Doença ou purga? A saída de Hu do congresso que solidifica o poder de Xi

Antecessor do atual presidente foi retirado, visivelmente contra a sua vontade, da cerimónia de encerramento. Xi Jinping é apresentado como "o núcleo de todo o partido".

Num evento altamente coreografado como é o Congresso do Partido Comunista Chinês, a surpresa surgiu quando o ex-presidente Hu Jintao foi retirado contra a sua vontade do palco durante a cerimónia de encerramento. A explicação oficial de Pequim, que só surgiu várias horas depois, é que o antecessor de Xi Jinping "não se estava a sentir bem". Contudo, há quem alegue que se tratou de uma purga planeada, destinada a humilhar o anterior líder que estava sentado ao lado do atual, que viu reforçado o seu poder no congresso.

Hu Jintao, de 79 anos, surgiu visivelmente enfraquecido no encontro do partido, que reuniu 2300 delegados durante a última semana no Grande Salão do Povo, numa das extremidades da praça de Tiananmen. O outro ex-presidente ainda vivo, Jiang Zemin, de 96 anos, esteve ausente. Segundo um jornalista da agência estatal Xinhua, o ex-presidente que entregou as rédeas do partido a Xi Jinping em novembro de 2012 e do país em março de 2013, "insistiu em participar na cerimónia de encerramento apesar do facto de ter estado afastado a recuperar", não sendo claro de quê. "Quando não se estava a sentir bem durante a sessão, os seus funcionários, pela sua saúde, acompanharam-no a um quarto ao lado do local da reunião para que descansasse", acrescentando que ele já estava "muito melhor".

Contudo, o vídeo do momento (e as câmaras tinham sido autorizadas a entrar pouco antes) mostra um funcionário a forçar um relutante Hu Jintao a levantar-se da cadeira. O ex-presidente ainda tenta agarrar nuns documentos na mesa de Xi Jinping (estavam sentados lado a lado), mas este agarra-os a tempo. Antes de sair, Hu ainda toca no ombro e diz qualquer coisa ao presidente chinês, que lhe responde a sorrir, fazendo o mesmo gesto com o primeiro-ministro Li Keqiang, que estava sentado do outro lado de Xi Jinping e é considerado um aliado político de Hu.

Saúde ou purga?

Ainda antes da explicação oficial de Pequim, colocava-se a hipótese de um problema de saúde - mas essa tesa parece entrar em contradição com a relutância do ex-presidente em deixar o lugar e o facto de ninguém à volta o ter tentado ajudar (só Li Zhanshu, cujo cargo equivale a líder do Parlamento, e que estava sentado do outro lado de Hu, fez um gesto nesse sentido).

O jornalista da Foreign Policy, James Palmer, especialista em China, lembrou que a saída de Hu Jintao ocorreu logo antes de uma votação e que podia haver receio que ele se preparasse para votar contra ou abster-se - pondo em causa a ideia de unanimidade no apoio a Xi Jinping. Outra possibilidade que levanta é de a situação ter sido planeada, numa espécie de purga do ex-presidente que esteve à frente dos destinos da China durante uma década, de 2003 a 2013.

Diferenças entre Hu e Xi

Na China de Hu Jintao o poder ainda tinha um cariz coletivo, tendo o presidente de atuar como mediador entre as várias fações sempre em guerra. Além disso, foi uma década de abertura económica ao mundo (e de corrupção) e de tolerância de novas ideias. Na China de Xi Jinping, que foi vice-presidente durante o segundo mandato de Hu, há uma aposta no nacionalismo e na censura das opiniões divergentes. E só há uma fação, a dele, com Xi a rodear-se de aliados prontos a defendê-lo, forçando a saída dos mais moderados.

Um exemplo é a saída prevista do primeiro-ministro, que não estará na próxima Comissão Permanente do Politburo - os sete nomes serão conhecidos hoje. Li Keqiang, visto como mais liberal do ponto de vista económico do que Xi Jinping, não foi eleito sequer para o Comité Central, que tem 205 membros, de onde sairá também hoje o Politburo, com 25 pessoas.

Quatro dos atuais sete membros da Comissão Permanente vão sair - dois deles por terem atingido o limite informal de idade (têm mais de 68 anos), numa regra que não se aplica ao próprio Xi Jinping, que já tem 69. Mas tanto Li como Wang Yang (chefe do órgão consultivo do partido), que se falou que o podia substituir, ainda têm 67. O primeiro-ministro continuará contudo no cargo até à próxima eleição, que deverá ser em seis meses. Antes, Xi Jinping deverá ser eleito em março para um inédito terceiro mandato, depois de ter acabado com o limite de mandatos que existia.

A resolução aprovada ontem no congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) diz que os quase 97 milhões de militantes devem "defender o papel central do camarada Xi Jinping". O presidente, que este domingo será reeleito secretário-geral do partido, torna-se no líder mais importante desde o fundador da República Popular, Mao Zedong. Xi Jinping, que é apresentado como "o núcleo de todo o partido", reiterou no seu discurso que o PCC deve "sofrer" e "vencer" para "continuar a avançar".

O congresso também aprovou, pela primeira vez, a inclusão explícita de declarações sobre a "oposição resoluta" à independência de Taiwan e à "dissuasão dos separatistas" que a procuram. O atual texto só falava no "fortalecimento da união de todos os chineses, incluindo os compatriotas em Taiwan" e os esforços sobre a reunificação com a ilha - que Pequim vê como uma província rebelde.

susana.f.salvador@dn.pt

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