Em 2007, Blixa Bargeld cantava em alemão: "A cidade está envolta em névoa/Estou na minha montanha/No meu jardim negro/Entre céus comprimidos/No enclave da minha escolha/Onde me escondo/Em Nagorno-Karabakh". Numa entrevista, o guitarrista mais conhecido do grande público como fundador do grupo The Bad Seeds, que acompanha Nick Cave, explicava que a letra de Nagorny Karabach era mais sobre um estado de espírito do que outra coisa, até porque nunca tinha estado naquele território então na posse da Arménia. O sentimento de reclusão num local remoto que transparecia no tema dos Einstürzende Neubauten é desde 2023 uma recordação para os habitantes da região, depois de o exército do Azerbaijão ter imposto um cerco e depois tomado o enclave, culminando numa limpeza étnica. Foi o mais recente capítulo de um conflito que poderá agora ficar encerrado (ou congelado), com a assinatura de um acordo entre os líderes dos dois países na Casa Branca.Com o prazo estipulado por Donald Trump para a Rússia chegar a um acordo com a Ucrânia a expirar, outro conflito em que os russos estão historicamente envolvidos, o da Arménia com o Azerbaijão, estará à beira de uma normalização. O que é notável, tendo em conta que em janeiro o autocrata azerbaijano chamava o regime arménio de "fascista" e ameaçou com nova guerra. "O fascismo tem de ser erradicado. Ou vai ser erradicado pela liderança arménia ou por nós. Não há outra via", disse Ilham AIiyev.Mas de que estamos a falar? Com a Geórgia, estes dois países situam-se no sul do Cáucaso, também chamado de Transcaucásia. Ao longo dos séculos, por ali exerceram poder persas, turcos e russos. O principal pomo da discórdia entre os arménios (cristãos) e os azerbaijanos (muçulmanos da etnia túrquica azeri) é o Nagorno-Karabakh. Conhecido pelos arménios como Artsakh, uma província do reino da Arménia estabelecida antes de Cristo numa região montanhosa, foi controlada pelo império russo e mais tarde integrado na União Soviética. Pelo meio, foi alvo de luta entre arménios e azerbaijanos. A ocupação soviética impôs uma solução que resultou até perto do fim da URSS: o Nagorno-Karabakh fazia parte do Azerbaijão mas com o estatuto de região autónoma graças à maioria de habitantes arménios. Em 1988, com Moscovo em crise de identidade, começou uma guerra terminada em 1994 com a região autónoma a ganhar território em seu redor e a passar a ser independente de facto. A população encolhe com o abandono dos azerbaijanos.Sem resolução diplomática, a tensão transformou-se em conflito entre os exércitos do Nagorno-Karabakh e do Azerbaijão em 2010 e 2016. Em 2020, contudo, a relação de forças iria mudar. As forças de Baku, modernizadas e dotadas de drones turcos e israelitas, infligem uma pesada derrota a Artsakh. O que resta do território continua a ser alvo de assédio, apesar da mobilização de uma força de interposição russa. Em 2022, depois de novas escaramuças, o Azerbaijão inicia um bloqueio ao corredor de Lachin, a passagem do enclave para a Arménia. Ao fim de nove meses de bloqueio de bens essenciais, e já com mortes por desnutrição registadas, as forças do Azerbaijão lançam uma invasão a que as desmoralizadas defesas do enclave pouco resistem. Em resultado, mais de 100 mil pessoas fugiram para a Arménia. Uma limpeza étnica para uns, um "êxodo voluntário" para o presidente do Azerbaijão.Aliyev cumpriu a "meta sagrada" de levar a bandeira a todos os cantos do território e desde então a retórica irredentista tem subido de tom, inclusive com documentos do governo a classificarem a Arménia de "Azerbaijão Ocidental", ou com Aliyev a afirmar que a capital arménia, Ierevan, é uma "terra histórica do Azerbaijão".Do lado da Arménia, o seu primeiro-ministro Nikol Pashinyan está em modo sobrevivência. O cessar-fogo de 2020 obtido pela Rússia, de quem dependia ao nível da defesa, foi ignorado pelo Azerbaijão e Moscovo nada fez. Em consequência, Pashinyan ameaçou retirar o país do tratado de segurança coletivo que o une à Rússia a outros quatro países ex-soviéticos.Mas o maior ponto de tensão entre estes dois países sem relações formais, depois do enclave do Nagorno-Karabakh, é o exclave de Naquichevão. É um território do Azerbaijão com 460 mil habitantes, cravado no sudoeste da Arménia e que faz fronteira com o Irão (o país com o maior número de azeris). Financiado pelo petróleo, Aliyev exige ao vizinho com menos população e recursos militares a abertura de um corredor que ligue Naquichevão ao resto do país, passando pela província arménia de Syunik. Inclusive com ameaças de usar a força, Baku quer um corredor isento de quaisquer controlos aduaneiros ou de segurança arménia. É aqui que entram os EUA: segundo a Reuters, o acordo gizado prevê que o corredor, nomeado Rota Trump para a Paz Internacional e Prosperidade (cujo acrónimo em inglês é TRIPP), seja cedido aos norte-americanos para estes a desenvolverem e gerirem. "Através de meios comerciais, este passo vai desbloquear a região e evitar hostilidades adicionais", disse uma fonte àquela agência.