Cinquenta estados aguardam pela réplica do assalto ao Capitólio

Desde sábado e até quarta-feira as capitais dos estados e a capital federal são palco de manifestações. As autoridades estão preocupadas com a violência. Com Donald Trump em silêncio e fora das grandes redes sociais, grupos extremistas dão sinais contraditórios.
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O centro da capital dos Estados Unidos está transformado num local em estado de sítio, com estações de metro fechadas, estradas e pontes bloqueadas, vedações e arame farpado a protegerem os edifícios federais e até 25 mil soldados da Guarda Nacional a zelarem pela segurança nas vésperas da tomada de posse de Joe Biden como quadragésimo sexto presidente.

A medida não é apenas um emendar a mão das falhas de segurança e de partilha de informações que levaram aos acontecimentos de 6 de janeiro, quando uma turba de apoiantes de Donald Trump invadiram o Capitólio, tendo deixado um agente da polícia e outros quatro mortos. Resulta de um alerta do FBI às agências policiais para possíveis protestos armados nas imediações de todos os 50 edifícios das capitais estaduais, com início ontem e pelo menos até ao dia da tomada de posse, quarta-feira.

O exterior do Capitólio do Texas, em Austin, foi o primeiro local onde manifestantes armados se juntaram no sábado, seguido por Saint Paul, no Minnesota. Nessas duas cidades como no resto do país, os suspeitos são os mesmos de há uma dúzia de dias: apoiantes do presidente cessante que acreditam nas suas falsas alegações de fraude eleitoral e teorias da conspiração conexas.

Os responsáveis estaduais esperam evitar a violência ocorrida em Washington, tendo declarado nalguns casos estado de emergência e encerrado a atividade dos parlamentos locais, além de ter dado ordens para erguer barreiras e proteger portas e janelas dos capitólios. Em mais de 12 estados, os governadores destacaram milhares de soldados da Guarda Nacional para tentar impedir a réplica do sucedido na capital federal, para onde expediram 25 mil soldados. Os serviços postais, por sua vez, retiraram os marcos de correio nas imediações dos edifícios federais, para evitar que possam ser usados como depósito de explosivos.

O FBI alertou para o potencial de violência em todas as capitais do estado e disse que está a seguir uma "grande quantidade de conversas online", incluindo apelos a protestos armados. Mas luta contra o tempo: a decisão de o Twitter e do Facebook em encerrarem as contas de extremistas e do próprio Donald Trump, bem como de a Amazon ter cortado o armazenamento da rede preferida pela extrema-direita, supremacistas e adeptos de teorias da conspiração, o Parler, tirou estas hordas do radar, mas não acabou com elas.

"Uma das vantagens que tínhamos quando esses grupos marginais estavam disponíveis e comunicavam abertamente através do Facebook, Twitter e Parler, é que era uma forma de código aberto para acompanhar o fluxo do interesse pelos protestos", comentou o sargento Nick Street, relações públicas da brigada de trânsito que fornece segurança ao Capitólio estadual do Utah.

Os próprios manifestantes parecem aturdidos com o silenciamento nas redes sociais. A procura de outras aplicações como o Telegram ou o Signal e redes como a MeWe e WimKin cresceu exponencialmente, mas os vários grupos não se entendem quanto à presença nas manifestações. Os Proud Boys disseram que não vão estar presentes e em Lansing os adeptos da Michigan Militia também disseram que irão estar ausentes. Nos grupos de chat a cada apelo à presença nas manifestações outros dizem que se trata de uma armadilha dos antifas ou do governo federal.

Ainda assim o jornal The Washington Post refere mensagens do grupo de extrema-direita Three Percenters a apelar para a presença na capital com armas e explosivos.

"Sem um evento "oficial" sancionado por Trump para sustentar protestos e outras ações, os apoiantes não têm a certeza de quem está realmente por detrás dos eventos planeados à volta do dia da tomada de posse", disse Rachel Moran, uma investigadora da Universidade de Washington, à CNET.

Outra dor de cabeça para a polícia é uma manifestação a decorrer na segunda-feira na capital da Virgínia, Richmond, pelos ativistas da segunda emenda, ou seja, pela defesa do porte de armas.

Seja como for, os sinais são de alarme. Um relatório conjunto de informações, produzido pelo FBI, Departamento de Segurança Interna e Centro Nacional de Contraterrorismo, adverte que "falsas narrativas" sobre fraude eleitoral servem como um catalisador contínuo para os grupos extremistas. E mais grave: a perceção de que os acontecimentos de 6 de janeiro foram um sucesso pode incentivar os extremistas a mais atos de violência, de acordo com um relatório citado pela Yahoo News.

Especialistas dizem que as capitais dos estados ganhos por Joe Biden a Donald Trump e que foram alvo de batalhas legais por parte do presidente cessante, como Wisconsin, Michigan, Pensilvânia e Arizona estão entre os que correm maior risco de violência. Mas mesmo os estados que não são vistos como prováveis pontos de conflito tomaram precauções.

É o caso do Ilinóis, onde o seu governador disse que, embora o seu estado não tivesse recebido quaisquer ameaças específicas, iria reforçar a segurança em torno do Capitólio em Springfield, incluindo 250 soldados da Guarda Nacional.

Outros mostram-se mais assertivos. É o caso dos governadores da Geórgia e do Utah. "As atividades ilegais e antiamericanas como vimos na semana passada em Washington, DC não será tolerada na Geórgia", disse o governador republicano Brian Kemp. "Deixem-me ser claro: se vierem à Geórgia para infringir a lei, é melhor não virem sequer." Uma advertência também seguida pelo colega do Utah, o também republicano Spencer Cox. "Respeitamos o direito dos residentes do Utah de se reunirem pacificamente, tal como está garantido na Constituição dos EUA. Mas nós traçamos a linha das ameaças à segurança física ou ao edifício do Capitólio. Nenhuma violência de qualquer tipo será tolerada", garantiu.

O risco de segurança estendeu-se para lá das capitais estaduais. A Igreja Unida de Cristo, uma organização protestante de mais de 4900 igrejas, avisou os seus 800 mil fiéis de relatos de que igrejas "liberais" poderiam ser atacadas na próxima semana.

À Reuters, Michael Hayden, da organização de direitos civis Southern Poverty Law Center, mostra-se preocupado, tendo destacado que a perceção da censura de vozes conservadoras por parte das redes sociais serviu para unir extremistas de direita e republicanos. "Propiciou uma espécie de ressentimento unificador entre grupos que antes não tinham qualquer ligação uns com os outros", disse.

Mike Lindell, dono da empresa de almofadas My Pillow, foi recebido por Donald Trump na Casa Branca na sexta-feira. A que se deveu tal visita? Um fotógrafo do The Washington Post captou os documentos que o empresário levava e do que é legível depreende-se um guião para aprovar o estado de insurreição e a lei marcial, com nomes designados para cargos como a Segurança Nacional e a CIA.

Em março, durante uma reunião da equipa de luta contra o coronavírus, na Casa Branca, Lindell dirigiu-se ao púlpito e, com Donald Trump a seu lado, aconselhou a equipa e todos os norte-americanos a lerem a Bíblia.

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