Congresso conservador impõe goleadas consecutivas a Lula
O Brasil decidiu, na semana passada, que presos detidos por crimes leves não vão poder sair da cadeia em datas especiais para acelerar a ressocialização e estimular vínculos fora do sistema prisional. E ainda que atos de comunicação enganosa em massa, conhecidos como fake news, não serão alvo de punição. Quem lê as frases acima pode até pensar que o país sul-americano continua sob a presidência do ultraconservador Jair Bolsonaro. E não estará completamente errado: o Congresso Nacional, com maioria conservadora, vai impondo derrotas em série ao governo de centro-esquerda de Lula da Silva.
Lula havia vetado uma decisão legislativa que impedia a tal “saidinha”, como foi apelidada a proposta da saída temporária de presos, decisão essa que voltou, de acordo com a lei, ao parlamento. E, no dia 28 de maio, os deputados, por claríssimos 314 votos contra 126 votos, e duas abstenções, e os senadores, por não menos claros 52 votos a 11, e uma abstenção, chumbaram o veto presidencial para tristeza de cerca de 60 mil presos que se poderiam beneficiar do instituto de ressocialização e para irritação do presidente.
Naquela mesma noite, um veto ainda de Bolsonaro à criminalização de fake news em massa, que os parlamentares governistas queriam derrubar, acabou mantido com 317 votos a favor, 139 contra e quatro abstenções. Como o veto foi mantido pelos deputados, o regimento prevê que os senadores nem precisem de votar. E assim as notícias falsas poderão correr soltas, sob a capa da liberdade de expressão.
Como o governo sofreu ainda uma terceira derrota naquela mesma noite num projeto sobre impostos, o senador (e ex-juiz da Operação Lava-Jato) Sergio Moro, do Podemos, escreveu no jornal conservador A Gazeta do Povo um artigo com o título “hat trick do Congresso contra Lula”. E Zé Trovão, um camionista, youtuber e deputado do Partido Liberal, a formação de Bolsonaro, anunciou, no mesmo jornal, que “a direita quer enfrentar Lula no Congresso sobre pautas de costumes”.
Do lado do governo, a reação foi de conformismo: “o povo brasileiro escolheu um Congresso que é mais conservador, não temos do que nos queixar”, disse o senador Randolfe Rodrigues, líder parlamentar do governo no Legislativo sobre as derrotas, sobretudo, na agenda de costumes. Para Alexandre Padilha, ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da presidência, “Lula e o governo têm total noção realista do que é o perfil do Congresso Nacional”.
Nessa perspetiva, tornou-se essencial a presença do próprio Lula nas negociações com o Congresso porque, segundo Padilha, “é muito importante que ele esteja sempre com essa disposição de manter contacto com líderes e parlamentares, nada substitui a presença do presidente da República”.
Na ressaca das derrotas, Lula reuniu então Padilha, Randolfe e demais líderes parlamentares num encontro de onde saiu a decisão de exigir que os ministros de centro-direita e direita que compõem o governo dialoguem mais com os deputados e senadores dos seus partidos no sentido de evitar “traições” em votações relevantes para o governo.
No Planalto, a avaliação é que os 11 ministros do União Brasil, do MDB, do Republicanos e do PSD, todos de direita ou de centro-direita, que compõem um executivo com 38 membros, devem atuar com mais firmeza na tentativa de garantir votos dos correligionários. Porque se eles, mesmo ideologicamente distantes de Lula, foram convidados para o governo foi, precisamente, para arregimentar esses partidos e gerar uma base parlamentar sólida.
“Mas esse tipo de pacto de regime, conhecido no Brasil como ‘presidencialismo de coligação’, já não faz sentido hoje em dia”, disse Otávio Guedes, comentarista do canal GloboNews. “Antigamente funcionava porque quem tinha a chave do cofre eram os ministros, logo, os parlamentares obedeciam-lhes, hoje, desde a aprovação do ‘orçamento secreto’ na gestão de Bolsonaro, que partilha o dinheiro entre executivo e legislativo através de emendas parlamentares, e dos ‘fundões partidários’, que tornaram os partidos muito mais ricos, a situação mudou”.
Ainda assim, após a reunião com Lula, o governo obteve uma vitória para reduzir a desvantagem no marcador: o Senado aprovou, dia 5, um projeto apoiado pelo governo que acaba com a isenção para compras internacionais de até 50 dólares, chamado “taxa das blusinhas”, e requerido pelo vendedores a retalho brasileiros. O projeto está incluído no Mover, programa de mobilidade verde e inovação que prevê incentivos de 19,3 mil milhões de reais em cinco anos e redução de impostos para fabricação de carros e outros veículos menos poluentes.