Cimeira do clima entre a "oportunidade incrível" e "o blá-blá-blá"
O momento não é para menos e os dirigentes que deram o pontapé de saída da 26.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, conhecida também pela sigla em inglês COP ou cimeira do clima, aproveitaram para dramatizar. A começar pelo secretário-geral da ONU António Guterres, que pediu para se "salvar a humanidade" - "Estamos a cavar as nossas próprias sepulturas" - e a culminar no primeiro-ministro britânico Boris Johnson, que traçou os cenários apocalípticos em caso de aumento de dois, três ou quatro graus Celsius enquanto lembrava que o planeta está a um minuto para a meia-noite no relógio do apocalipse. O presidente norte-americano Joe Biden conseguiu manter uma nota otimista em meio do catastrofismo, enquanto nas ruas de Glasgow manifestantes lembravam que os compromissos resultantes de conferências anteriores estão por cumprir.
Até dia 12, a cidade escocesa é anfitriã da COP26, na qual o principal objetivo é chegar a um acordo para "limitar o aumento da temperatura a 1,5 ºC", como disse o presidente da cimeira, Alok Sharma. A COP26 decorre seis anos após o Acordo de Paris, que estabeleceu como meta limitar o aumento da temperatura média global do planeta entre 1,5 e 2 ºC acima dos valores da época pré-industrial. Agora mais de 120 dirigentes políticos e milhares de especialistas reúnem-se para tentar atualizar os contributos dos países para a redução das emissões de gases com efeito de estufa até 2030, por um lado, e conseguir financiamento para adaptação das regiões mais afetadas, um valor estimado em cem mil milhões de dólares anuais.
Apesar dos compromissos assumidos anteriormente, soube-se há dias que as concentrações de gases com efeito de estufa atingiram níveis recorde em 2020, mesmo com a desaceleração económica provocada pelos confinamentos originados pela pandemia. "Os nossos estudos indicam que acontecerá um aumento de emissões de 16% em 2030, quando deveríamos registar uma redução de 45%", resumiu a secretária-executiva do organismo da ONU para a mudança climática, Patricia Espinosa. A ONU prevê que ao atual ritmo de emissões as temperaturas serão no final do século superiores em 2,7 ºC.
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Para prender a atenção dos participantes e dos meios de comunicação, Boris Johnson disse o que aconteceria caso não se passe das palavras à ação. "Mais dois graus, e pomos em risco o fornecimento de alimentos para centenas de milhões de pessoas, as colheitas murcham, os gafanhotos enxameiam." Mais um grau, e os padrões climáticos extremos iriam ficar muito piores. "Três graus, e pode-se acrescentar mais incêndios florestais e ciclones, o dobro do número de incêndios. Cinco vezes mais secas, e 36 vezes mais ondas de calor", augurou. "Quatro graus e dizemos adeus a cidades inteiras: Miami, Alexandria, Xangai, todas perdidas sob as ondas", concluiu. Daí que, como disse Alok Sharma, a cimeira de Glasgow é a "última e a melhor esperança" para estabelecer e alcançar a meta de 1,5 graus Celsius.
Reunidos em Roma na véspera do início da COP26, os líderes das maiores economias, responsáveis por 80% das emissões, comprometeram-se vagamente a lutar por aquela meta, sem indicarem um ano para atingir a neutralidade carbónica. António Guterres saíra desiludido do G20, mas com alguma esperança no encontro que hoje continua a ouvir os líderes antes de passar para as negociações. "É hora de dizer basta", afirmou Guterres na abertura do encontro. "Chega de maltratar a biodiversidade. Chega de nos matarmos com o carbono. Chega de tratar a natureza como uma casa de banho. Basta de queimadas e de perfuração e de mineração cada vez mais profunda. Estamos a cavar as nossas próprias sepulturas", advertiu.
As expectativas de Guterres terão baixado depois de ter ouvido o primeiro-ministro indiano Narendra Modi, cujo país ainda não apresentou os seus novos compromissos previstos no Acordo de Paris. Apesar de se ter vinculado ao objetivo de redução das emissões de gases com efeito de estufa para 2030, comprometeu-se com a neutralidade de carbono apenas em 2070, 20 anos mais tarde do que preconizado pela ONU.
Significativas também as ausências dos chefes de Estado do maior poluidor mundial, a China de Xi Jinping - escreveu uma mensagem sem se comprometer com metas mais ambiciosas -, mas também da Rússia de Vladimir Putin, do Brasil de Jair Bolsonaro e da Turquia de Recep Erdogan, que à última hora alegou razões de segurança para não comparecer.
Em sentido oposto, o norte-americano Joe Biden, que no domingo considerara as posições da China e da Rússia "dececionantes", preside a uma comitiva com ambição e, como sinal de querer virar a página, pediu desculpa pela decisão de Donald Trump, que retirou os EUA do Acordo de Paris, e declarou um "imperativo moral" a ação climática. "Os EUA não estão apenas de volta à mesa, mas esperemos que liderem pelo poder do exemplo. Sei que não tem sido o caso e é por isso que a minha administração está a fazer horas extraordinárias para mostrar que o nosso compromisso climático é ação e não palavras", disse o presidente democrata.
"É preciso mais para transformar palavras em ações", comentou Thomas Damassa, da ONG Oxfam. Nas ruas de Glasgow, os manifestantes lembravam as palavras vãs - o blá-blá-blá de que se queixa Greta Thunberg, presente no local - e prometem uma enorme manifestação no sábado.