Primeiro-ministro Pedro Sánchez envolveu-se pessoalmente na campanha, após dias para “refletir sobre o futuro” no Governo.
Primeiro-ministro Pedro Sánchez envolveu-se pessoalmente na campanha, após dias para “refletir sobre o futuro” no Governo.EPA/Enric Fontcuberta

Catalunha entre virar a página e apostar no regresso de Puigdemont

Vitória socialista com possibilidade de formar Governo seria a validação da política de Sánchez nos últimos anos, mas pode também custar o apoio do Junts no Congresso espanhol.
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Quase sete anos depois do processo independentista, mais de 5,7 milhões de catalães são chamados este domingo às urnas para eleger os 135 deputados do Parlament, que por sua vez irão eleger o novo presidente da Generalitat. As sondagens apontam para a vitória dos socialistas, tal como em 2021, e desta vez sem os independentistas terem uma maioria suficiente para lhes “roubarem” o Governo Regional. Isto se o Junts per Catalunya não surpreender e crescer mais do que o previsto, ditando um eventual regresso do exílio do ex-presidente da Generalitat, Carlos Puigdemont.

Mas nem tudo são boas notícias para o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez. Apesar da eventual vitória dos socialistas na Catalunha validar a sua política de diálogo com independentistas e a aposta no apaziguamento, deixa-o provavelmente dependente da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), do atual presidente da Generalitat, Pere Aragonès, causando uma divisão no independentismo e custando-lhe o apoio do Junts no Congresso espanhol.

Na última sondagem do Gabinete de Estudos Sociais e Opinião Pública, cuja divulgação é proibida em Espanha, mas que foi revelado pelo portal australiano The Adelaide Review, o Partido dos Socialistas da Catalunha (PSC), de Salvador Illa, surge com entre 37 e 40 deputados (atualmente tinha 33). Em segundo lugar está o Junts com 30 a 33 deputados (em vez dos atuais 32). Segue-se a ERC que, dos 33 deputados atuais, poderá cair para entre 22 e 25, tendo abandonado a “via unilateral” para a independência e apostando pelo diálogo e a negociação com o Governo espanhol. 

O Vox, cuja candidatura é liderada por Ignacio Garriga, e o Partido Popular (PP), de Alejandro Fernández, disputam a quarta posição. A extrema-direita pode conseguir 11 a 13 deputados (tem agora 11), enquanto os populares terão entre 10 e 13, uma grande subida em relação aos atuais três - sendo que devem “engolir” o Ciudadanos, que tinha seis deputados e ameaça não eleger um só. Mas ficar atrás do Vox será uma derrota para o líder do PP, Alberto Núñez Feijóo.

Outros três partidos deverão ter lugar no Parlament, os independentistas antissistema da Candidatura de Unidade Popular (CUP), com sete a nove deputados (têm nove), os Comuns Sumar com cinco a sete (face aos oito do En Comú Podem) e a Aliança Catalã, um novo partido de extrema-direita independentista, que pode estrear-se com três a seis deputados.

“Década perdida”

No último dia de campanha, num comício em Barcelona, Sánchez apelou ao voto “em massa” em Illa, para “ganhar a 12 de maio e a 13 poder governar a Catalunha”. O primeiro-ministro espanhol considera que “o único candidato que aspira governar é Illa”, alegando que todos os outros “aspiram bloquear”.

O PSC já venceu nas últimas eleições catalãs, em fevereiro de 2021, mas sem maioria suficiente para impedir os independentistas de governar. Illa fez campanha insistindo na ideia de “uma década perdida” na Catalunha, enumerando uma série de falhas do Executivo Regional, como a falta de infraestruturas para garantir o fornecimento de água em plena seca. As sondagens apontam para uma possível maioria da aliança do PSC com a ERC e os Comuns. Um acordo que não será fácil, mas que marcaria o regresso a uma divisão esquerda/direita, em vez de independentistas/não-independentistas.

Este seria o melhor cenário para Sánchez, que chegou ao poder em Madrid a querer virar a página ao conflito catalão e veria a sua aposta no apaziguamento dar resultados - apesar de todas as críticas de ter primeiro apoiado um perdão aos líderes independentistas condenados pelo processo de 2017 e por ter negociado uma amnistia com os partidos catalães em troca do apoio à sua investidura. Mas as coisas podem correr mal para o primeiro-ministro, que se envolveu pessoalmente na campanha - depois de ter tirado uns dias para “refletir no futuro” pelos ataques contra a sua mulher.

O Junts tem vindo a subir nas sondagens e pode ainda surpreender. A partir do sul de França, de onde fez toda a campanha, Puigdemont deixou o desafio: “Senhores de Madrid, preparem-se que estamos a chegar.” O ex-presidente da Generalitat, exilado desde 2017 para não responder na Justiça espanhola pelo referendo independentista, prometeu regressar se vencer as eleições, mesmo arriscando ser detido e numa altura em que a amnistia ainda não está ativa. E ameaça retomar o processo independentista. Pelo contrário, se perder, prometeu retirar-se da política. E pode até equacionar tirar o apoio ao Governo de Sánchez em Madrid, complicando mais a situação para o primeiro-ministro.

Mesmo com a vitória do PSC, poderá dar-se o caso de haver de novo maioria independentista, desta vez liderada pelo Junts e com a necessidade de incluir a CUP. A incógnita é saber quantos deputados pode conquistar a Aliança Catalã, com quem nenhum partido parece disposto a aliar-se. A ERC surge como o partido que poderia decidir a favor de uma maioria ou de outra, sendo que as alianças com o Junts dos últimos anos acabaram por não aguentar devido às divisões dentro do independentismo.

Finalmente, não está totalmente de lado a hipótese de haver um bloqueio e que, exceto surgir alguma aliança surpresa ou contranatura, seja necessário voltar a ir a eleições.

PERFIS

Salvador Illa

LLUIS GENE / AFP

Partido dos Socialistas da Catalunha, 58 anos

Em 2021, e ao fim de um ano como ministro da Saúde do Governo de Pedro Sánchez, em que lidou com o início da pandemia, Salvador Illa apresentou-se como o candidato da conciliação, quer entre catalães, quer entre a Catalunha e Madrid. O socialista soube o que é ser o candidato da lista mais votada nas eleições da Catalunha, mas não o que é presidir à Generalitat. Isto porque a vantagem para a ERC de Pere Aragonès não chegou a dois pontos percentuais (e o mesmo número de deputados), e as formações independentistas acabaram por se entender. O mesmo poderá vir a acontecer agora, apesar de as sondagens preverem uma maior distância para o segundo partido. Mas Illa apresenta-se como um candidato diferenciado em relação aos restantes, ao tentar captar votos à esquerda e à direita e ao querer extirpar o processo independentista do debate público. Para o secretário-geral dos socialistas catalães, a prioridade é “melhorar a vida” dos cidadãos através de investimento público em áreas cruciais: habitação, Educação, Saúde, energia e infraestruturas. Illa diz que estes temas foram secundarizados pelos Governos independentistas dos últimos quatro presidentes. “É uma década perdida: não estamos preparados para enfrentar a seca, estamos no fundo do poço em matéria de Educação e produzimos 15% da nossa energia com renováveis, quando em Espanha a média é de 45%”, disse ao El País. Este licenciado em Filosofia sabe, contudo, que se quer chegar a president sem maioria absoluta, a relação de forças no Parlamento exigirá negociações e o fim dos atuais blocos. Uma tarefa que se afigura mais complexa do que ser o mais votado, mas Illa não quererá ficar para a história como o candidato que venceu duas eleições e que em ambas as ocasiões acabou derrotado.

Carles Puigdemont

Josep LAGO / AFP

Junts per Catalunya, 61 anos

Foi graças a um acordo de amnistia cozinhado entre o PSOE e os dois principais partidos catalães que Pedro Sánchez conseguiu obter o apoio parlamentar suficiente para iniciar nova legislatura, mas aquela proposta legislativa só irá ser votada nas próximas semanas, tendo deixado Carles Puigdemont na situação de candidato e prófugo em simultâneo. Argelès-sur-Mer é uma povoação francesa no Departamento dos Pirenéus Orientais e na Região da Occitânia. Partilha com a Catalunha, de que dista pouco mais de 30 quilómetros, elementos culturais e linguísticos, ao ponto de os nacionalistas catalães designarem a região como “Catalunha do Norte”. Foi para aquela localidade junto ao Mar Mediterrâneo que Puigdemont se mudou, tendo ali montado a sede da campanha do seu partido e recebido - bem como na vizinha Elne - os seus apoiantes em comícios. Candidato eleito uma mão-cheia de vezes ao Parlamento catalão, foi durante a sua presidência que se realizou, de forma unilateral, o plebiscito sobre a independência da região, bem como a consequente proclamação da República Catalã pelo Parlamento. Até ao final de março, o Junts estava colado, nas sondagens, aos independentistas de esquerda com que partilharam a governação, a ERC, mas desde então subiu nas intenções de voto. Até que ponto terá jogado a favor do partido o facto de não ser Puigdemont, mas o número três da lista, Josep Rull, a participar nos debates na TV e na rádio - o ex-jornalista e atual eurodeputado recusou tal papel - é uma dúvida sem resposta imediata. Num polo oposto ao de Illa, Puigdemont diz que é seu objetivo “completar o que foi iniciado em 2017”, ou seja, a via da independência. E acrescentou carga dramática à candidatura ao afirmar que se não vencer irá abandonar a política, rejeitando o cenário de chefe da oposição.

Pere Aragonès

EPA/Marta Perez
EPA |

Esquerda Republicana da Catalunha, 41 anos

O 132.º presidente da Generalitat foi o primeiro da Esquerda Republicana desde os Anos 30 do século passado e o mais novo desde o fim do franquismo. Curiosidades que não comovem os eleitores - segundo as sondagens, a ERC ficará em terceiro lugar, inviabilizando, com grande probabilidade, um novo mandato no cargo. No entanto, este militante do independentismo desde os 16 anos poderá ter a chave da solução política, ou aliando-se com os conservadores secessionistas do Junts per Catalunya, ou aliando-se com o PSC e com a aliança de esquerda Comuns Sumar. Considerado pragmático pela autora da sua única biografia, Magda Gregori, Pere Aragonès, formado em Direito, não quererá deixar escapar a oportunidade de ser parte da solução e não do problema. O resultado das urnas determinará se a aproximação se fará, como a cúpula do partido prefere, com o Junts de Puigdemont ou, como as bases quererão, com os socialistas. Sem querer fechar portas nem janelas com ninguém, nos últimos dias de campanha o cenário de um acordo pós-eleitoral com os socialistas foi praticamente posto de lado. “Um pacto com o PSC, especialmente com o PSC de hoje, que é o PSC menos catalanista da história recente, provavelmente o PSC menos catalanista desde a sua fundação, é praticamente impossível”, disse Aragonès em entrevista à publicação VilaWeb, e no mesmo sentido foi a sua número dois, Laura Vilagrà, noutra entrevista. Para lograr um acordo de governação, a ERC de Aragonès exige um acordo para preparar um referendo de autodeterminação aceite por Madrid, fortalecer a segurança social e o ensino, e a divulgação da língua catalã, e ainda obter um financiamento próprio para a região.

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