"Como é possível não conseguir encontrar Fegelein? Continue a procurar! Eu quero vê-lo imediatamente! Se ele simplesmente nos abandonou, isso é deserção, traição! Traga-me Fegelein! Fegelein! Fegelein!”, grita Adolf Hitler, numa das cenas de A Queda - Hitler e o Fim do Terceiro Reich, o filme de 2004 de Oliver Hirschbiegel, mais famosas e parodiadas na internet..E quem é que Hitler tão desesperadamente procurava? Hermann Fegelein, casado com Gretl Braun, irmã de Eva Braun, e por isso cunhado do Führer, exercia as funções de assessor especial de Heinrich Himmler, o líder da organização paramilitar SS. Acusado de traição, foi executado a 28 ou a 29 de abril de 1945 em Berlim. Ou talvez não..O investigador Marcelo Netto, que estuda a morte de Fegelein há mais de 15 anos e é autor do livro O Homem Que Enterrou Hitler (Editora Contracorrente, 2021), tem, segundo o próprio, “indícios, muitos indícios, mas não ainda a prova final”, de que o cunhado de Hitler morreu na cidade de São Paulo, no Brasil, às 14h30 de 2 de outubro de 2008, em decorrência de um cancro no cólon..“Mas a importância histórica maior de se provar que Fegelein escapou, é que, se ele escapou, escapou com Hitler porque em diversas versões da fuga de Hitler, Fegelein está com ele”, diz Netto. “Logo, a versão de que o ditador alemão não se suicidou a 30 de abril de 1945 passa a ser menos uma teoria conspiratória e mais um facto concreto”..O investigador acredita mesmo que um idoso com quem se cruzou em 2007, numa feira de rua, no bairro Cidade Dutra, em São Paulo, para onde se mudaram, em 1955, dezenas de membros de uma colónia alemã no estado do Paraná, era o próprio Fegelein, sob o nome Hermann Volkert Ramsauer..Com fotos do idoso germano-paulistano Ramsauer numa mão e do jovem Fegelein no auge do nazismo na outra, o perito criminal Eduardo Zochi concluiu, pela distância entre olhos e boca, pelo formato do crânio, pela pálpebra esquerda caída, pela curva do lábio e pela saliência do queixo, que elas são, “com 90% ou mais de certeza”, da mesma pessoa..E o grafotécnico Osvaldo Negrini Neto, autor de mais de 10 mil perícias criminais, também inferiu, pela inclinação axial, pelo calibre dos traços e pelo espaçamento intergramatical, que as assinaturas de Fegelein e Ramsauer são idênticas..Netto entrou ainda em contacto com o “caçador de nazis” argentino Jorge Bordón, a quem um senhor chamado Juan Ruppel, na perspetiva de obter uma herança, pedira para investigar o seu tio-avô, Hans Ruppel, que trocara a Argentina pelo Brasil em 2003. Com acesso a certidões de nascimento, Bordón descobriu que o avô de Ruppel era Waldemar Fegelein, irmão de Hermann Fegelein, e que, por isso, Hans Ruppel e Hermann Fegelein, cujo nome completo era Hans Otto Georg Hermann Fegelein, são a mesma pessoa. Na prática, Fegelein usava partes do seu nome verdadeiro nas identidades falsas, dizem os investigadores que possuem ainda outros documentos deste mesmo homem..Ruppel contou ainda a Bordón que o seu tutor fora um alemão chamado Horst Schmidt, ex-sargento às ordens de Fegelein na Alemanha nazi. E que Schmidt repetia que havia escapado da Europa num submarino na companhia de 50 nazis, entre eles, os irmãos Fegelein, Eva Braun e o próprio Hitler, a suposta fuga que já rendeu prateleiras de livros..Fegelein, ao trocar a Argentina pelo Brasil e o nome Ruppel por Ramsauer, talvez por receio de ser apanhado, deixou 14 pistolas na posse do sobrinho-neto, entre as quais uma Parabellum calibre 45, número de série limitada 05, de valor inestimável por haver pertencido a Hitler, conforme se noticiou abundantemente na imprensa argentina..Acresce que os pais de Fegelein, no pós-Guerra, asseguraram a um agente de contraespionagem norte-americano que um mensageiro havia dito que o seu filho e Hitler estavam “bem e a salvo na Argentina”, conforme relata o historiador John Toland em Adolf Hitler, uma das mais respeitadas biografias do ditador..Mas Fegelein não foi morto a 28 ou 29 de abril de 1945? Segundo a historiografia oficial, o nazi foi acusado de participar num complô contra Hitler, tramado por Himmler, que tentou negociar, supostamente sem o consentimento do Führer, a rendição dos alemães aos Aliados ocidentais, excluindo a União Soviética..Capturado no seu apartamento, em Berlim, foi morto após um julgamento marcial, dizem alguns historiadores. Já Traudl Junge, secretária de Hitler, fala numa execução, “como um cão”, na chancelaria do Reich. E há rumores de enforcamento numa adega por membros das SS..Entretanto, por mais díspares que sejam as versões, todos os investigadores concordam em duas coisas: não houve testemunhas do suposto crime e jamais encontraram o corpo de Fegelein..Uma investigação deste tipo nunca está acabada até se obter “a prova final” que Marcelo Netto procura há 15 anos. O próximo passo do investigador, que foi jornalista, entre outros, do jornal Folha de S. Paulo, é viajar ao norte da Alemanha, onde teria nascido Hermann Volkert Ramsauer, o nome usado no Brasil por Fegelein, e provar aquilo que já sabe ao consultar documentos alemães: que nunca existiu, de facto, uma pessoa com aquele nome. Depois, outros passos virão.