Miguel Ángel López seguia numa estrada da região colombiana de Catatumbo com a mulher e o filho de apenas 9 meses quando o carro foi atingido por uma rajada de tiros. A morte do dono da funerária San Miguel e da família, no dia 16, acabou por ser o rastilho que destapou o conflito entre a guerrilha do Exército de Libertação Nacional (ELN) e a Frente 33 da dissidência das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que rejeitou o acordo de paz assinado em 2016.A violência, que já causou quase uma centena de mortos e obrigou perto de 40 mil pessoas a deixarem esta região na fronteira com a Venezuela, parece ser o prego no caixão da “paz total” prometida pelo presidente Gustavo Petro, tendo levado à suspensão das negociações do governo com o ELN. E complica mais as relações já tensas com o regime de Nicolás Maduro.Segundo a primeira versão das autoridades, López foi morto depois de desobedecer a uma ordem do ELN de levantar os corpos de membros da dissidência das FARC, que tinham sido mortos no meio de uma guerra pelo controlo de Catatumbo. Em toda a região, havia 53 mil hectares de plantações de folha de coca em 2023, segundo um relatório das Nações Unidas. E Tibú, o município onde López vivia e trabalhava, é considerado aquele com mais hectares plantados no mundo. Hoje não é a ideologia, mas o controlo das rotas do narcotráfico e o dinheiro que fazem mover as guerrilhas.O ELN está presente na região desde a década de 1970. Segundo a revista Semana, a Frente de Guerra Nordeste terá quase 2400 homens armados distribuídos por 20 estruturas, controladas por “Alfredo” (nome de guerra). Mas, nas últimas semanas, terá contado com o reforço de integrantes do departamento vizinho de Arauca - que terão utilizado o território venezuelano para chegar a Catatumbo.Para os especialistas, nos últimos anos o ELN tornou-se uma verdadeira força “binacional”, florescendo na Venezuela mesmo quando negociava a paz na Colômbia.Enquanto o regime de Maduro destruía os restos das FARC na região, alegadamente fechava os olhos ao ELN, que via como um potencial aliado em caso de uma tentativa armada de o derrubar vinda da Colômbia. Há quem fale mesmo que a ELN se tornou um instrumento para a Venezuela, país garante do processo de paz, influenciar Bogotá. Nesse sentido, não caiu bem a muitos, na Colômbia, verem o ministro do Interior, da Justiça e da Paz venezuelano, Diosdado Cabello, a acolher refugiados junto à fronteira e, segundo o próprio Maduro, a entrar mesmo em Catatumbo.Nesta região estratégica de 4800 quilómetros quadrados, rica em recursos petrolíferos, atuam ainda várias dissidências das FARC (que lá chegou em meados da década de 1980). Em particular a Frente 33, liderada por Carlos Eduardo García (ou “Andrey Avendaño”), que terá cerca de 400 homens, segundo o jornal El Tiempo, e estará no centro do atual confronto.Isto depois de, segundo os especialistas, o ELN ter, durante anos, facilitado o rearmamento das fações que não aderiram ao acordo de paz de 2016. Mas a trégua tácita entre ambos terá terminado após a alegada perda de um carregamento de cocaína e a morte do líder financeiro do ELN, segundo a imprensa colombiana, provocando a atual onda de violência em que os civis também acabaram por se tornar um alvo.O acordo de paz de 2016 nunca chegou verdadeiramente a esta zona remota, onde também atuam vários grupos paramilitares. E o Estado é quase uma miragem, deixando a porta aberta a grupos criminosos. Falta “investimento em infraestruturas, em Educação, em Saúde, em habitação, em oportunidades laborais, em apoio a projetos de produção”, segundo a Comissão da Verdade na Colômbia.Resposta do governoA situação em Catatumbo “é um fracasso da nação”, admitiu Petro, ficando contudo aquém de dar como morta a ideia de “paz total” que defende desde que chegou à Presidência em agosto de 2022.A violência levou o presidente a ordenar, logo no dia 17, a suspensão das negociações de paz com o ELN, que acusou de “crimes de guerra” por atacar civis - algo que a guerrilha nega ter feito, alegando que a sua ofensiva é só contra os rebeldes da dissidência das FARC e outros guerrilheiros desmobilizados.“A paz total foi uma política de Petro que permitiu aos bandos e grupos paramilitares certo ‘estatuto político’ para realizarem ações coordenadas com o Estado e as suas Forças Armadas dentro do seu plano de contrainsurreição, que procura entre os seus objetivos fundamentais, render e subjugar o ELN”, indicou a guerrilha em comunicado, citado pela Semana, acusando o governo de operações de “falsa bandeira” para desestabilizar a zona. Alegam que a morte de Miguel Ángel López é um exemplo, dizendo que terá sido levada a cabo pela dissidência das FARC para culpar o ELN.Três dias depois de suspender as negociações de paz, Petro declarou o “estado de comoção interna” e de “emergência económica” para lidar com a situação. “O ELN escolheu o caminho da guerra e guerra terá”, indicou o presidente, que na juventude foi, ele próprio, um guerrilheiro do Movimento 19 de Abril (M19) - que assinou a paz com o governo em 1990. Na última quarta-feira, Petro reativou as ordens de detenção contra 31 comandantes do ELN que estavam suspensas há três anos, tendo no sábado sido oferecida uma recompensa de 700 mil dólares por informações que levem à captura dos seus quatro principais líderes.Na sexta-feira, o presidente aprovou um decreto de emergência que lhe dá poderes extraordinários durante 90 dias (o prazo pode ser alargado) para, entre outras coisas, impor recolheres obrigatórios em Catatumbo, restringir a circulação e empreender outras medidas que normalmente violariam os direitos civis e requereriam a aprovação prévia do Congresso.Há muito que a oposição colombiana critica as negociações com o ELN e a ideia de “paz total” daquele que é o primeiro presidente de esquerda da Colômbia. Petro foi acusado de ser leniente com as guerrilhas e permitir que estas se fortalecessem. Mas, depois dos últimos acontecimentos, qualquer negociação parece estar fora de questão, com as Forças Armadas a serem enviadas para Catatumbo, desde logo, para ajudarem os milhares de pessoas que fugiram para a região Norte de Santander - além da vizinha Venezuela.Numa visita na segunda-feira a Ocaña, que tal como Catatumbo fica no Norte de Santander, Petro disse que “uma força estrangeira” está a ocupar o território, considerando que “este é um problema de soberania nacional, não apenas um conflito interno”. Um recado para a Venezuela e para Maduro, com quem a relação não é a melhor, depois de a Colômbia (como muitos outros países) não ter reconhecido a sua vitória eleitoral.Petro é um dos presidentes mais impopulares da América do Sul, segundo uma sondagem publicada no final do ano passado pela CB Consultora Opinión Pública. Apenas 39,9% dos inquiridos têm uma imagem favorável do colombiano (uma queda dos 41,2% registados em novembro), sendo que 56,3% têm uma imagem desfavorável. 31,8% qualificam o seu desempenho como “muito mau”. As Presidenciais são em 2026 e Petro não pode ser candidato.