Putin abre cerimónia de anexação. "É a vontade de milhões de pessoas"
A Rússia formaliza esta sexta-feira, numa cerimónia no Kremlin, em Moscovo, a anexação das quatro regiões ucranianas onde decorreram recentemente os denominados "referendos", classificados por vários países do Ocidente como "ilegais".
"Os resultados são conhecidos, as pessoas fizeram a sua escolha clara", afirmou o presidente russo, Vladimir Putin, sobre os denominados referendos nas regiões de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporijia. "Hoje, assinamos o acordo sobre a entrada dessas repúblicas na Federação da Rússia", disse.
Putin diz estar "convencido que o parlamento irá apoiar" estas quatro novas regiões, "porque é a vontade de milhões de pessoas". "É um direito inabalável. Está no primeiro ponto da carta da ONU", disse, referindo-se ao "princípio da igualdade e autodeterminação dos povos."
"Os nossos antepassados também defenderam estas regiões", recordou o chefe de Estado russo, que referiu-se aos soldados da operação militar especial como "heróis".
Putin sublinhou: "As pessoas que vivem" nas quatro regiões, Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporijia, "são nossos cidadãos para sempre". Para o presidente russo, "as pessoas quiseram voltar à sua verdadeira pátria".
Continuou ao afirmar que se deve terminar com o conflito e a guerra, "que começaram em 2014", referindo-se aos ucranianos, "e voltar às conversações". "Nós estamos prontos para conversações, mas não vamos falar nessas conversações sobre o destino destas quatro regiões. É Rússia", afirmou.
"Nós vamos defender o nosso território com todos os meios que temos à nossa disposição", reiterou Putin. "Esta é a grande missão de libertação do nosso povo. Vamos reconstruir as escolas, as cidades que foram destruídas (...) e, claro, iremos fazer aumentar a segurança nessas regiões", declarou.
Referiu-se depois ao fim da União Soviética, em 1991. Segundo Putin, o Ocidente achava que a Rússia nunca mais renasceria. Falou nos "anos terríveis" dos anos 1990 e disse que a Rússia reforçou-se.
Afirmou que o povo russo nunca irá viver segundo a vontade dos outros e acusou o Ocidente de querer manter um sistema neocolonial para pilhar o mundo.
"O Ocidente procura novas oportunidades para nos atingir. Sempre sonhou em dividir o nosso Estado em estados menores que lutarão uns contra os outros", disse.
"Estão contra novas moedas, contra novas tecnologias dos países independentes", acusa o presidente da Rússia. Acusa ainda alguns Estados de serem vassalos dos EUA, que "deixam apenas ruína" à sua passagem. "Para eles, o importante é receber os seus lucros".
Considerou que o povo russo vai continuar a defender os valores e a pátria.
Putin disse que os EUA criaram o precedente da utilização de armas nucleares, referindo-se ao lançamento da bomba atómica contra Hiroshima e Nagasaki, no Japão.
"Os países do Ocidente dizem que dão liberdade e democracia a outros povos. É exatamente o contrário", defendeu.
"Os anglos saxónicos organizaram explosões nos gasodutos. Começaram a destruir uma infraestrutura europeia", acusou ainda o presidente russo sobre os gasodutos Nord Stream 1 e 2.
"Começaram uma guerra relâmpago contra a Rússia", afirmou. "A maioria dos Estados recusa isto e quer várias formas de cooperação com a Rússia. Os Estados ocidentais não estavam à espera disto. Eles querem, através de chantagem e subornos, conseguir os seus objetivos. Ficaram no passado e querem ser exclusivos", condenou.
Falou numa "propaganda agressiva" por parte do Ocidente que acusa de difundir informações falsas.
Continuou a criticar os países ocidentais, no que se refere às sanções impostas à Rússia desde o início da guerra. E ironizou:. "Na Europa é preciso convencer os cidadãos europeus de que devem usar roupa mais quente em casa".
Afirmou também que o colapso da hegemonia ocidental "é irreversível". "O mundo nunca mais será o mesmo", assegurou Putin que atacou os valores ocidentais "satânicos", que vão contra os valores "tradicionais" e "religiosos".
A terminar o discurso, o presidente russo afirmou: "A verdade está connosco".
Os decretos de entrada dos novos territórios na Federação Russa foram depois assinados por Putin e pelos líderes separatistas das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, bem como os das regiões de Kherson e Zaporijia.
A anexação oficial já era esperada após as consultas públicas -- que terminaram na terça-feira - nas áreas total ou parcialmente controladas pela Rússia na Ucrânia, cujos habitantes, alega Moscovo, apoiaram esmagadoramente a anexação formal destes territórios pela Rússia.
As administrações instaladas por Moscovo nas quatro regiões do sul e leste da Ucrânia - país alvo de uma ofensiva militar russa desde fevereiro - alegam que os indicadores da votação no "sim" à anexação oscilaram entre os 87% e os 99%.
Kiev, Estados Unidos e os seus aliados ocidentais condenaram veementemente os referendos, que classificaram como uma "farsa", e afirmaram que não vão reconhecer a anexação dos territórios.
Na quinta-feira, o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, alertou a Rússia que a anexação de territórios ucranianos "não terá valor jurídico e merece ser condenada", frisando que "não pode ser conciliada com o quadro jurídico internacional".
"O Kremlin anunciou que terá lugar" esta sexta-feira "uma cerimónia em Moscovo que lançará um processo de anexação das regiões ucranianas de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporijia. Neste momento de perigo, devo enfatizar o meu dever como secretário-geral de defender a Carta das Nações Unidas", disse.
"A Carta da ONU é clara. Qualquer anexação do território de um Estado por outro Estado resultante da ameaça ou uso da força é uma violação dos princípios da Carta da ONU e do direito internacional", frisou o líder da ONU.
Guterres chamou ainda a atenção para o facto de a Rússia, como um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, ter a particular responsabilidade de respeitar os princípios da Carta das Nações Unidas.
"Qualquer decisão de prosseguir com a anexação das regiões da Ucrânia de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporijia não terá valor jurídico e merece ser condenada. Não pode ser conciliada com o quadro jurídico internacional. Opõe-se a tudo o que a comunidade internacional deveria defender", advogou o ex-primeiro-ministro português.