Crime, luxo e Hollywood: como o caso dos irmãos Menéndez ganhou nova vida 28 anos depois
No episódio que o programa de investigação criminal Dateline estreou sobre os irmãos Menéndez, a 13 de novembro, Erik e Lyle falam do abuso sexual que sofreram às mãos do pai, José Menéndez. “Estávamos a lutar contra o mito de que homens reputados como o meu pai não molestam crianças”, disse Lyle, através do telefone da prisão em San Diego onde cumpre a pena.
Os irmãos mataram os pais em agosto de 1989 e foram condenados a prisão perpétua em 1996, num segundo julgamento onde o juiz limitou a apresentação de evidências relacionadas com o abuso sexual.
É isso que está agora em causa: não há dúvidas de que Lyle e Erik cometeram o crime, mas a motivação justifica, segundo os advogados de defesa, a própria família das vítimas e o ex-procurador de Los Angeles, uma redefinição da sentença. Pode até levar a um novo julgamento.
Esta semana decorreu uma audiência preliminar em Los Angeles, onde o juiz Michael Jesic irá decidir se há fundamento para mudar a sentença ou ordenar novo julgamento. Uma vez que há um novo procurador-geral em LA, Nathan Hochman, o tribunal decidiu adiar para 30 de janeiro a audiência que estava prevista para 11 de dezembro, para que a equipa se familiarize com as novas provas que surgiram no caso.
É que foi o antecessor George Gascón quem pediu ao juiz uma revisão da sentença para 50 anos de prisão, depois de os advogados de defesa terem pedido a anulação da sentença. A base é o surgimento de evidências que corroboram as acusações de abuso sexual feitas pelos irmãos Menéndez ao pai. São contemporâneas do crime e se tivessem sido apresentadas, os jurados poderiam ter chegado a outra conclusão, apontou o procurador.
O pedido de reabertura acontece numa altura em que há atenção renovada ao caso em Hollywood. A Netflix estreou em setembro uma série de ficção sobre o crime, realizada por Ryan Murphy, que só na primeira semana foi vista 19,5 milhões de vezes. O programa Dateline apresentou um documentário com declarações exclusivas dos condenados em novembro, e vários podcasts têm dissecado o caso. O momento é propício: há agora um novo entendimento sobre vítimas masculinas de abuso sexual, algo que era tabu nos anos noventa, e sobre pais que abusam dos filhos.
“Recebemos uma fotocópia de uma carta que foi alegadamente enviada por um dos irmãos a um familiar dizendo que era vítima de abuso”, partilhou George Gascón. “Também recebemos evidência, que foi fornecida pela defesa, pelos advogados, de que um dos membros da banda Menudo alegou ter sido molestado pelo pai [José Menéndez].” Esse membro é Roy Rosselló, que acusou o então executivo da editora RCA de o violar quando tinha 13 anos, num hotel em Nova Iorque. A sua história foi contada no documentário “Menendez + Menudo: Boys Betrayed”, produzido pela Peacock em 2023.
Lyle tem agora 56 anos e Erik 53 anos. Estão presos há 34 anos.
Crime em Beverly Hills
Os irmãos Menéndez tinham 18 e 21 anos quando mataram os pais, José e Kitty, com tiros de caçadeira na noite de 20 de agosto de 1989. Foi o desfecho sangrento de uma vida familiar marcada por violência física e sexual e tortura emocional, segundo testemunharam não apenas os irmãos mas também familiares e amigos. Na segunda-feira, a irmã de Kitty, Joan VanderMolen, disse ao tribunal que a vítima sabia que o marido abusava sexualmente dos filhos e não fez nada para o parar. “Eles nunca sabiam se esta era a noite em que iam ser violados”, disse. “Nenhuma criança deveria ter de aguentar o que Lyle e Erik aguentaram às mãos do seu pai.”
A família era abastada e vivia numa mansão em Beverly Hills, pelo que a equipa do procurador-geral da altura apresentou o crime como sendo motivado por ganância: alegou que os irmãos mataram os pais para herdar a sua fortuna. José Menéndez era um importante executivo do mundo da música, na editora RCA.
Mas Lyle e Erik alegaram que o motivo foi outro. Tendo atingido a maioridade e querendo escapar, disseram que foi a iminência de o abuso ser descoberto que levou ao crime. Lyle confrontou o pai e ameaçou-o que ia denunciar o abuso se ele continuasse a violentar Erik, a quem José tinha negado a possibilidade de ir estudar para Stanford. Quando o pai rejeitou o ultimato, Lyle e Erik consideraram que estavam em risco de vida, porque tinham ameaçado destruir a reputação da família.
“Se o caso de Lyle e Erik tivesse sido ouvido hoje, com o entendimento que temos agora de abuso e perturbação de stress pós-traumático, não tenho qualquer dúvida de que a sentença deles teria sido muito diferente”, disse a os jornalistas a sobrinha de José Menéndez, Anamaria Baralt.
“O seu continuado encarceramento não serve qualquer propósito. Está na altura de reconhecer a injustiça que sofreram e dar-lhes a segunda oportunidade que merecem.”
Nem todos pensam assim. O irmão de Kitty, Milton Andersen, opõe-se a uma nova sentença.
“O motivo de Erik e Lyle Menéndez foi de pura ganância”, escreveu em comunicado a advogada de Milton, Kathy Cady.
Agora, cabe ao juiz Michael Jesic analisar os pedidos e aguardar o posicionamento do novo procurador-geral de Los Angeles. Qualquer que seja a sua decisão em janeiro de 2025, é pouco provável que o caso caia no esquecimento. A história dos dois irmãos que mataram os pais a tiro numa mansão de Beverly Hills já foi contada mais que uma vez por Hollywood, e as novas versões não deverão ser as últimas.