Everton Natan é a estrela brasileira em ascensão dos rodeos.
Everton Natan é a estrela brasileira em ascensão dos rodeos.Foto: André Monteiro

Carnaval, samba, futebol? Sim, mas o Brasil também é o país dos rodeos

O setor movimenta cerca de 1,6 mil milhões de euros por ano em provas como a Festa de Peão de Barretos, que tem prémios elevados para os competidores, touros com estatuto de vedeta e cantores sertanejos pagos a peso de ouro.
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“Do carnaval e do samba não gosto nada, nunca gostei, futebol ainda jogo um pouquinho, mas a minha vida sempre foi boi, cavalo, gado, fazenda”, diz o cowboy, ou peão, brasileiro Everton Natan, em conversa telefónica com o DN a partir de Decatur, Texas, onde mora.

Natan é a estrela brasileira em ascensão dos rodeos – rodeios, em português do Brasil –, uma indústria que fatura 10 mil milhões de reais (cerca de 1,6 mil milhões de euros) ao ano num país que a maioria dos portugueses em particular e dos estrangeiros em geral associam ao carnaval, de que o cowboy brasileiro não gosta “nada”, ou ao futebol, que ele aprecia “um pouquinho”.

“No Brasil há cerca de 1200 rodeos todos os anos, sobretudo no estado de São Paulo, mas também em Minas Gerais, no Paraná, em Goiás, no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul”, acrescenta ao DN o presidente da Confederação Nacional de Rodeio.

Jerônimo Muzetti, que também lidera a entidade organizadora da Festa do Peão de Barretos, cidade a cerca de 400 km de São Paulo, diz que esse evento “está para os rodeios como o desfile da Marquês do Sapucaí, no Rio de Janeiro, está para o carnaval”. “É a ‘meca’ dos rodeos, é o maior festival da América Latina e este ano completa 70 anos, ultrapassando as fronteiras da cidade, da região e até do Brasil, porque recebe turistas do país todo e de fora”

“E, tal como no carnaval do Rio, aqui termina o evento e no dia seguinte já se está a pensar no próximo, qualquer novidade no mundo dos rodeos é apresentada nos 11 dias de Barretos, um recinto com dois milhões de metros quadrados, servido por dois helipontos, por corpo médico, por corpo de bombeiros, por polícia, por atividades para crianças, por um hotel no interior do espaço com 250 apartamentos e por uma rede de 5000 funcionários”.

Everton Natan conseguiu uma vaga no The American, rodeo com prémio de um milhão de dólares de onde sai o futuro campeão mundial, e uma posição no Arizona Ridge Riders, razão pela qual trocou Viradouro, a cidade paulista onde cresceu, pela texana Decatur, por vencer em Barretos a Liga Nacional de Rodeio e o Barretos International Rodeo. Para quem está mais familiarizado com o futebol, é como se trocasse a liga local por um gigante europeu: “Nas equipas há muitos americanos, claro, mas também brasileiros, canadianos, mexicanos, australianos”, diz Natan. 

Entretanto, a organização da Festa do Peão de Barretos tem custos – e lucros – astronómicos, conta Muzetti. “Os custos superam os 200 milhões de reais [à volta de 32 milhões de euros] mas os 11 dias de evento movimentam mil milhões de reais [cerca de 160 milhões de euros] e geram impacto económico direto ou indireto em cidades num raio de 200 kms porque atraem cerca de um milhão de pessoas que têm de se alojar, de se alimentar, de se divertir”.

 “Para os custos, contribuem sobretudo os artistas, os cachês antes da pandemia andavam na ordem dos 200 mil reais [mais de 32 mil euros], agora superam os 500 mil [em redor de 80 mil euros] porque a procura por sertanejos é muito alta e nos 11 dias realizam-se mais de 100 concertos...”. Nos palcos da Festa do Peão de Barretos cantam as maiores vedetas do country brasileiro, incluindo Gusttavo Lima, popular no Brasil ao ponto de anunciar por estes dias pré-candidatura à presidência da República em 2026.

“Para os peões, ou competidores, que são por volta de 1000, somadas todas as modalidades no rodeio, os prémios são em torno de um milhão de reais [na ordem dos 160 mil euros], embora haja estrelas como Everton Natan, que ganhou a última edição, e outros meninos muito bons, eles custam bem menos do que os artistas...”

Porém, arriscam-se bem mais. “Eu já fraturei o rosto, tenho uma placa de titânio, quebrei a clavícula, umas costelas, sofri luxações”, começa a lembrar-se Natan – e a lista de lesões continuaria mais uns minutos não fosse a reportagem do DN pedir para parar. “Essa é a razão pela qual os peões, como os jogadores de futebol, duram até aos 35 ou, no máximo, 40, se tiverem sorte...”.

“Medo? Dá sempre mas a vontade de competir é tão grande que controlamos, é quase como quem anda de bicicleta, depois há a fé em Deus, né? Isso ajudou-me muito, sempre acreditei muito, mas com a ajuda Dele e da minha esposa fica tudo mais fácil”, prossegue o cowboy ou bullrider, como é chamado nos EUA, ou peão ou competidor, como o definem no Brasil.

“Como sempre morei em fazenda e o meu pai e o meu tio também foram peões, a partir de muito moleque comecei a desenvolver o gosto pelos cavalos, pelos bois, com 12 anos comecei a treinar e com 16 tornei-me profissional, tenho 25 anos, são já nove de profissão, e estou desde o final de 2024 aqui no Texas”, diz Natan.

“Antes eu tinha outros trabalhos além de competir mas agora dá para viver só disto, não, não se ganha tanto como o Messi ou o Cristiano Ronaldo, mas dá para viver bem, principalmente agora em que tive a sorte de ganhar a Liga Nacional de Rodeio e o Barretos International Rodeo...”

Não é justo, entretanto, falar apenas do lado humano do rodeo: os touros são parte essencial da festa e tratados como tal. “Os melhores chegam a valer um milhão de reais [cerca de 160 mil euros], como o Reza a Lenda, que vai voltar este ano a Barretos, ou o Boi Bandido, que foi até estrela de telenovela da Globo [América, 2005], e na prova temos um total de uns 300 animais”, afirma Muzetti.

“Há touros mais assustadores para nós peões”, admite Natan, “mas não dá para escolher nenhum até porque isto é uma competição, é um jogo, os touros calham-nos por sorteio”.

“Os touros de rodeo duram em torno de 15 anos e chegam a pesar mais de 900 kgs, mas nisso, as questões da genética, os EUA estão mais avançados do que nós”, acrescenta o presidente da confederação.

Como nas corridas de touros e touradas portuguesas e espanholas, os rodeos brasileiros também têm críticos. “Mas a lei ampara os rodeos, eles são vistos como atividade cultural e os animais têm apoio de uma equipa de veterinários, o transporte é feito com extremo cuidado, tudo é pensado para evitar maus tratos”, garante Muzetti.

A próxima Festa do Peão de Barretos, organizada por Jerônimo Muzetti, realiza-se de 21 a 31 de agosto. No Arizona Ridge Riders, a equipa de Everon Natan, a temporada de 2025 está a começar. 

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