste momento não nos apercebemos que é uma riqueza. E por isso penso que os Territórios Ultramarinos, no Oceano Atlântico, no Oceano Índico e no Oceano Pacífico, são uma riqueza para a França, e todas as línguas estrangeiras são uma riqueza.
Conhecer outra língua é uma forma de ter acesso a uma cultura diferente? É a porta de entrada para...
Claro. Como costumo dizer, o tradutor ou a tradução é a porta de entrada para o outro. Assim, num mundo onde tudo é aberto, tudo circula e onde há medo de perder identidades, temos de dizer absolutamente não à uniformização, devem ter um mínimo de conhecimentos de francês, ou de inglês para compreender, mas devem manter as identidades nacionais. A diversidade linguística não é uma desvantagem para a globalização, é uma oportunidade.
Uma pergunta mais pessoal: que língua gostaria de aprender?
A minha relação com a língua é estranha, porque o meu pai era inglês, 100% inglês, mas como ele morreu quando eu era muito novo, esqueci-me de tudo sobre o inglês. Portanto, eu realmente falo inglês como um francês, ou seja, não muito bem, mas não me importo. E, tal como todos os franceses, estudei alemão na escola, mas esqueci-me, é complicado. Se considerarmos a eficiência global, talvez fosse o espanhol que gostaria de aprender, porque encontramos espanhol em todo o lado, tal como encontramos francês em todo o lado. Também acho uma língua muito bonita o russo. O chinês está muito longe da Europa, mas o russo, uma língua eslava, não deixa de ser europeu.
O inglês hoje é a língua franca…
Sim, mas os próprios ingleses estão fartos do facto de a língua inglesa estar cada vez pior, com 300 palavras. Estão preocupados com a perda da língua inglesa, e têm razão.
O que lhe perguntava é que se o inglês é a língua franca do presente, assim como a língua francesa o foi até ao século XX, e o chinês talvez seja a do futuro, a ideia de uma língua universal como o esperanto é uma utopia?
É uma ótima ideia. O problema é que ninguém quer ter uma língua que não tenha raízes. A genialidade das línguas é que todas elas têm raízes. Espanhol, chinês, hindi. E, consequentemente, se inventarmos uma linguagem que apanhe elementos de todas, ninguém se vai querer esforçar. Seria bom se pudesse haver esse esforço. Mas penso que o mais simples, se realmente quiséssemos um pouco de paz no mundo por causa da língua, seria admitir que teríamos de passar muito mais tempo a aprender línguas do que a aprender matemática. A matemática é menos importante do que as línguas. Deve-se aprender pelo menos duas línguas internacionais. Primeiro o inglês, depois outra, o russo, o espanhol, o francês, o que quer que seja, o japonês. E, de facto, acho que é uma oportunidade para a paz amanhã. Há uma revolução na comunicação que não está integrada. Acredita-se que se todos estiverem num computador, nos compreenderemos melhor. Isso não é verdade. Porque quanto mais informação há, mais falhas de comunicação há. O volume não é um sinal de qualidade. E para as línguas, é ainda mais importante manter a diversidade linguística porque é a História, e estas são memórias. Não há linguagem sem memória. E é por isso que não creio que o esperanto vá funcionar, porque é uma língua sem memória. Os homens tanto se matam uns aos outros pelas línguas como constroem a sua identidade ao mesmo tempo em torno delas. É muito complicado.