Guarda de honra dos Mossos d’Esquadra a Salvador Illa, que assume este sábado a presidência da Generalitat.
Guarda de honra dos Mossos d’Esquadra a Salvador Illa, que assume este sábado a presidência da Generalitat.Cesar Manso / AFP

Debaixo de fogo, Mossos culpam Puigdemont que fala numa “caça às bruxas”

Polícia catalã admitiu que não esperava fuga do ex-líder da Generalitat, que quebrou o silêncio já alegadamente de volta à Bélgica. Salvador Illa toma este sábado posse e vai recuperar o major Trapero.
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O ato de desaparecimento de Carles Puigdemont, que evitou a detenção no regresso à Catalunha, deixou os Mossos d’Esquadra debaixo de fogo. Por um lado foram acusados de conluio com o independentismo, por outro de “caça às bruxas” depois de os seus dirigentes terem apontado o dedo a Puigdemont. O socialista Salvador Illa toma este sábado posse como presidente da Generalitat e prometeu voltar a nomear o major Josep Lluís Trapero para a liderança da polícia catalã.

O governo espanhol lembrou que eram os Mossos os responsáveis pelo dispositivo policial na quinta-feira, quando Puigdemont desapareceu após discursar em Barcelona. E o juiz do Supremo Tribunal Pablo Larena, que mantém vigente o mandado de detenção contra o ex-líder da Generalitat por peculato, exigiu explicações aos responsáveis policiais e ao governo regional.

Numa conferência de imprensa, estes admitiram que não esperavam a fuga e culparam Puigdemont. O líder da polícia catalã, Eduard Sallent, disse que o ex-presidente e os seus aliados não foram “leais” e tentaram usar os Mossos para que a sua detenção “desestabilizasse” o acordo para a investidura de Illa. E rejeitaram a ideia de que são uma “polícia patriótica”. Já o ainda titular da pasta do Interior catalã, Joan Ignasi Elena, da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), foi mais longe: “Não esperávamos um comportamento tão impróprio de quem foi a máxima autoridade do país.”

Puigdemont quebrou o silêncio ao final da tarde, no X, dizendo que já estava de volta a Waterloo, na Bélgica. Denunciou uma “caça às bruxas” e uma “onda repressiva” contra os que o acompanharam. “Nunca tive vontade de me entregar voluntariamente ou de facilitar a minha detenção porque considero inaceitável que esteja a ser perseguido por razões políticas e que, ainda por cima, não se esteja a aplicar a lei da amnistia”, referiu, atacando a cúpula da polícia e do governo.

Este sábado toma posse o novo executivo de Illa, que terá que enfrentar também o descrédito dos Mossos. Num dos debates antes das eleições catalãs, Illa anunciou que nomearia o major Trapero como diretor-geral dos Mossos se fosse eleito. Um cargo que ocupou pela primeira vez em abril de 2017, no governo de Puigdemont - que o mencionou no comunicado que publicou no X, dizendo que na altura ele “não estava propriamente do lado do governo”.

Trapero transformou-se numa espécie de herói para os independentistas após os atentados terroristas de agosto de 2017 em Barcelona. Foi também o responsável pela atuação da polícia catalã no referendo de 1 de outubro, com uma postura diferente da Polícia Nacional e da Guardia Civil, que se envolveram em confrontos.

Trapero, que se dizia ter uma relação de amizade com Puigdemont, seria afastado quando o governo central aplicou o artigo 155 da Constituição e suspendeu a autonomia regional. Acusado de rebelião e depois de sedição, o major acabou contudo por ser ilibado - em tribunal disse que teria detido pessoalmente o presidente da Generalitat se tivesse havido uma ordem judicial.

Apesar de ter então entrado em choque com o independentismo, regressou à liderança dos Mossos em 2020 pelas mãos de um titular do Interior do Junts per Catalunya. Para trás tinha também ficado um período de maior tensão entre a polícia catalã e os independentistas, pela violência na resposta às manifestações e motins em Barcelona após a condenação dos líderes responsáveis pelo referendo. Mas Trapero não ficou muito tempo no cargo. Quando a ERC ficou a governar sozinha, um ano depois, foi de novo afastado.

Agora pode voltar, caso se confirme a intenção de Illa. Mas chegará numa altura em que os Mossos estão de novo a ser postos em causa, por não terem detido Puigdemont. Não ajudou o facto de três dos mossos terem sido detidos, acusados de ajudarem o ex-líder a fugir - dois dos detidos na quinta-feira já estão em liberdade, mas um terceiro foi preso esta sexta-feira. Sallent defendeu que “não merecem vestir o nosso uniforme”, assegurando que os Mossos d’Esquadra não aceitam ser uma “polícia patriótica”.

O principal sindicado dos Mossos d’Esquadra, o Sindicato Autónomo de Polícia, lamentou que os agentes tenham “feito o papel de parvos” neste caso, exigindo explicações da parte das lideranças em relação ao operativo que foi montado. Já a associação de Mossos pelo Independentismo, no X, criticou essa mesma liderança. E quando Puigdemont desapareceu deixou claro: “A nossa lealdade é para com a Catalunha e para com as instituições do nosso país. Nunca seremos cúmplices da prevaricação ou da repressão. Os donos do nosso destino são os catalães, não magistrados corruptos que ignoram e desprezam a lei quando lhes convém.”

susana.f.salvador@dn.pt 

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