São três as línguas oficiais da Comunidade Andina: o espanhol, claro, mas também o aimará e o quéchua. É apenas simbólico ou há uma aplicação efetiva das línguas indígenas, por exemplo na documentação desta organização que junta Bolívia, Colômbia, Equador e Peru? Trabalhamos muito com a comunidade indígena. Temos um Conselho de Povos Indígenas que se reúne para discutir questões ligadas às comunidades indígenas da nossa região. Existe uma forte preocupação com o desenvolvimento social. Ou seja, não se trata apenas de proteger as línguas, mas igualmente de tratar dos problemas, das questões que interessam a estes povos, sejam aimará, quéchua ou de outras origens..Quando se olha para a América Latina, há regiões onde a grande maioria da população veio da Europa, como o Cone Sul, e outras, como a América Central, que têm um elemento indígena muito forte. A Comunidade Andina distingue-se também por essa marca indígena? Certamente que em países como Equador, Peru e Bolívia a ascendência quéchua e aimará é muito forte. Talvez no Peru e na Bolívia mais. Mas existem outros tipos de descendentes de povos indígenas na Colômbia, também de povos nativos das Caraíbas, e, claro, em todos os países há pessoas de ascendência africana, cujos antepassados foram trazidos nos século XVI ou XVII como trabalhadores forçados, como escravos..Também há fortes comunidades asiáticas, especialmente no Peru. No caso do Peru, é uma experiência diferente. Fui embaixador na China e conheço bem essa história. Desde meados do século XIX, o que temos é uma grande migração de trabalhadores chineses que atravessam o oceano Pacífico e vão trabalhar na costa do Peru, especialmente nas plantações de cana-de-açúcar e de algodão. Em condições muito difíceis. Não eram escravos, mas trabalhavam em condições muito difíceis. Mas depois as condições mudaram e muitos ficaram. E existem estatísticas que dizem que no Peru 10% da população tem algum ancestral chinês, um em cada dez peruanos..Também há uma comunidade de origem japonesa, até deram o presidente Alberto Fujimori. Quando começaram a chegar ao Peru? O primeiro navio com migrantes japoneses chegou ao Peru em 1899. O Sakura Maru foi o primeiro navio que chegou com trabalhadores migrantes, também inicialmente destinados aos trabalhos agrícolas, mas que depois se adaptaram muito rapidamente ao país e ocuparam um lugar importante, tal como os chineses, no comércio. Com o passar dos anos, originaram um fenómeno empresarial muito interessante..É mera coincidência que os quatro membros da Comunidade Andina tenham integrado, pelo menos em parte, o Império Inca no máximo da sua extensão, antes do século XVI? Bom, é simplesmente uma coincidência histórica, mas sim, são quatro países que tiveram grande presença inca. Mas sobretudo completamos agora 55 anos e através da Comunidade Andina temos um mecanismo de integração que tem sido muito bem sucedido, mesmo que as pessoas possam não se aperceber. Com o mecanismo de livre comércio na região, as mercadorias circulam com tarifa zero entre os quatro países. E, tal como aqui na União Europeia, entre os quatro países da comunidade andina os cidadãos viajam apenas com o documento de identidade, não há necessidade de visto, não há necessidade de passaporte. Temos outros tipos de vantagens, por exemplo, o roaming, que foi antes aprovado aqui em toda a União Europeia, mas alguns anos depois na Comunidade Andina passámos também nós a ter o roaming gratuito..Pensar numa moeda única para os quatro países, isso é mais difícil? Essa já é uma tarefa muito mais difícil porque implica ter uma política económica e uma política monetária totalmente integradas. Podemos imaginar até esse passo no futuro, mas lembro que ainda não é um passo que tenha sequer sido dados por todos os países europeus..Na sua fundação, em 1969, a Comunidade Andina incluía o Chile, e associo o Chile aos Andes, mas também associo a Argentina. Em algum momento, a Argentina esteve para ser um dos países fundador? Os quatro países do Mercosul, que são o Brasil, a Argentina, o Uruguai e Paraguai, são países associados à Comunidade Andina e, ao mesmo tempo, os quatro países da Comunidade Andina são associados ao Mercosul. Portanto, há hoje uma relação comercial muito fluida entre as duas organizações, mas não, a Argentina não foi contemplada originalmente. O Chile foi membro fundador e saiu, mas é preciso ter em conta que quando a Comunidade Andina foi fundada, as ideias, a perceção económica e comercial na América Latina, tinham muito a ver com a visão da CEPAL, de Raúl Prebisch, que era a substituição de importações, desenvolvendo setores industriais..Era antiliberal, de certa forma? Tratava-se mais de desenvolvimento endógeno do que de desenvolvimento endógeno antiliberal, mas isso limitou enormemente a capacidade de atrair investimento estrangeiro. Foi promovido o crescimento de uma indústria regional. E foi isso que basicamente motivou a saída do Chile, com a mudança de governo..É curioso, porque há duas saídas da Comunidade Andina, que é a do fundador Chile, uma decisão de Augusto Pinochet, uma ditadura de direita, e a outra saída é a da Venezuela, que é um parceiro posterior, decidida por Hugo Chávez, que se assumia da esquerda revolucionária. E saem exatamente pelas mesmas razões, mas na direção oposta. No caso do Chile, em 1976, porque a Comunidade Andina tinha um regime de tratamento do capital estrangeiro que o Chile não estava disposto a manter. E no caso da Venezuela [membro entre 1973 e 2006], porque a Comunidade Andina liberalizou-se para negociar, especialmente com a União Europeia, e a Venezuela não se sentiu parte da iniciativa. .Então é possível dizer que estes quatro fundadores, que se mantêm na Comunidade, têm uma certa coerência em termos de grandes opções políticas e económicas? Existem diferentes posições, especialmente, eu diria, no campo político. Existem diferentes tendências. No entanto, os quatro países estão convencidos de que este mecanismo de integração lhes é útil, começando com o que mencionei há pouco. É o primeiro mercado, o mercado mais próximo, e é o mercado onde são comercializados os produtos de maior valor acrescentado..Estamos a falar de 110/115 milhões de pessoas. Portanto, se a Comunidade Andina fosse um país, seria o segundo país de língua espanhola nas Américas, depois do México. Sim. E estamos a falar também de uma área geográfica bastante grande, quase três milhões de km2. Ocupa boa parte da América do Sul. .Quando se pensa nos países andinos, pensa-se também no problema da produção e tráfico de drogas. Existe cooperação entre os países? Após os incidentes recentes ocorridos no Equador, onde houve o assassinato de um candidato à vice-presidência e a ocupação de um canal de televisão, houve uma reação muito concertada dos quatro países andinos, e foi aprovado um plano de ação decisivo, que inclui 13 áreas de coordenação para combater a criminalidade penal internacional, que vão desde mineração ilegal, tráfico de drogas, contrabando, controle da movimentação de pessoas ilegais, controle da movimentação de capitais ilegais, enfim, criar um banco de dados de informações sobre segurança, criar um sistema chamado 24-7, para que as autoridades policiais estejam todas interligadas o tempo todo. Tudo isto faz parte de uma iniciativa que surgiu desde janeiro deste ano e que já está a dar resultados.