China está a tornar-se um regime totalitário mais repressivo
Relatório sobre o Estado Global das Democracias, relativo ao ano de 2021, mostra que apenas 54% das pessoas na Ásia e Pacífico vivem numa democracia e quase 85% dessas pessoas vivem numa democracia frágil ou em regressão.
Um relatório sobre o estado das democracias a nível global revela que a China está a tornar-se um regime cada vez mais repressivo, numa região do planeta onde o totalitarismo tem vindo a consolidar-se.
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O mais recente relatório sobre o Estado Global das Democracias, relativo ao ano de 2021, do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA), que vai ser esta quarta-feira apresentado num evento público, mostra que apenas 54% das pessoas na Ásia e Pacífico vivem numa democracia e quase 85% dessas pessoas vivem numa democracia frágil ou em regressão.
O documento deste instituto com sede em Estocolmo -- que analisa o desempenho democrático de 173 países desde 1975 e procura fornecer um diagnóstico sobre o estado das democracias em todo o mundo -- diz ainda que os regimes totalitários, de que o chinês é exemplo destacado, se estão a tornar progressivamente mais repressivos.
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"Os regimes autoritários estão a ficar cada vez mais repressivos. Estão a enterrar as garras de forma cada vez mais agressiva e mais profunda", explicou à Lusa o secretário-geral do IDEA, Kevin Casas-Zamora.
A China ilustra bem esta tendência de os regimes autoritários se consolidarem e de aprofundarem os valores totalitários e ditatoriais, revelando uma completa falta de representatividade do seu Governo ou de participação dos cidadãos nas decisões políticas.
Na China, todos os 11 parâmetros relativos à representatividade governativa, à participação cívica ou ao escrutínio do executivo apresentam valores negativos, comparando-se muito abaixo dos níveis mesmo de outros regimes totalitários.
Liberdade de expressão na China em níveis muito próximos do zero
Com valores intermédios, aparecem parâmetros como o acesso à Justiça ou os direitos sociais e igualdade, bem como a igualdade de género ou a ausência de corrupção, mas mesmo assim em níveis abaixo das médias globais recomendadas.
O único parâmetro onde a China se compara favoravelmente com outros dos 173 países é o do sistema de segurança social, onde o desempenho está acima da média global.
A liberdade de expressão -- que está agora a ser testada com as manifestações contra a estratégia do regime de Pequim para lidar com a pandemia de covid-19 -- aparece em níveis muito próximos do zero, tal com a liberdade religiosa ou a liberdade de movimento, num país que tem intensificado as suas políticas de controlo sobre os cidadãos.
"Vamos assistir a muita instabilidade política. Vai haver muitos movimentos sociais reagindo ao descontentamento social e isso pode provocar uma mais severa reação política por parte dos regimes autoritários", avisou Casas-Zamora, em declarações à Lusa feitas ainda antes dos protestos, e da resposta repressiva do regime de Pequim, que se verificam agora na China.
Metade dos regimes democráticos em todo o mundo em declínio
Um em cada dois regimes democráticos em todo o mundo está em declínio, fragilizado por problemas de legitimidade, limitações de liberdades essenciais ou por ausência de transparência, revela ainda o relatório.
Documento indica que o número de países democráticos em regressão é o mais elevado da última década.
"O número de países a nível mundial que avançam na direção do autoritarismo excede o dobro do número de países que avançam numa direção democrática", acrescenta o relatório, que mostra que mesmo democracias estabelecidas, como a norte-americana, estão hoje a braços com problemas que minam a sua credibilidade junto dos eleitores.
Nos últimos cinco anos, o progresso das democracias a nível global tem estagnando nos índices destes relatórios do IDEA, verificando-se mesmo algumas regressões e, em vários parâmetros, não estão melhores do que em 1990.
O relatório do IDEA mede o desempenho democrático de 173 países desde 1975 e procura fornecer um diagnóstico sobre o estado das democracias em todo o mundo.
"Estamos perante uma situação muito grave. Mesmo países com sistemáticos bons resultados nos índices refletem quedas, provando que há um problema global com as democracias", disse à Lusa o secretário-geral do IDEA, Kevin Casas-Zamora.
O declínio da democracia global reflete-se em diferentes parâmetros, incluindo a credibilidade dos resultados eleitorais, restrições às liberdades cívicas e de expressão, a desilusão dos jovens com a atividade política.
Quando os investigadores do IDEA procuram encontrar causas para o declínio dos regimes democráticos detetam explicações no afastamento dos eleitos perante os problemas reais dos eleitores, o aumento da corrupção e a ascensão de partidos demagógicos e populistas que polarizam e radicalizam a atividade política.
Ao mesmo tempo, o relatório deste ano mostra que os regimes autoritários são cada vez mais numerosos e estão a aprofundar a sua atividade repressiva, tendo 2021 sido o pior ano de que há registo.
"Mais de dois terços da população mundial vivem agora em democracias em regressão ou sob regimes autoritários e híbridos", conclui o relatório, que ainda assim deixa alguns sinais de otimismo, relativamente ao cenário político global.
"As pessoas estão a unir esforços de forma inovadora, para renegociar os termos dos contratos sociais, pressionando os seus governos a satisfazer as exigências do século XXI, desde a criação de estruturas comunitárias de cuidados infantis, na Ásia, até às liberdades reprodutivas na América Latina", conclui o estudo do IDEA.
Em declarações à Lusa, o secretário-geral deste instituto com sede em Estocolmo reconheceu que há muitos casos interessantes de atividade cívica, como os movimentos ambientais, as manifestações a favor dos direitos das mulheres no Irão ou os protestos políticos na Tailândia, revelando que "os cidadãos mostram vontade de ultrapassar os limites do politicamente possível".
"Os próximos anos vão ser desafiantes", garante Casas-Zamora, lembrando que "ao contrário do que os pessimistas democráticos podem sugerir, os regimes autoritários e os sistemas alternativos de governação não superaram o desempenho dos seus pares democráticos".
Ainda assim, o relatório sobre a saúde das democracias no planeta apresenta indicadores preocupantes para quem acredita nesta forma de regime político, como o facto de, no final de 2021, metade dos 173 países avaliados terem revelado declínio em pelo menos um dos atributos democráticos.
Na Europa, por exemplo quase metade de todas as democracias, num total de 17 países, sofreram erosão nos últimos cinco anos, e Portugal não foi exceção, depois de, em 2020, ter registado uma queda em três dos parâmetros que medem a qualidade das democracias.
Portugal, apesar de tudo, mantém-se como uma democracia saudável e partilha com outros países europeus algum défice na componente da corrupção e na falta de maior abertura à participação dos cidadãos nas decisões governativas.
Nos continentes asiático, africano e sul-americano persistem problemas sistémicos e históricos de graves défices democráticos, com países como Afeganistão, Bielorrússia, Comores ou Nicarágua a repetir desempenhos de declínio dos parâmetros democráticos.
"A democracia não parece estar a evoluir de uma forma que reflita a rápida evolução das necessidades e das prioridades. As melhorias são pouco significativas, mesmo nas democracias em que se regista um desempenho de médio ou alto nível", conclui o relatório.
O documento do IDEA recomenda uma série de medidas políticas para renovar e reativar os regimes democráticos, nomeadamente com a adoção de contratos sociais mais equitativos e sustentáveis, com reformas das instituições políticas e com o fortalecimento das defesas contra o autoritarismo.