Coroação de Trump arranca com escolha de vice e protestos nas ruas
Milhares de republicanos juntaram-se para o primeiro dia da convenção do seu partido em Milwaukee, Wisconsin, para a nomeação de Donald Trump como candidato às eleições presidenciais de 5 de novembro e do senador do Ohio J.D. Vance como seu número dois. O que seria já de si um momento de aclamação do ex-presidente mais força ganhou com a tentativa de assassínio ocorrida no sábado. Em aparente harmonia com as palavras de Joe Biden, o empresário deu instruções à sua equipa para que a programação do evento se centre na “união” - como já tinha pedido na sua rede social - e a sua equipa terá dado instruções para que os oradores não extremem a linguagem. Mas numa sociedade tão polarizada, graças em parte ao discurso do próprio Trump, ativistas de várias sensibilidades recusaram estender o tapete vermelho ao candidato e ao seu partido, manifestando-se ao largo do pavilhão Fiserv Forum, onde decorre a convenção.
Nas ruas de Milwaukee centenas de pessoas denunciaram a “agenda racista e reacionária” dos republicanos e, enquanto disseram “condenar a violência política”, rejeitaram alterar os planos após a tentativa de assassínio de Trump. No pavilhão que acolheu milhares de delegados, um momento de silêncio em homenagem às vítimas e familiares do tiroteio no comício de sábado foi observado no início da convenção do Partido Republicano. No primeiro de quatro dias os delegados trataram de nomear o seu candidato e este, por sua vez, anunciou quem o acompanha para disputar a vice-presidência. A coroação de Trump reflete-se em vários níveis. O manifesto da convenção, por exemplo, deixou de ser um documento programático com dezenas de páginas e escrito por elementos do partido, para ser um resumo das promessas de Trump sobre economia, imigração ou educação.
Outra prova do peso de Trump está na lista de oradores. Além dos filhos Donald Jr. e Eric, as respetivas mulheres, Kimberly Guilfoyle e Lara Trump (copresidente da convenção) tomam a palavra. Tão significativo como as presenças são as ausências. A única voz crítica na lista de oradores é a de Nikki Haley, candidata derrotada às primárias. A campanha de Joe Biden tentou captar esta franja do eleitorado e poderá assistir a um discurso em que a antiga embaixadora dos EUA nas Nações Unidas mobilize os seus apoiantes.
A mobilização passa também pela escolha de quem acompanha Trump na corrida presidencial. Depois de ter revelado que a escolha estava reduzida a quatro nomes -- o governador Doug Burgum e os senadores Tim Scott, Marco Rubio e James David Vance, conhecido como J.D. Vance --, Trump optou pelo último. “Após uma longa deliberação e reflexão, e considerando os tremendos talentos de muitos outros, decidi que a pessoa mais adequada para assumir o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos é o senador J.D. Vance do grande Estado de Ohio”, publicou Trump no Truth Social. Senador desde 2022, Vance, de 39 anos, é um advogado que se distinguiu como investidor em capital de risco e autor de um livro best-seller autobiográfico (adaptado para o cinema com o título Era uma vez um sonho). Foi crítico de Trump, mas hoje é um dos seus mais aguerridos apoiantes e próximo de Donald Jr.
No domingo à noite, o presidente Joe Biden disse que a “discussão política tornou-se muito acalorada”, pelo que era chegada “a altura de a arrefecer”. O candidato republicano, que não perdeu tempo a conceder entrevistas, afirmou ao Washington Examiner que após o tiroteio descartou o discurso que tinha preparado para a convenção. Nele, disse, criticava Biden e as suas políticas. Mas agora vai optar por um discurso que seja “uma oportunidade para unir todo o país, até mesmo o mundo inteiro”.
Para já, entre os democratas, a diretiva é a de ser prudente em todos os temas relacionados com Trump “até nova ordem”, soube a CNN. Mas analistas e comentadores norte-americanos duvidam que esta tentativa de pacificação dure muito. Em 2020, uma investigação da ABC News identificou 54 processos criminais em que Trump foi invocado pelos perpetradores, em ligação direta com atos violentos, ameaças de violência ou alegações de agressão. Em 2019, o The Washington Post, ao fazer uso de um mapa de crimes compilados pela Liga Antidifamação e os condados onde decorreram comícios de Trump em 2016, concluiu ter existido um aumento de 226% nos crimes de ódio meses depois da passagem do homem que à época acabou eleito.
Caso dos documentos secretos volta à estaca zero
De todos os processos que pendem sobre Donald Trump, o caso dos documentos levados da Casa Branca para a sua residência na Florida era o mais temido pela sua equipa jurídica. O ex-presidente não podia escudar-se na imunidade concedida recentemente pelo Supremo Tribunal, uma vez que os atos de que está acusado se referem já ao período em que deixara o cargo. Mas a juíza Aileen Cannon, cujas decisões ao longo dos meses foram atrasando o processo, deu nova estocada no caso ao rejeitar avançar para julgamento, tendo para tal alegado não reconhecer a legalidade da designação do procurador especial Jack Smith.
Trump foi acusado de 40 crimes de posse ilegal de informação classificada sobre Defesa e de obstrução da Justiça para recuperar esse material. Alguns dos documentos encontrados nas buscas do FBI em Mar-a-Lago estavam classificados como ultrassecretos, incluindo informações sobre armas nucleares entre dezenas de caixas de documentos. O presidente cessante não pode levar documentos de qualquer natureza da Casa Branca, nem sequer lembranças oferecidas por outros líderes.
Cannon, nomeada juíza federal por Trump, rejeitou a legalidade da nomeação do procurador especial Jack Smith pelo Departamento de Justiça na sequência da decisão do Supremo sobre a imunidade de Trump. O juiz Clarence Thomas - debaixo de fogo nos últimos meses por saber-se que aceitou ofertas milionárias ao longo de duas décadas - defendeu no seu voto que a ação do procurador especial deve ser ratificada pelo Senado, e os advogados de Trump aproveitaram para questionar a validade do caso.
O Departamento de Justiça deverá recorrer da decisão.