“Digo sempre aos paquistaneses que devemos valorizar a forma compreensiva como somos tratados em Portugal”
Como descreve a relação entre o Paquistão e os EUA? O seu país está a ser afetado pela guerra das tarifas? Houve um momento recente interessante em que Donald Trump elogiou o Paquistão pela detenção do cérebro do ataque no aeroporto de Cabul contra militares americanos em 2021. Isto significa que a colaboração na luta antiterrorista também é importante para as relações?
O Paquistão tem uma relação multifacetada com os EUA. Na Guerra Fria, o Paquistão era o aliado mais próximo do Mundo Ocidental e dos EUA. E até hoje temos uma relação ampla com os EUA. Temos relações de segurança, temos cooperação militar, temos relações económicas, culturais, sociais, assim como temos também uma diáspora paquistanesa nos EUA. E um dos maiores parceiros comerciais do Paquistão são os EUA. Cerca de 8,5 mil milhões de dólares das nossas exportações destinam-se aos EUA. Portanto, estamos ansiosos por melhorar o nosso relacionamento com os EUA. E apreciamos muito os EUA, que valorizam a cooperação do Paquistão no combate ao terrorismo. Sempre cooperámos com os EUA para travar o terrorismo na região. E esta cooperação vai continuar porque não queremos que o Paquistão continue vítima do terrorismo. Dois dos nossos vizinhos apoiam organizações terroristas. E há um grande aumento de atividades terroristas no Paquistão. Sobre a questão das tarifas, acreditamos que a negociação é a melhor solução para o meu país. O Paquistão planeia enviar uma grande delegação com especialistas, empresários e comerciantes aos EUA. Não acreditamos na guerra comercial. Em vez disso, acreditamos nas negociações e nos acordos.
Esta guerra comercial é, de certa forma, também uma espécie de guerra entre os EUA e a China. E a China é um parceiro muito próximo do Paquistão. Quando olhamos para a política internacional nos dias de hoje, vemos a China como uma potência emergente, também vemos a Rússia como uma potência ainda importante no mundo. Como é a relação entre o Paquistão e estes duas potências? Sei que querem também ser membro dos BRICS e estes países são fundadores dos BRICS.
Na arena internacional, os países seguem os seus interesses nacionais. O Paquistão desfruta de uma relação muito boa com o Ocidente por causa da nossa crença na liberdade de expressão e na democracia. E a China é nossa vizinha e é considerada uma amizade para todas as ocasiões. Independentemente das mudanças de governo no Paquistão, sempre desfrutámos de uma relação maravilhosa com a China. A China também está a investir muito no Paquistão. Infraestruturas, energia, grandes projetos. Tradicionalmente, a China tem apoiado o Paquistão nos seus esforços de desenvolvimento. Por isso, valorizamos muito esta amizade. A China também considera o Paquistão como um irmão de ferro. Portanto, temos uma parceria estratégica com a China. Também nos últimos anos temo-nos concentrado em melhorar o relacionamento com a Rússia. A Rússia também faz parte da nossa região, e em diferentes fóruns discutimos muitas questões. E, sabe, a Rússia, mesmo nos anos 1970, na era soviética, prestou alguma assistência económica e de desenvolvimento ao Paquistão para construirmos, por exemplo, uma fábrica de aço. Temos apenas uma grande siderurgia. A Rússia construiu-a. Portanto, queremos ter uma boa relação com a Rússia também. E desenvolver cooperação nos negócios e especialmente no setor energético. Não consideramos que o relacionamento com um país tenha de ser feito à custa de outro país. Podemos ter um bom relacionamento com vários países e não fazer parte da rivalidade entre grandes potências porque não somos um país grande. Ideologicamente, acreditamos no multilateralismo, acreditamos na vizinhança pacífica, acreditamos na resolução pacífica dos problemas.
Diz que o Paquistão não é uma grande potência, mas tem um dos atributos das grandes potências, que é a arma nuclear. Na relação complicada com a Índia, que dura desde a independência dos dois países em 1947, o poder nuclear de ambos ajuda a manter a paz?
Sim. Em 1974, quando a Índia detonou pela primeira vez a bomba atómica, não tínhamos capacidade nuclear. Assim, tivemos de a adquirir, porque o equilíbrio convencional foi totalmente perturbado. Então, o nosso programa atómico é puramente defensivo. É para dissuasão, porque não queremos ser dominados por nenhuma outra potência na região. Portanto, isto cria uma espécie de dissuasão e permite paz na região.
Olha para a Índia, hoje em dia, e imagina que poderá haver algum tipo de aproximação?
Os nossos povos, ambos os países, precisam de sair da armadilha da pobreza. É preciso que nos sentemos à mesa e discutamos as nossas questões, como Caxemira. Até resolvermos a nossa disputa em Caxemira, a paz entre o Paquistão e a Índia é ilusória. Assim, dizemos sempre que queremos discutir as nossas diferenças. E queremos ter comércio. Porque se as disputas forem resolvidas, então poderemos melhorar o nosso comércio e uma vizinhança pacífica pouparia as nossas energias e recursos para o desenvolvimento de ambos os países. A ascensão da militância do extremismo de direita na nossa vizinhança, é assunto de grande preocupação para as minorias naquele país assim como um grande perigo para a paz e a estabilidade na região. Por seu lado, o Paquistão acredita na coexistência pacífica das religiões e das culturas.
O Paquistão foi fundado por Muhammad Ali Jinnah como um país para os muçulmanos do subcontinente. E Jinnah acreditava na democracia. Mas depois da sua morte, houve muitos momentos na história do Paquistão em que houve um regime militar. Como é que a democracia paquistanesa lida com a influência dos militares?
Nos últimos 20 anos, e mais, a transição no governo paquistanês tem sido muito pacífica. As pessoas acreditam agora firmemente que as tradições democráticas devem ser promovidas. E os nossos militares respeitam essa tradição. Não restam dúvidas de que houve intervenções militares em momentos tumultuosos da nossa história. Isso também teve impacto na nossa economia e noutras áreas. E continua a haver um papel importante dos militares, não o negamos. Porque o Paquistão está a enfrentar muito terrorismo e desafios de segurança atualmente. De acordo com as nossas exigências e disposições constitucionais, os militares estão a auxiliar e a apoiar o governo civil sempre que são chamados a combater o terrorismo ou qualquer ameaça, como as inundações ou os terremotos.
Tradicionalmente existem dois partidos muito influentes no Paquistão. E as famílias Sharif e Bhuto-Zardari são poderosas neles. Imran Khan foi uma exceção nesta disputa e está agora preso. Qual é a situação atualmente desse ex-primeiro-ministro?
Imran Khan foi destituído de primeiro-ministro através de um processo democrático. A moção de desconfiança foi aprovada na Assembleia Nacional e ele teve de renunciar ao cargo. Depois houve eleições, e o atual governo de coligação está no poder e tem representação em todo o país. E, muitos partidos fazem parte do governo. Quando o partido de Imran Khan, ou o próprio Imran Khan, ou qualquer outro líder, tem de enfrentar um tribunal, o poder judicial do Paquistão é bastante independente. Alguns dos seus casos estão a ser julgados. Se os tribunais lhe concederem fiança ou o ilibarem, ficará certamente em liberdade.
O desenvolvimento económico é vital para o Paquistão, porque o país tem uma população de 250 milhões. Quais as perspetivas?
Nos últimos dois, três anos, estivemos em sérias dificuldades por causa de as nossas reservas em moeda estrangeira estarem a diminuir. O governo encetou reformas económicas. E inicialmente havia algumas restrições de repatriamento de dinheiro. Agora as empresas estrangeiras que trabalham no Paquistão estão livres para repatriar o seu dinheiro, porque a nossa situação económica melhorou. A nossa taxa de inflação é a mais baixa em anos. As reservas em moeda estrangeira estão em melhor posição e o nível de pobreza e outras questões estão a ser abordadas pelo governo através de vários programas. Portanto, as coisas estão a melhorar e há uma projeção de que o crescimento do PIB rondará os 3%. Queremos um Paquistão muito vibrante porque temos uma população jovem. Mais de 60% da população tem menos de 30 anos. Assim, estamos a trabalhar para alavancar esta população jovem, especialmente através das TI, tecnologia da informação. Queremos envolver as nossas mulheres, também as pessoas que vivem em zonas rurais, para fazerem parte da economia internacional através da TI, o que trará muitos dividendos para o nosso país.
Celebram-se os 75 anos de relações diplomáticas entre Portugal e o Paquistão, e, recentemente, houve uma visita do presidente Zardari a Lisboa por causa do funeral do Aga Khan, e houve um encontro com o nosso Presidente. Como avalia a relação bilateral?
É um aspeto muito importante que o Paquistão e Portugal, nos últimos 75 anos e mais, tenham sempre desfrutado de uma relação bastante boa. Cooperação alargada, cooperativa e não apenas bilateral, mas multilateral. O vosso jornal publicou, em 1961, muitas histórias sobre o Paquistão a apoiar as pessoas retiradas de Goa, que foi vítima de agressão. Então, no Paquistão, éramos amigos nessa altura e oferecemos-lhes refúgio, e ajudámos a regressar a Portugal. E depois, novamente, quando as forças internacionais entraram no Afeganistão, Portugal fazia parte delas, e, quando houve uma retirada repentina, em 2021, nós fornecemos muito apoio logístico, porque consideramos Portugal como nosso amigo. E temos agora uma relação económica muito boa e a nossa comunidade também proporciona um vínculo maravilhoso. As pessoas que vieram, nos últimos 3-4 anos, são na sua maioria muito educadas. A nossa comunidade estudantil tem aqui mais de 1000 estudantes. Estão a fazer mestrado, doutoramento. Alguns médicos, engenheiros e trabalhadores altamente qualificados adotaram este grande país como seu. Portanto, todas estas coisas deram profundidade à nossa relação, mas ainda há muito a ser feito. Por exemplo, as empresas de TI podem beneficiar da experiência do Paquistão, porque fornecemos já serviços de suporte de TI a economias altamente desenvolvidas, como a Alemanha e os EUA. Por conseguinte, os empresários portugueses também podem beneficiar da experiência das empresas paquistanesas e a embaixada está a esforçar-se por construir pontes com as comunidades empresariais dos dois países.
Referiu a comunidade paquistanesa em Portugal. Os números estão a aumentar. Quão integradas são estas pessoas?
Inicialmente, os paquistaneses que vieram para Portugal eram apenas homens. Os ganha-pão, trabalhadores, sobretudo operários. Nos últimos cinco anos, as famílias mudaram-se para Portugal e alguns dos seus elementos voltaram a trabalhar em diferentes países, como o Paquistão, alguns estão a trabalhar no Médio Oriente, alguns estão no Canadá, alguns estão noutros países. Deixaram aqui as suas famílias, os seus filhos para fins educacionais, para fazerem amizades e estão a enviar dinheiro para aqui. Por isso, são também fonte de divisas para Portugal. Sei que são uma minoria, mas é uma boa tendência. E têm um bom emprego, um emprego de 3000 dólares americanos ou 5000 dólares americanos no Dubai, ou em Riade, ou no Bahrein, ou no Qatar, e as famílias estão aqui. Depois, os seus filhos vão para escolas normais, universidades. Assim, aprendem muitas coisas. A geração anterior, que chegou há 20 anos, era constituída apenas por trabalhadores. Não conheciam a língua, não compreendiam as normas e os valores culturais e não se misturavam. Agora, a embaixada está a trabalhar arduamente e a tentar construir pontes e reunir-se com os nossos líderes comunitários e membros da comunidade. Estamos a tentar trazê-los para a sociedade e dizer-lhes que este é um grande país. Antes de mais, somos amigos e precisamos de valorizar as suas tradições.
Sendo uma comunidade muçulmana, a integração numa sociedade ocidental, como Portugal, como acontece?
Vou à Mesquita Central para as orações de sexta-feira. E agora, no Eid, também fui, e vou dar o meu testemunho. Vi milhares de pessoas a chegar. E gravei um vídeo a mostrar que havia cerca de 3000 pessoas cá fora. E as ruas estavam praticamente congestionadas. E gostei de ver que as pessoas nos carros não buzinavam, davam passagem, tudo muito calmo. Respeitavam ser um dia de festa muçulmana. Portanto, é uma grandeza deste grande país, o seu povo. Que saibam que esta é a nossa tradição, o mês de jejum, e que esta é a nossa celebração do Eid. Estou em contacto com anciãos da comunidade muçulmana não só do Paquistão, mas também de outros lugares. E sempre destaquei a grandeza deste país. Vivi em cinco continentes. E sei que em alguns países, mesmo depois das orações de sexta-feira, quando apanham os muçulmanos na rua, penalizam-nos até por atravessarmos fora da passadeira. Eu estou sempre a dizer: devemos valorizar a forma compreensiva como somos tratados em Portugal. É um país que permite que as mulheres usem lenços e véus. Então, devemos valorizá-lo. E a comida halal está disponível facilmente aqui. Portanto, isso é bom para nós, há toda a probabilidade de os muçulmanos serem muito felizes aqui. E devem contribuir pacificamente para o crescimento deste grande país.