CEO da Fundação Obama. O filho da Deolinda e do António tem "o melhor emprego do mundo"

David Simas esteve em Portugal para o Leadership Summit, e foi em Cascais que o DN falou com o lusodescendente que trabalhou com Barack Obama na Casa Branca durante oito antes, antes de assumir a presidência da fundação do ex-presidente em 2016. Guerra na Ucrânia, China como grande rival da América, uns EUA entre Biden e Trump em 2024 e o potencial de Portugal foram alguns dos tópicos abordados.

Ele estava na Força Aérea. Ela trabalhava numa livraria e tinha quatro irmãos também na Força Aérea. Foi assim que se conheceram na então Lourenço Marques, em Moçambique. Ele entrou na livraria onde conheceu uma linda rapariga "do Alentejo" [única expressão em português] e ela conheceu um "rapaz muito educado" de Faial da Terra, São Miguel, como escreveu a um dos irmãos em 1967. Casaram em Santiago do Cacém e chegaram pouco depois a Taunton, Massachusetts. Que história! Dava um ótimo filme: Quando António conheceu Deolinda!"

Quem conta a história é David Simas, filho de Deolinda e de António, e também CEO da Fundação Obama. Em Cascais para participar há dias no Leadership Summit, o lusodescendente que durante oito anos trabalhou ao lado de Barack Obama na Casa Branca e que desde 2016 dirige a fundação do ex-presidente conversou com o DN à margem de um almoço subordinado ao tema: Liderança, Paz e Democracia. Temas que refletem o mundo em que vivemos. Guerra na Ucrânia, crise energética, inflação, o advogado de 52 anos admite que "para muitos na comunidade ligada às relações exteriores, nos EUA e noutros países, este conflito representa o fim de uma era e a transição para outra."

Sentado na Sala das Aias, no Pestana Cidadela, diante do cartaz que anuncia o almoço em que participou com o académico Michael Baum, Simas não hesita em comparar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a Winston Churchill, o primeiro-ministro que liderou o Reino Unido durante a II Guerra Mundial. "Zelensky, de uma forma muito churchilliana, conseguiu personificar o país. No início do ano li uma biografia de Winston Churchill é esse sentido que ele ganha numa altura de guerra, enfrentando os assaltos da Luftwafe e os bombardeamentos de Londres as pessoas sabiam que todas as noites podiam ligar o rádio e ouvir a voz desafiante e encorajadora do povo britânico. Com Zelensky é o mesmo. Diariamente, não só os ucranianos o podem ouvir, como podem ver o seu líder a caminhar pelas ruas de Kiev. Esse é um dos aspetos da liderança. Não basta tomar as decisões, é também como é que, em momentos de crise, conseguimos captar o espírito de um povo."

E dá outros exemplos, desta vez nos EUA, de líderes que o souberam fazer: "Após o 11 de Setembro, em que quase três mil americanos morreram, lembro-me da imagem do presidente Bush - e ele não é do meu partido político - mas naquele momento não importou. Ele estava de pé com um altifalante em cima de um monte de destroços no Ground Zero, com os bombeiros à volta dele. Todos nós fixámos aquela imagem. O presidente Reagan, também, quando o vaivém Challenger explodiu, apareceu na televisão. E quando nove pessoas foram mortas numa igreja na Carolina do Sul, o presidente Obama foi assistir a uma missa e no final começa a cantar Amazing Grace. Estes são exemplos de líderes que se apropriaram de um momento de uma forma que não é lógica, não é intelectual, nem sequer é racional. Trata-se de uma necessidade emocional, que todos temos, especialmente em momentos de crise, de fazer parte de algo." E é essa capacidade que agora vê em Zelensky.

Também Joe Biden lhe parece o homem certo no cargo certo neste momento. Depois de oito anos a trabalhar de perto com o então vice-presidente de Obama, David Simas não tem dúvidas que o atual inquilino da Casa Branca é "uma das melhores pessoas que conheci." Sublinhando não querer entrar muito em considerações políticas, o CEO da Fundação Obama lá vai dizendo: "Assumir a liderança em 2021, após quatro anos de turbulência... e não digo isto como um ataque político ao presidente anterior, mas havia um sentimento de que as coisas eram sempre caóticas. O presidente Biden falou sempre em estabilidade, sabe como funciona Washington. Fico feliz por neste momento ele ser o presidente dos EUA."

E de repetir: "É um bom homem, uma boa família, que sofreu mais do que... como pai nem consigo imaginar o que ele passou. Isso vê-se quando o vemos falar com pessoas que estão a sofrer." Depois da morte da primeira mulher e da filha bebé num acidente de carro nas vésperas do Natal de 1972, Biden, então com 29 anos, tomou posse como senador no hospital onde os dois filhos mais velhos, Beau e Hunter, ainda estavam internados. Depois de refazer a vida ao lado da atual mulher, Jill, Biden passou ainda pela morte de Beau, de cancro, em 2015.

Tragédias que marcaram o caráter e a carreira de Biden, mas que talvez o tenham ajudado a conseguir o equilíbrio com que sempre procurou estar na sua vida política, erguendo pontes com os adversários. Olhando já para as presidenciais de 2024, David Simas garante que "se for Biden contra Trump, será uma escolha muito clara." Mas antes disso ainda temos as eleições intercalares, a no próximo dia 8 de novembro. E aqui Simas vai buscar a sua experiência nas campanhas de Obama: "Em 2010, nas nossas primeiras intercalares, perdemos uns 60 lugares na Câmara dos Representantes e depois ganhámos as presidenciais de 2012. Se há uma coisa que sei sobre a política americana é que a única constante é a mudança. Não tiraria demasiadas conclusões do que vai acontecer este ano para as presidenciais de 2024".

Neste momento, prefere sublinhar as vitórias alcançadas na atual Administração. "Nos últimos dois anos houve momentos em que os partidos trabalharam juntos no Congresso, nas áreas limitadas em que podem. É isso que se quer. Vamos começar por trabalhar nas áreas em que podemos trabalhar juntos. E o que podemos esperar é que ao longo do tempo as relações se aprofundem, as coligações evoluam é que consigamos voltar a um período de... não diria unanimidade, que isso não é bom, não é democracia, mas cooperação".

Admitindo estar "talvez demasiado otimista", Simas reafirma contudo a sua fé na Constituição dos EUA. "Para nós os checks and balances, o sistema judicial independente, a natureza limitada dos poderes federais versus os dos estados significam que podemos ter presidentes que empurram os limites mas o sistema aguenta, as instituições funcionam perfeitamente. O Congresso vai analisar a questão do Colégio Eleitoral, mas até isso para mim é exemplo do sistema a adaptar-se para enfrentar os desafios. Para que quando alguém empurrar os limites, se possa ajustar, adaptar", explica, numa referência velada ao republicano Donald Trump, mas sem o nomear.

China é o grande rival

Mas se neste momento, na Europa, a Rússia é vista como a grande ameaça, até porque o presidente Vladimir Putin não só invadiu a Ucrânia, às portas da União Europeia, como tem repetidamente ameaçado recorrer às armas nucleares para resolver o conflito, para os EUA a China continua a ser o grande rival, perguntamos. "O que sei é que nos anos em que fui ouvindo os eleitores nos EUA, há um sentimento geral, que atravessa o espectro político e ideológico, de que a China é o rival. E quando se fala com pessoas comuns nos EUA, elas lembram como a manufatura costumava ser na América e agora é tudo feito no estrangeiro, na China. Esse é o tipo de linguagem que se ouve", afirma.

Mas para Simas, este sentimento, mais do que ser anti-China, ou contra o crescimento da economia chinesa, "é mais algo como "porque é que nós não podemos voltar a fazer aquilo? Somos os Estados Unidos da América."" E, acredita o advogado, "uma das coisas que vemos depois da pandemia e da disfunção das cadeias de abastecimento e a consequente instabilidade geopolítica, é que pela primeira vez em muito tempo há um verdadeiro ênfase na necessidade de fazer as coisas em casa. Os microchips por exemplo. Não podemos ficar dependentes de outros. Porque em momentos de incerteza, nestes períodos de transição de uma ordem mundial para outra, é o que podemos fazer para evitar a instabilidade e variabilidade." Portanto, explica, "é menos este país contra aquele. E mais "sabes que mais, vamos voltar ao básico: queremos algo feito, temos de ser nós a fazê-lo"". E esse é "um traço cultural americano tradicional - a primazia do indivíduo, mas no final das contas, estamos todos juntos nisto e "vou ajudar-te se precisares e se estiveres disposto a ajudar-te a ti próprio". É algo muito americano."

Um exemplo chamado Obama

Claro que conversar com David Simas sem falar dos anos em que trabalhou com Obama é virtualmente impossível. Depois de dois anos como vice-chefe de gabinete de Deval Patrick, então governador do Massachusetts, em janeiro de 2009 David Simas começava um novo emprego como conselheiro do homem que fez história ao tornar-se no primeiro presidente negro dos EUA. Figura-chave na campanha para a reeleição em 2012, no segundo mandato foi Simas tornava-se chefe do gabinete político de Obama. Hoje recorda: "a melhor parte de trabalhar com ele é que nunca o vi tratar ninguém - fosse a pessoa que estava a lavar pratos num hotel em Los Angeles ou um chefe do Estado estrangeiro - que não fosse com dignidade, respeito e decência. Isso cria uma cultura. Ele era o presidente dos EUA e comportava-se de uma forma que mostrava decência e dignidade para com todos. Não é perfeito, ninguém é. Mas dá o exemplo."

E quanto à maior lição que tirou desses oito anos, David Simas hesita - "foram tantas" -, mas acaba por contar como todos os dias, no envelope que recebiam com o selo presidencial e com o briefing vinham também as dez cartas que o presidente tinha selecionado para responder pessoalmente das centenas que chegavam todos os dias à Casa Branca. "Todas as manhãs líamos as cartas, algumas diziam que estávamos a fazer um bom trabalho, mas o resto era de pessoas a dizer como estavam a sofrer, que a sua vida era terrível, etc. E o paradoxo de, por um lado, trabalhar para o homem mais poderoso do planeta, e ao mesmo tempo ter um poder tão limitado, de depender de tantos factores instáveis, lembrava-nos que não estávamos ali para nosso prestígio. Ficávamos a olhar para a carta de uma mulher do Idaho que ficara sem casa e com três filhos, a viver numa carrinha. A lição era que podíamos ter conseguido chegar até ali, mas o que estávamos a fazer para mudar as coisas? Era maravilhoso é frustrante ao mesmo tempo."

E quanto a lições de humildade, David Simas conta ainda este episódio: "Eu saí da Casa Branca em dezembro de 2016, mesmo antes do final do mandato. E poucos dias antes andei no Air Force One pela última vez. Uma semana depois, estava a voar, na fila de trás, no assento do meio, num voo da Southwest Airlines, com a casa de banho logo ali. Lembro-me de pensar na altura como era maravilhoso. Servimos, tivemos um momento, e quando termina, o que somos é um simples cidadão. Como o próprio Barack Obama diria, "o mais importante em qualquer democracia não é o presidente, são os cidadãos"."

Mas o cidadão comum David Simas é também CEO da Fundação Obama, um trabalho que descreve como "o melhor emprego do mundo". Mas o que faz exatamente? "Trabalho com a equipa para tentar encontrar umas centenas de líderes emergentes todos os anos. E sei que dentro de dez, 20, 40, 50 anos estes jovens vão ser maravilhosos líderes. Uns sim, outros não. Mas bastam alguns. É este o momento em que me encontro na minha carreira - o meu pai diria que estou no último terço da minha vida. E se o primeiro terço é para descobrir o que queremos fazer, o segundo é para o fazer, o terceiro é para retribuir a quem esteve connosco nós dois primeiros. Não há nada melhor.

Aposta em Portugal

E como é que David olha hoje para este Portugal, tão diferente daquele que os pais, saídos de cá ainda em tempo da ditadura lhe devem ter descrito quando era criança? "Este é um dos mais vibrantes países com possibilidades", garante. "Quando penso na geração dos meus pais - quarta classe?! Que crime! Relegar para trás gerações de pessoas. Mas era assim", exclama, antes de afirmar: "Portugal sempre teve bom tempo, sempre teve pessoas simpáticas, mas hoje tem esta geração, educada e com um sentido de potencialidade, que faz parte da União Europeia. Eu apostaria em Portugal." E "a estabilidade", destaca, antes de garantir: "I am a big fan of Portugal."

E este fã de Portugal pensa regressar à política ativa? A resposta não podia ser mais clara: "Nãããão. Já servi o país, agora é tempo de servir de outra forma."

helena.r.tecedeiro@dn.pt

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