Começou a viagem de 1,5 milhões de quilómetros do novo telescópio espacial 

O telescópio James Webb é o mais recente feito científico. Se tudo correr como previsto, dentro de seis meses o projeto norte-americano e europeu deve começar a recolher imagens de planetas fora do sistema solar e de estrelas e galáxias primordiais.
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8,5 mil milhões de euros e 11 anos depois do previsto, partiu da Guiana Francesa o telescópio James Webb acoplado ao foguetão Ariane 5. A viagem durará um mês, durante o qual percorrerá cerca de 1,5 milhões de quilómetros. Se tudo correr como previsto o telescópio construído pelas agências espaciais dos EUA, Europa e Canadá estará em pleno funcionamento em junho, colocando-se no chamado segundo ponto de Lagrange, ou L2, em órbita do Sol, e com capacidade para observar exoplanetas, bem como de estrelas e galáxias distantes para dar pistas aos cientistas sobre as origens do universo.

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Ao fim de pouco mais de 27 minutos, o precioso instrumento separou-se do foguetão. "Go Webb, go!", ouviu-se na emissão ao vivo segundos depois de a câmara colocada no Ariane 5 mostrar o telescópio a afastar-se . "Que dia espantoso. É verdadeiramente Natal", reagiu ao lançamento por fim realizado após vários adiamentos Thomas Zurbuchen, chefe das missões científicas da NASA. "Estou muito feliz por dizer que colocámos a nave espacial em órbita muito precisamente... que o Ariane 5 teve um desempenho extremamente bom", disse por sua vez o diretor da agência europeia (ESA), Josef Aschbacher. Esse sucesso foi fundamental, porque ajuda a economizar no combustível de que o telescópio necessitará para chegar ao destino final e ter um bom desempenho. Nas próximas duas semanas, a viagem inclui o delicado processo de acionar as antenas, espelhos e proteção solar.

Cabe a uma equipa do Instituto de Ciência do Telescópio Espacial, sediado em Baltimore, EUA, monitorizar a viagem da nave e intervir caso seja necessário. "Ao fim de 30 dias, serei capaz de respirar de alívio se estivermos dentro do horário previsto", disse Rusty Whitman, responsável pelo sistema de engenharia das operações de voo.

DestaquedestaqueO James Webb "pode ver a marca de calor de uma abelha à distância da Lua".

John Mather, cofundador do projeto, descreveu nas redes sociais a sensibilidade sem precedentes do telescópio. "Pode ver a marca de calor de uma abelha à distância da Lua." Essa potência é necessária para detetar o brilho fraco emitido há milhares de milhões de anos pelas primeiras galáxias e as primeiras estrelas a formarem-se. Essa é uma das duas prioridades do telescópio que em conjunto serão responsáveis por mais de 50% do seu tempo de observação. O segundo grande objetivo é a descoberta de exoplanetas (planetas fora do sistema solar) e investigar o potencial de vida nesses mundos através do estudo das suas atmosferas.

O Webb está armado com um espectrógrafo, um instrumento desenvolvido pela ESA que será capaz de detetar a luz das estrelas e galáxias primordiais, formadas cerca de 400 milhões de anos após o Big Bang , e dividir a luz infravermelha. Através desse processo dará aos cientistas informações sobre a composição química, propriedades dinâmicas, idade e distância dos objetos.

Também estão previstas observações mais próximas, no nosso sistema solar, de Marte e da Europa, a lua gelada de Júpiter. Cabe ao Instituto de Ciência do Telescópio Espacial, com sede na Universidade Johns Hopkins, a gestão de como utilizar a poderosa ferramenta científica, que tem uma vida útil esperada de entre cinco e dez anos. No final de 2020, investigadores de todo o mundo apresentaram mais de 1200 propostas, das quais 400 foram escolhidas para o primeiro ano de funcionamento. As propostas foram anónimas, uma prática que o instituto iniciou com o Hubble. O resultado, diz o chefe científico do Webb à AFP, é que muitos mais projetos de mulheres e cientistas em início de carreira foram escolhidos. "Estes são exatamente o tipo de pessoas que queremos que usem o observatório, porque estas são ideias novas", diz Klaus Pontoppidan.

O ponto central do telescópio é o seu espelho segmentado, uma estrutura côncava de 6,5 metros de diâmetro e composta por 18 espelhos hexagonais mais pequenos. São feitos de berílio, um metal leve e raro, revestido de ouro, e otimizados para refletir a luz infravermelha dos confins do universo.

O espelho e os quatro instrumentos científicos que transporta estão protegidos por um escudo solar de cinco camadas, que tem a forma de um papagaio de papel e é construído para se desenrolar até ao tamanho de um campo de ténis. As suas membranas são compostas de kapton, um material de alta resistência ao calor e estabilidade sob uma vasta gama de temperaturas, o que é essencial, uma vez que o lado virado para o Sol do escudo atingirá 110 ºC, e o outro lado mínimos de -236 ºC.

Planeado a partir de 1996 para substituir o Hubble em 2010, o Webb conheceu sucessivos atrasos, alterações de projeto e um crescimento orçamental, ao ponto de o Congresso dos EUA ter passado a controlar os gastos com auditorias anuais. A data de lançamento de 18 de dezembro foi alterada para 22 depois de se saber que uma braçadeira estava desfeita, depois para 24 ao detetar-se falhas num cabo, e por fim para 25 devido às condições meteorológicas.

Foi o segundo administrador da NASA, entre 1961 e 1968. No seu consulado conseguiu obter fundos para o programa Apollo, que levou o homem à Lua, criou-se o centro espacial de Houston (hoje chamado Lyndon Johnson) e estabeleceu uma gestão coordenada da agência. O seu nome foi dado ao telescópio em 2002.

Em 2015 começaram a surgir as primeiras críticas porque, antes da NASA, Webb foi vice-secretário de Estado de Harry Truman, numa altura em que o macarthismo não só perseguia e despedia pessoas suspeitas de simpatias comunistas como homossexuais e lésbicas. Em setembro, o atual administrador da NASA declarou não se ter encontrado qualquer prova no sentido de mudar o nome ao telescópio.

A ideia de enviar um grande telescópio para o espaço deve-se ao astrofísico Lyman Spitzer, que em 1946 publicou um artigo nesse sentido. Em 1969, em plena corrida espacial, a Academia Nacional de Ciências dos EUA publica um relatório sobre o assunto e apoiou o projeto, que começa a ser discutido pelos especialistas em 1974. Três anos depois, o Congresso financia a construção do grande telescópio espacial, que receberia o nome do astrónomo Edwin Hubble em 1983. A agência espacial norte-americana poria, por fim, o telescópio em órbita em 1990.

DestaquedestaqueA vida de mais de 30 anos do Hubble começou com uma falha no espelho, o que produzia imagens sem nitidez. O defeito foi corrigido na primeira missão ao telescópio, em 1993.

A uma altitude de 550 quilómetros da Terra, o Hubble começou a sua vida útil com um falhanço (que levou a NASA a ser ridicularizada): uma falha mínima no espelho de 2,4 metros de diâmetro produzia imagens sem nitidez. No entanto, a proximidade do telescópio permitiu a sua reparação em 1993. As missões de suporte de astronautas ao observatório estavam previstas (foram cinco no total) e mostraram-se essenciais para prolongar a vida útil e atualizar os sistemas.

Segundo os dados da NASA, durante mais de 30 anos o Hubble fez para cima de 1,4 milhões de observações, o que proporcionou a produção de mais de 18 mil artigos científicos publicados sobre as suas descobertas. O telescópio tem rastreado objetos interestelares à medida que estes atravessam o sistema solar, viu um cometa colidir com Júpiter, e descobriu luas à volta de Plutão. O Hubble descobriu viveiros estelares em toda a Via Láctea, que podem um dia tornar-se sistemas planetários, detetou galáxias a fundirem-se, bem como buracos negros e para locais a mais de 13,4 mil milhões de anos-luz da Terra.

Algumas das características únicas (até agora) deste aparelho com 13 metros de comprimento passa por tirar fotografias enquanto gira a 27 mil quilómetros por hora, gerando cerca de 10 terabytes de novos dados por ano. A NASA dá um exemplo de precisão do Hubble (0,007 arcseg), "o que é como ser capaz de incidir um raio laser na cabeça do presidente Roosevelt na moeda de dez centavos, a cerca de 320 quilómetros de distância".

cesar.avo@dn.pt

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