Cortenbergh, n.º 12. É aqui que se faz o trabalho de Portugal nos bastidores da UE

Por trás dos holofotes da União Europeia há trabalho a ser feito, sobretudo ao nível diplomático. Ao DN, o representante português explica como é feita a articulação entre todas as partes.

Bruxelas. Capital belga e do projeto europeu. Cidade onde estão, por isso, os edifícios das principais instituições da União Europeia (UE). Em alguns metros, ao longo de toda a Rue de la Loi (Rua da Lei) - localizada a cerca de dois quilómetros do centro da cidade -, a bandeira de fundo azul com 12 estrelas está presente em vários edifícios, todos com funções diferentes ao nível da UE. Ali ao lado está também o Parlamento Federal Belga e, no final da longa rua, o Palácio Real.

Há, no entanto, trabalho a ser feito nos bastidores das instituições europeias - ainda que sempre em estreita colaboração. Uma parte considerável acontece na Avenida de Cortenbergh, a poucos metros do Edifício Berlaymont (sede da Comissão Europeia), onde há várias representações diplomáticas praticamente a cada porta. Estas não são embaixadas tradicionais, mas sim representações permanentes de cada estado-membro junto da UE.

Situada no número 12, entre os edifícios dos Países Baixos e da Polónia, está a Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER). Apesar do papel importante no panorama político europeu, o trabalho que este organismo faz é ainda pouco conhecido, funcionando sobretudo mais afastado dos holofotes mediáticos. A missão é, no fundo, criar pontes entre o Estado português e as instituições da UE, assegurando assim a presença de Portugal à mesa de decisões, defendendo os interesses nacionais.

Tendo em conta as funções da REPER, a instituição é, claro, liderada por um diplomata. Pedro Lourtie, no caso, em funções como representante permanente há dez meses (substituindo no cargo o embaixador Nuno Brito). Entre outubro de 2016 e março de 2022 já tinha sido representante permanente-adjunto na REPER. Diplomata de carreira, Pedro Lourtie teve também papel na diplomacia europeia como conselheiro político na Delegação da Comissão Europeia em Washington, nos Estados Unidos, entre 2004 e 2005.

Logo no hall de entrada do número 12, depois de passar a segurança, nota-se a presença portuguesa, ou não estivesse ali uma escultura, feita com mármore nacional, da autoria do escultor alentejano João Cutileiro.

Passando a estátua - chamada A Paz, com uma grande pomba branca no topo -, uma sala, com a bandeira portuguesa em frente a um cartaz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e um conjunto de cadeiras alinhadas, que formam a plateia. O interveniente é Pedro Lourtie, que recebe na REPER um grupo de jornalistas portugueses, numa sessão organizada pela Representação da Comissão Europeia em Portugal.

Em conversa com o DN, já depois da sessão com os jornalistas, o embaixador conta mais sobre o trabalho realizado: "A REPER representa o Estado português, por isso há sempre uma interlocução com as diversas instituições europeias, sobretudo ao nível do Conselho da União Europeia". Esta instituição em particular, explica, "tem um conjunto de grupos de trabalho em diferentes áreas". Estando os temas já "maduros", "passam então para o nível dos embaixadores, para o Comité dos Representantes Permanentes (Coreper)." Só depois são inscritos na agenda das instituições europeias.

Este comité, explica Pedro Lourtie, divide-se em dois, "por questões de organização de toda a agenda": o Coreper I e o Coreper II. No primeiro comité, as funções são assumidas pelos representantes-adjuntos (Manuela Teixeira Pinto, no caso português); no segundo, são os representantes permanentes (como Pedro Lourtie) de todos os estados-membros que se sentam à mesa de negociações. Neste caso, explica, "são discutidas as chamadas matérias de soberania ou as questões ligadas às crises, por exemplo, e tudo quanto é a preparação para as reuniões dos primeiros-ministros [dos estados-membros], que abrangem todas as áreas". Até porque, para estes encontros, caso um dos primeiros-ministros não possa estar presente, terá de se fazer representar por um homólogo, não podendo ser substituído.

O caso é, ainda assim, diferente no que diz respeito ao Conselho da União Europeia. Aí, os embaixadores "não só participam nos comités permanentes, como também acompanham os ministros nas reuniões a nível ministerial", esclarece.

Além destes dois representantes, há ainda um terceiro diplomata (José Costa Pereira) com funções permanentes no Comité Político e de Segurança.

Articulação "permanente"

O dia a dia de um representante permanente é por isso intenso. "Estamos em discussão e negociação permanente em várias matérias com os nossos parceiros dos 27. Isto implica uma carga de trabalho e de reuniões bastante elevada", explica.

Normalmente, os dois comités de representantes reúnem-se duas vezes por semana. Mas o trabalho não se restringe a estes encontros. Segundo revela Pedro Lourtie, os embaixadores dos estados-membros cooperam entre si fora das reuniões. "A interação é muito grande porque, obviamente, os temas têm tratamento contínuo, e não apenas ali naquela reunião. Por isso, é importante existir essa articulação", afirma o embaixador. Por outro lado, há "depois uma interação até, por exemplo, com o Parlamento Europeu e com os deputados europeus". Mas com uma ressalva: "Sempre, claro, dentro do respeito pela total autonomia total das instituições."

Esta articulação "existe a todos os níveis", ou seja, estende-se também a "órgãos consultivos" da União Europeia, como o Comité das Regiões ou o Comité Económico e Social, e também com a Comissão Europeia, "o órgão com o qual mais se interage". "O contacto é permanente porque nestas negociações, como são aprovadas por maioria qualificada, é importante este trabalho para irmos reunindo em torno das nossas posições a maioria que seja necessária para depois poder ter vencimento de causa no final", refere.

"A União Europeia é o mundo do compromisso, portanto todos os estados-membros têm de estar preparados para fazer algum compromisso", considera Pedro Lourtie. O objetivo é que, no final, já depois de estabelecidas todas as pontes, sejam alcançadas "soluções que dão ganhos no seu conjunto e ganhos maiores do que pode ser depois uma ou outra matéria onde se tenham de fazer cedências", resume o diplomata.

Atualmente, a REPER portuguesa tem cerca de uma centena de funcionários, todos com responsabilidades distintas. Há, entre outros, adidos diplomáticos, especialistas e conselheiros em assuntos como o Ambiente, a Agricultura, ou Saúde; polícias; técnicos de informática ou até empregados de limpeza (contratados localmente, mas alguns deles portugueses emigrados no país).

"Na altura da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia [entre 1 de janeiro e 31 de junho de 2021], o número era maior, cerca do dobro", explica Pedro Lourtie. "É uma organização grande" que, ainda assim, quando comparada com outras REPER "até é das mais pequenas, o que mostra, de facto a intensidade do trabalho" que ali é realizado.

O DN viajou a convite da Representação da Comissão Europeia em Portugal.

rui.godinho@dn.pt

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