“Cremos que é provável que em seis meses a situação na Argentina se alivie muito”
PAULO SPRANGER/Global Imagens

“Cremos que é provável que em seis meses a situação na Argentina se alivie muito”

A ministra argentina dos Negócios Estrangeiros esteve em Lisboa e conversou com o DN sobre a importância do acordo UE-Mercosul, a candidatura à OCDE, a não-entrada nos BRICS+ ou a soberania das Malvinas. Sobre o presidente Milei e certos excessos verbais com líderes estrangeiros, Diana Mondino preferiu desvalorizar.
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Esteve em Bruxelas com Josep Borrell, o Alto-Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, que reafirmou o compromisso de concluir o acordo União Europeia-Mercosul. Que importância tem para a Argentina esse  acordo?
O acordo é muito importante, não só para a Argentina como para todo o Mercosul e a verdade é que a posição da UE ver-se-ia fortalecida com uma relação mais ampla com os países da América Latina. O acordo cobre vários setores e é, creio eu, muito positivo para ambas as partes. O que nem sempre acontece pois, por vezes, uma parte sai mais favorecida em relação à outra, mas neste caso tanto o Mercosul como a UE têm muito a ganhar com este acordo.

Para a economia da Argentina, que é um país exportador, seria importante?
Seria muito importante. Neste momento todas as relações externas são muito importantes para a Argentina. Durante 20 anos o país fechou-se muito ao mundo e isso não afetou somente as exportações - por exemplo, havia menos voos, para um estudante é muito caro ir a outro país… Há muitíssimas razões pelas quais a Argentina tem tido dificuldades. Nós acreditamos que a melhor forma de inverter essa situação e melhorá-la é abrir o país ao mundo e exportar, não apenas do ponto de vista económico, a internacionalização de tecnologias, etc., é uma coisa a que vamos dar muita importância. Lamentavelmente, estamos a chegar ao mundo num momento em que já há muitos outros produtores, embora nunca vá ser possível ultrapassar a qualidade da carne Argentina - esta será sempre a melhor do mundo. No entanto, há outros países com um crescimento muito lento ou sem crescimento de todo.

Falou das viagens aéreas, é também uma prioridade para a Argentina criar uma ligação aérea entre Buenos Aires e Lisboa?
Vou responder de outra forma: num decreto que foi feito antes do Natal foram abertos os céus na Argentina e já temos um convénio assinado com o Chile e com o Equador, e está quase certo com o Brasil. Continuamos a trabalhar país por país. Neste momento, temos de pensar que ainda só estamos há cinco meses no Governo e temos trabalhado muito neste campo. Ainda são necessárias inspeções aos nossos aeroportos, é preciso que haja uma oportunidade comercial, decidir para que aeroporto se viaja… Por exemplo, já foi criado o voo de Buenos Aires para Curitiba, de Buenos Aires para Porto Alegre, de São Paulo para Bariloche.

Para Lisboa ainda não há novidades?
Estamos a começar pelos países que tinham solicitado este tipo de acordos, de momento não sei se Portugal o pediu ou não, mas estamos a acumular experiência e a mostrar que estamos genuinamente muito interessados em trabalhar em conjunto. É provável que Portugal também esteja, mas não o posso afirmar ainda.

Há alguma novidade em relação à nomeação do novo embaixador em Portugal?
Já temos uma pessoa identificada que se está a preparar para assumir o cargo. Não vamos ter praticamente embaixadores políticos, vamos ter uma mudança muito grande nessa política. A Argentina teve 25 nomeados políticos e, neste momento, são apenas seis. Estamos a preparar o embaixador que vai para um país com muita antecipação. Antes dizia-se à pessoa que ia para tal país que fizesse a mala e que depois logo se via se estava frio ou calor…, agora preparamos muito bem a pessoa para que, quando lá chegue, [vá] sabendo o máximo possível.

Há novidades na relação da Argentina com Portugal?
A relação com Portugal tinha sido,  - como muitas outras, não foi a única -, bastante abandonada pela Argentina durante a presidência anterior, mas vamos revitalizá-la. O setor empresarial português tem quatro ou cinco setores em que é do melhor que há no mundo e o que estamos a fazer é trabalhar para gerar a melhor relação possível. O nosso foco está fundamentalmente na área comercial, em tratar de abrir mercado para a Argentina, tanto para exportar como para importar e, nesse capítulo, Portugal tem um potencial enorme.

Em Bruxelas, há dias, também falou com dirigentes da NATO sobre o interesse da Argentina na parceria global. É uma perspetiva realista? Na América Latina apenas a Colômbia tem esse tipo de acordo com a Aliança Atlântica.
A Argentina retomou nos Anos 1990 uma relação importante com a NATO. Independentemente de o país já ter alguma experiência nesse campo, essa relação é muito importante porque o Atlântico Sul é um elemento geoestratégico vital no mundo neste momento. Tanto os países africanos como a Argentina são os únicos que estão nessa zona com acesso à Antártida, à passagem para o Pacífico. Há muitíssimas razões pelas quais a posição geográfica da Argentina seja extremamente importante.

Há também a candidatura à OCDE, que é importante do ponto de vista económico, devido a todas as reformas que o presidente Javier Milei está a fazer. Uma resposta positiva da OCDE seria muito importante para a Argentina, não só simbolicamente?
Sim. Trabalhou-se muito nesse sentido até 2018/2019, depois o Governo anterior parou e, até, podemos dizer que em alguns capítulos houve um retrocesso. Na verdade, no próprio dia em que Javier [Milei] assumiu a presidência, eu anunciei que iríamos solicitar novamente o acesso à OCDE. Durante a campanha estivemos a trabalhar este tema, pois pensávamos que quando ganhássemos iria ser um tema muito importante. A OCDE estabelece uma quantidade de regras muito necessárias e seria muito conveniente para a Argentina ter um quadro regulatório claro. O país não só tem um problema económico, de investimento ou de tipo cambial. As empresas confrontam-se a cada dois anos com uma mudança abrupta do quadro regulatório. Ter um quadro regulatório estável e partilhado com muitos outros países seria muito benéfico para as empresas. Já avançámos o suficiente para que no mês passado, numa cerimónia muito bonita, a OCDE tenha entregado um caderno com todos os pontos que a Argentina terá de cumprir, diferente do que recebeu a Indonésia ao mesmo tempo, pois é feito segundo as características de cada país. É um processo que, com sorte, levará seis anos e ficou claro que é uma iniciativa do país e não de um Governo.

As reformas económicas que estão a ser feitas agora, com o excedente orçamental e as declarações positivas do FMI, contribuem para essa perspetiva positiva da entrada na OCDE?
As medidas que estamos a tomar vão mais além do próprio funcionamento da economia, são medidas muito amplas que vão desde a lavagem de dinheiro à indústria naval, à Educação, etc. As medidas económicas são as mínimas necessárias para conseguir travar a inflação que tivemos, que cresceu a um ritmo vertiginoso. Temos também o problema do banco central, que é difícil de explicar, mas que tem de ser solucionado independentemente de qualquer questão do funcionamento da economia.

Uma das primeiras decisões da nova presidência foi cancelar a adesão aos BRICS+…
Não, não foi cancelar, porque nunca chegámos a aderir. Declinámos amavelmente o convite.

De que forma é que isso afeta a Argentina, por exemplo na sua relação com a China?
Não afeta de forma alguma. Os BRICS são países muito diferentes e o relacionamento com os BRICS ampliados não afeta as relações comerciais, pois nós temos relações com todos os países que lá estão e que possivelmente serão membros dos BRICS no futuro. É uma aliança de índole política e nós não queremos estar alinhados politicamente com nenhum grupo.

Essa decisão de declinar o convite para integrar os BRICS+ é uma posição geopolítica, porque a nova presidência tem uma atitude muito pró-Estados Unidos, Israel, Ocidente em geral?
Muito a favor da democracia liberal, digamo-lo com todas as letras.

Sim. Portanto, não aderir aos BRICS+ é também uma forma de dizer que são uma democracia liberal, que são Ocidente?
Bom, eu considero que o Brasil é um país democrático. Cada um desses países dos BRICS têm um regime que a sua população definiu. Nós consideramos que somos uma democracia liberal porque a nossa tradição argentina, o nosso respeito pela Constituição assim o define. O que me surpreende muito é o que foi comentado na Europa, e tenho de chamar a atenção para isto, toda a campanha de Javier Milei foi baseada na Constituição Nacional, todas as frases que ele usa são de acordo com ela, o liberalismo está plasmado na nossa Constituição. Assim, quais são as Constituições que mais se assemelham à nossa? A norte-americana, a francesa, sem dúvida nenhuma, e Israel é o único país na sua região que tem esse tipo de regime com eleições contínuas, mas não é um tema que possamos pôr num contexto, por exemplo, da Guerra Fria, isso já não existe.

Para si, como ministra dos Negócios Estrangeiros, como é ter de lidar muitas vezes com as reações ao verbalismo do Presidente? Falo da questão com a Colômbia e o presidente  Gustavo Petro e também, mais recentemente, da polémica com Espanha e o primeiro-ministro Pedro Sánchez. A diplomacia consegue continuar a funcionar, mesmo quando os líderes trocam palavras menos simpáticas pessoalmente?
Eu considero-me uma pessoa técnica e não gosto de fazer trabalho distanciado daquilo que pode ser necessário. As pessoas que governam os países não duram para sempre e pode haver relações excelentes entre países, mesmo quando não são assim tão boas pessoalmente entre os líderes. A relação pessoal, se for boa, ajuda, se é má, talvez dificulte. Quando digo que ajuda é porque se pode pegar no telefone e dizer: “Ei, tenho este problema!” Se é má, terão de ser usados canais mais oficiais, mas não altera as relações entre os países. Com Espanha e com a Colômbia fizemos um comunicado conjunto, o que não é nem habitual, nem fácil, com um comentário, e os outros comentários, que são pessoais, não afetaram a diplomacia.

Como evolui a relação entre a Argentina e o seu grande vizinho, o Brasil?
Excelente. Por exemplo a minha relação pessoal com o meu colega brasileiro é excelente, mas podia não ser. Temos muitíssimos temas de trabalho em conjunto e estão a avançar. Inclusivamente, neste momento, o Brasil está a passar por uma situação terrível com as inundações no Rio Grande do Sul e esse é um tema que nos toca muito de perto, pela situação geográfica, etc., e podemos ajudar.

Há um tema que é mais polémico na política externa e que tem que ver com a História da Argentina, que é o da soberania das Malvinas. Na campanha eleitoral, Milei, enquanto candidato, elogiou Margaret Thatcher…
Na parte económica.

Sim, mas o que ficou nas manchetes foi o elogio à antiga primeira-ministra britânica da guerra de 1982. Há alguma mudança fundamental na posição da Argentina em relação às Malvinas? Porque creio que está inscrita na Constituição a questão da soberania…
Claro. Não pode haver uma mudança da posição argentina relativamente às Malvinas, pois estas são da Argentina na nossa Constituição. Agora, estamos a tratar de ter uma relação que nos permita avançar numa quantidade de temas que têm estado suspensos e onde a relação deveria ser muitíssimo mais amigável.

Mas querem mudar a relação com o Reino Unido?
Nós precisamos de mostrar ao mundo que somos amistosos e que temos a melhor relação possível com os outros, mas de maneira nenhuma mudou, ou mudará jamais, a posição no que respeita às Malvinas, independentemente de quem seja o presidente, porque nós consideramos que as Malvinas são Argentina.

Portugal está, neste momento, na Feira do Livro de Buenos Aires como país convidado. Quando as pessoas pensam na Argentina, pensam muito na cultura, nas artes, na música, com o tango, também no futebol, além, digo eu,  do Papa Francisco… Há uma ideia de que a Argentina, independentemente do líder político e do partido no Governo, é um país que tem muito soft power. Isso ajuda o seu trabalho e a imagem da Argentina?
Esperemos que sim e que, sobretudo, a imagem seja boa. Sabemos também que houve a vontade do Governo anterior de canalizar ou capturar toda a comunidade cultural e isso foi muito prejudicial. Um artista tem de ter a liberdade de criar.

Está otimista em relação às mudanças económicas, ao combate à inflação e ao crescimento?
Muitíssimo. Nós sabíamos que todo o combate à inflação iria implicar, lamentavelmente, uma situação de fraca atividade económica. Combater a inflação é o mesmo que ter uma recessão. No entanto, na Argentina as coisas foram mais rápidas do que esperávamos e a recessão foi muito mais leve do que antecipámos, mas era uma mudança que todos sabíamos que não iria ser agradável. Toda a gente que votou sabia que não iria ser agradável. Cremos que é provável que em seis meses a situação na Argentina se alivie muito. Temos de ter em conta que na Argentina temos um sistema a que se chama convénios laborais e passados março e abril já se estão a pagar salários um pouco melhores e que, em muitos casos, já compensam a inflação e isso alivia um pouco a recessão. É um processo complicado, veja-se a Europa que tem estado a tentar nos últimos dois anos baixar a inflação em dois pontos percentuais e ainda não o conseguiu, e nós temos de baixar 300 pontos percentuais na inflação… Pode-se imaginar a dificuldade, mas estamos a avançar rapidamente. Com uma agravante, já é muito difícil com uma economia organizada como a daqui, mas nós tínhamos uma desordem enorme de preços. Por exemplo, a tarifa da eletricidade ou a do gás estavam congeladas e havia muita gente na Argentina que só pagava 10% do verdadeiro custo da sua fatura. Não era culpa das famílias, elas recebiam essa fatura e pagavam-na, mas o sistema estava montado dessa forma. Vai levar muito tempo até que a situação esteja regularizada e se chegue a pagar o verdadeiro valor, mas é importante porque quando o Governo deixar de subsidiar vai baixar a sua despesa. Todo esse processo já começou, por exemplo com a gasolina e com as pessoas que têm serviços de saúde privados. Há produtos que já não estão a subir, como os alimentos, embora haja outras coisas que continuem a subir muito. Vai levar tempo até que a inflação se estabilize verdadeiramente.

Diana Mondino terminou a sua passagem por Lisboa com a participação numa mesa-redonda com empresários organizada pelo Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas (IPDAL), presidido por Paulo Neves. Antes, a ministra argentina dos Negócios Estrangeiros teve reuniões com o seu homólogo português, Paulo Rangel, e com o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas.

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