Coroado pelos pares, Rishi Sunak quer unir o partido e um país sob austeridade
os 39 anos, Rishi Sunak assumiu o cargo de ministro das Finanças e viveu no número 11 de Downing Street em plena crise gerada pela pandemia. Regressa agora à mesma rua, só que ao número 10, para enfrentar uma outra crise agravada pelo desastre da passagem meteórica de Liz Truss e Kwasi Kwarteng pelo governo, e pela falta de escrutínio democrático, numa altura em que uma larga maioria de britânicos quer eleições.
Depois de ter perdido a eleição para a liderança do Partido Conservador - e em consequência do governo - para Truss no início de setembro, os deputados do partido abriram as portas de par em par a Rishi Sunak. Os seus possíveis concorrentes, Boris Johnson e Penny Mordaunt, não chegaram a ir a jogo.
O ex-primeiro-ministro, que se encontrava de férias apesar de manter o cargo de deputado e o parlamento estar em atividade, anunciara ter ultrapassado a barreira de apoio mínima de cem deputados entre os 357 tories para se candidatar, e que, apesar de "ter muito para oferecer", concluiu que "este não é simplesmente o momento certo". Vários comentadores duvidaram que Johnson tenha recebido o apoio de 102 deputados, como alegou.
Também Mordaunt, que só anunciou a desistência da corrida em favor de Sunak minutos antes do final do prazo, só terá recolhido 90 votos de confiança. Sem concorrência, Sunak foi coroado pelos deputados e evitou-se nova auscultação entre os militantes.
DestaquedestaqueAo tomar posse hoje, o ex-ministro das Finanças converte-se no mais novo primeiro-ministro britânico em 239 anos.
Ao tomar posse hoje, na cerimónia de beija-mão com Carlos III, na qual este pede para Sunak formar governo, o ex-ministro das Finanças converte-se no primeiro-ministro mais novo em 239 anos. Mas tal como a Truss não foi concedido um estado de graça, o mesmo se poderá dizer de Sunak. A inflação, o défice, as contas da energia e o aumento das taxas de juros estão a empurrar o Reino Unido para um momento dramático, com a recessão à espreita.
A diferença para a antecessora é que o novo primeiro-ministro deve ter consciência do estado da economia e das finanças do país e isso foi de alguma forma transmitido no primeiro discurso enquanto novo líder dos conservadores. Depois de ter proferido umas palavras simpáticas para com Truss, e de partilhar que se sente "honrado" pela eleição, ficou o primeiro aviso: "É o maior privilégio da minha vida poder servir o partido que amo e retribuir ao país a quem tanto devo. O Reino Unido é um grande país, mas não há dúvida de que enfrentamos um profundo desafio económico. Precisamos agora de estabilidade e unidade e eu farei da união do nosso partido e do nosso país a minha maior prioridade. Porque só assim conseguiremos superar os desafios que enfrentamos e construiremos um futuro melhor e mais próspero para os nossos filhos e os nossos netos", disse, não sem terminar com o compromisso de trabalhar com "integridade e humildade" para atingir os objetivos.
O "profundo desafio económico" que espera os britânicos passará por decisões não tão controversas quanto as da antecessora, mas que irão também aos bolsos dos contribuintes. O ex-governador do Banco de Inglaterra Mervyn King disse à BBC que uma era de austeridade mais dura do que a vivida na ressaca da crise financeira e económica de 2008 espera os britânicos.
Entre as medidas esperadas por King está uma carga fiscal "significativamente mais alta" para fazer face aos gastos públicos. Os sindicatos dos mais diversos setores, que têm estado ativos e realizado greves, prometem um braço-de-ferro com o novo governo. E, pelo meio, Sunak terá de "assegurar às pessoas que durante o inverno, não haverá pobreza generalizada e incerteza económica", como comenta Anand Menon, professor de política no King"s College de Londres.
Outras prioridades para o novo chefe do governo passam pela Irlanda do Norte, a imigração e o apoio à Ucrânia. No primeiro caso, Belfast continua sem um executivo nem assembleia a funcionar graças ao bloqueio dos unionistas que estão contra o protocolo assinado entre Londres e Bruxelas. Adepto do Brexit, Sunak defendeu durante a corrida à liderança do partido nova legislação que passe por cima do acordo com a UE.
Sobre a imigração, Sunak defende o controverso plano do governo de Boris Johnson em enviar para o Ruanda requerentes de asilo que entrem sem documentos no Reino Unido, um projeto que está pendente nos tribunais.
Não há dúvidas sobre o apoio de Rishi Sunak a Kiev, mas lançou dúvidas sobre o gasto programado na defesa. Enquanto Truss - e o ministro da tutela Ben Wallace - defendia o aumento dos gastos da defesa até 3% do PIB em 2030, o novo líder diz que esse objetivo "não é um plano" e o número é para ele "arbitrário".
Em breve se verá se Wallace ficará, tal como outros governantes, caso do novo ministro das Finanças, Jeremy Hunt. A escolha do novo gabinete pode ser crucial para obter a "união" no partido a que alude.
Já no país será mais difícil: aumenta a percentagem de quem defende eleições antecipadas: é agora de 62%. E se o Partido Trabalhista goza de uma popularidade recorde, o seu líder Keir Starmer também é visto como mais bem preparado para a chefia do governo: 38% preferem-no, enquanto 29% escolhe Sunak, segundo a YouGov.
cesar.avo@dn.pt