Tiroteio e mortos no aeroporto de Cabul. Soldados detidos no Uzbequistão

Multidões concentram-se no aeroporto da capital do Afeganistão em desespero na tentativa de abandonar o país após a tomada de poder por parte dos talibãs. Pelo menos sete pessoas terão morrido. Pentágono confirma que militares norte-americanos mataram dois homens armados no aeroporto
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Centenas de soldados afegãos em fuga dos talibãs, em aviões e helicópteros, foram obrigados a aterrar no Uzbequistão, revelou esta segunda-feira o procurador-geral daquele país.

"Todas as aeronaves foram obrigadas a pousar no aeroporto internacional de Termez", revelou o gabinete do procurador-geral do Uzbequistão em comunicado, segundo noticiaram meios de comunicação da Rússia.

A mesma fonte, citada pela agência EFE, acrescentou que no sábado e domingo 22 aviões e 24 helicópteros violaram o espaço aéreo daquele país.

Segundo a agência AFP, iam a bordo das aeronaves 585 soldados.

Três outros aviões caça Embraer 314 solicitaram autorização para aterrar em Jonabab, mas foram escoltados até Termez por dois caças uzbeques MiG-29.

Além disso, 158 soldados afegãos fugiram do seu país através da fronteira pelo rio Amu Daria.

Todos os soldados foram detidos e as autoridades do Uzbequistão estão em diálogo com o Governo do Afeganistão para decidir o seu futuro.

Com o caos instalado em Cabul, capital afegã já nas mãos dos talibãs, o presidente norte-americano Joe Biden vai interromper as férias para fazer esta segunda-feira um discurso à nação sobre a dramática retirada dos EUA do Afeganistão, anunciou a Casa Branca.

Biden, atualmente na residência presidencial de Camp David, retornará a Washington e "fará comentários sobre o Afeganistão" na Sala Leste da Casa Branca, diz um comunicado. A conferência foi marcada para as 15h45 locais (20.45 em Portugal).

A reação de Biden permitirá uma primeira resposta oficial do presidente norte-americano às críticas, internas e internacionais, que são apontadas à retirada das tropas norte-americanas.

Entretanto, todos os voos militares e civis foram suspensos no aeroporto de Cabul devido a multidões de afegãos que invadiram a pista a tentar deixar o país, disse o porta-voz do Pentágono nesta segunda-feira (16). "As forças militares dos EUA estão no local a trabalhar em conjunto com as tropas turcas e outras internacionais para dispersar as pessoas. Não sabemos quanto tempo isso levará", explicou John Kirby.

Isto num dia em que se instalou o caos no aeroporto de Cabul, após a entrada das forças talibãs na capital afegã, no domingo. Milhares pretendem abandonar o país, dirigindo-se para o aeroporto, onde tentam forçar a entrada nos aviões. Pelo menos sete pessoas morreram, segundo dados avançados pela Associated Press (AP), com o Pentágono a confirmar que soldados norte-americanos mataram dois homens armados no aeroporto

"Entre as milhares de pessoas que estavam ali pacificamente, dois homens com armas começaram a acená-las de forma ameaçadora. Ambos foram mortos", disse o oficial, sob anonimato e citado pela AFP.

Milhares de soldados americanos assumiram o controlo da segurança no principal aeroporto internacional do Afeganistão. Enquanto isso, cidadãos afegãos aglomeraram-se no aeroporto e invadiram a pista em busca de voos comerciais para fugirem do país.

Vídeos mostraram centenas de tentativas de impedir a decolagem de um transporte militar dos EUA, e houve relatos de que alguns foram mortos, sendo esmagados ou caindo após a decolagem, com militares norte-americanos a dispararem tiros para o ar para dispersar as multidões que tentam, em desespero, fugir do país.

"A multidão estava fora de controlo", disse um oficial norte-americano à Reuters. Os disparos foram feitos "apenas para acalmar o caos", justificou.

Nas redes sociais circulam vídeos que mostram milhares de pessoa nos aeroporto de Cabul, com algumas a tentar desesperadamente subir aos aviões que partem.

Militares norte-americanos, que falaram sob condição de não serem identificados por não estarem autorizados a discutir a operação em curso, disseram à Associated Press (AP) que o caos provocou sete mortos, incluindo vários que caíram de um avião que tinha descolado.

"Temos medo de viver nesta cidade", disse à AFP um antigo soldado, de 25 anos, enquanto estava numa das pistas do aeroporto internacional Hamid Karzai, em Cabul, que está encerrado a ligações comerciais.

Aliás, várias companhias de aviação suspenderam voos no espaço aéreo afegão, entre as quais a Air France, a Lufthansa e a Virgin Atlantic.

Uma testemunha disse à EFE ter visto "três civis e um combatente talibã serem mortos num tiroteio entre as forças talibãs e norte-americanas".

Segundo o relato de Mirwais Yusufi, o tiroteio foi desencadeado depois de um talibã ter ordenado a vários civis afegãos que abandonassem o aeroporto.

Quando recusaram obedecer à ordem, o talibã disparou contra eles, desencadeando uma resposta das forças norte-americanas, que abriram fogo sobre o rebelde, matando-o no local.

"Depois do tiroteio todos começaram a correr e depois vimos três civis serem mortos, não sei se foram mortos pelos soldados americanos ou pelos talibãs", acrescentou a testemunha citada pela EFE.

A entrada das forças talibãs na capital afegã, depois de o presidente Ashraf Ghani ter abandonado o Afeganistão pôs fim a uma campanha militar de duas décadas em que os Estados Unidos e aliados, incluindo Portugal, tentaram transformar o país, sem êxito.

As forças de segurança afegãs, treinadas pelos militares estrangeiros, colapsaram antes da entrada dos talibãs na cidade de Cabul.

Os EUA enviaram cerca de seis mil soldados para o aeroporto internacional de modo a garantir a retirada em segurança do pessoal da embaixada norte-americana, bem como os afegãos que trabalharam como intérpretes ou em outras funções de apoio.

Massouma Tajik, 22 anos, programadora informática descreve "cenas de pânico" no aeroporto onde se encontra, entre centenas de pessoas que tentaram embarcar num avião para o exterior.

A programadora informática, citada pela Associated Press, disse que após seis horas no aeroporto ouviu disparos quando "uma multidão de homens e mulheres" tentavam entrar num avião.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou à comunidade internacional para se unir para "remover a ameaça terrorista" no Afeganistão, após o regresso ao poder dos talibãs no país.

"A comunidade internacional deve unir-se para se assegurar de que o Afeganistão nunca mais será utilizado como uma plataforma ou um refúgio para organizações terroristas", declarou Guterres, numa reunião de emergência do Conselho de Segurança.

António Guterres exortou também "os talibãs e todas as partes a respeitarem e a protegerem o direito humanitário internacional e os direitos e liberdades de todas as pessoas", declarando-se "particularmente preocupado com relatos de cada vez mais violações dos direitos humanos das mulheres e das meninas afegãs".

Os cidadãos afegãos e estrangeiros que pretendam sair do Afeganistão "devem estar devidamente autorizados" refere um comunicado conjunto dos EUA e de outros 65 países, advertindo os talibãs que devem demonstrar "responsabilidade" sobre a questão da retirada.

Anteriormente, a União Europeia sublinhava que a entrada dos talibãs em Cabul torna "mais urgente a proteção" contra possíveis represálias sobre civis afegãos contratados por estrangeiros e que devem ser colocados em segurança.

O Departamento de Estado norte-americano organizou "medidas de segurança" no aeroporto de Cabul e reagrupou o pessoal da embaixada para a operação de retirada da cidade controlada pelos talibãs.

No aeroporto internacional, os militares norte-americanos dispararam granadas de gás lacrimogéneo e fizeram disparos na tentativa de afastar os civis do avião.

A embaixada dos Estados Unidos foi evacuada e a bandeira arreada tendo os diplomatas norte-americanos sido conduzidos para o aeroporto.

Outros países ocidentais também encerraram as respetivas missões diplomáticas e estão retirar os funcionários e os trabalhadores contratados localmente.

A Alemanha e a França vão enviar para o Afeganistão voos militares para retirarem os respetivos cidadãos nacionais, sobretudo funcionários diplomáticos.

A primeira ligação aérea para retirada de cidadãos franceses organizada pelo executivo de Paris deve ocorrer até ao fim desta segunda-feira, disse a ministra das Forças Armadas, Florence Parly.

A rotação de voos vai efetuar-se entre uma base francesa nos Emirados Árabes Unidos e a capital do Afeganistão dominada pelas forças talibãs desde domingo.

De acordo com a ministra vão ser repatriados "algumas dezenas de franceses" assim como vão ser retirados do Afeganistão "pessoas que se encontram" sob a proteção de Paris.

A Alemanha enviou para Cabul o primeiro aparelho de transporte (A400M) da Força Aérea para retirar do Afeganistão pessoal da embaixada de Berlim, cidadãos alemães e trabalhadores afegãos contratados localmente.

No domingo, partiu da capital afegã um aparelho norte-americanos, com 40 cidadãos alemães a bordo e que já se encontra no Qatar, de acordo com a televisão ARD.

Vários elementos da embaixada da Alemanha ainda se encontram no terminal militar do aeroporto de Cabul, protegidos por soldados dos Estados Unidos, disse no domingo o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Heiko Maas.

A primeira fase é estabelecer uma "ponte aérea" entre o Afeganistão e o Uzbequistão sendo que as pessoas que vão ser retiradas pelas autoridades alemãs devem seguir mais tarde para a Alemanha.

E "na sequência dos últimos desenvolvimentos no Afeganistão", o Alto Representante da União Europeia (UE) para a Política Externa convocou uma reunião extraordinária de ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27 para terça-feira para discutir a situação no país, onde as forças talibãs recuperaram o poder.

"Na sequência dos últimos desenvolvimentos no Afeganistão, e após intensos contactos com parceiros nos últimos dias e horas, decidi convocar para amanhã [terça-feira] à tarde uma videoconferência extraordinária dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, para uma primeira avaliação", anunciou Josep Borrell, numa publicação na sua conta oficial na rede social Twitter.

O chefe da diplomacia da UE acrescenta, numa segunda publicação, que "o Afeganistão se encontra numa encruzilhada", observando que "a segurança e o bem-estar dos seus cidadãos, bem como a segurança internacional, estão em jogo".

Também o Conselho de Segurança das Nações Unidas vai reunir-se esta segunda-feira para discutir a situação no Afeganistão.

Além dos EUA, vários outros países, incluindo Alemanha, França, Países Baixos e Espanha, também transferiram o seu pessoal diplomático para o aeroporto.

O ministro dos Negócios Estrangeiros poirtuguês considerou esta segunda-feira (16) inaceitável que o Afeganistão volte a ser um santuário de grupos terroristas, mas considera que agora é preciso usar a diplomacia para exigir aos talibãs que cumpram regras nacionais e internacionais.

"O Afeganistão não pode tornar-se, de novo, um santuário de movimentos terroristas. Isso deve ser claro para todos, claro para a comunidade internacional, para a NATO, para a União Europeia e esperamos que seja também claro que as novas autoridades afegãs quando elas estiverem constituídas", afirmou Augusto Santos Silva em declarações à agência Lusa.

O ministro lembrou que os talibãs garantiram que o seu regresso ao poder não significa "risco de vida e segurança para as pessoas ou para a situação das mulheres e, em particular, do seu direito à educação" e que, de acordo com o movimento radical islâmico, não haverá um retorno da violência ao Afeganistão.

A Rússia, entretanto, fez saber, que o seu embaixador no Afeganistão vai encontrar-se esta terça-feira com os representantes dos talibãs em Cabul e que irá decidir se reconhece ou não as autoridades que estão agora no poder no Afeganistão.

"O nosso embaixador está em contacto com a liderança dos talibãs e amanhã vai encontrar-se com o coordenador de segurança", disse, esta segunda-feira, Zamir Kabulov, funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em entrevista à estação de rádio Ekho Moscovo. Este responsável afirmou que as conversações entre o embaixador de Moscovo, Dmitry Zhirnov, e os talibãs vão concentrar-se na segurança da embaixada russa na capital afegã.

Os talibãs "já estão a assegurar o perímetro exterior da embaixada russa. Amanhã, irão discutir os detalhes a longo prazo", disse Kabulov, citado pela agência AFP.

A Rússia já tinha indicado, no domingo, que não estava a considerar uma evacuação da sua embaixada em Cabul, assegurando que tinha recebido garantias dos talibãs relativamente à segurança da sua missão diplomática.

"A situação em Cabul é calma, por mais surpreendente que seja", diisse ainda Kabulov.

Pequim "respeita o direito do povo afegão a decidir o próprio destino" disse a porta voz da diplomacia chinesa, Hua Chunying, em conferência de imprensa.

Na cidade de Cabul, a maior parte dos habitantes mantêm-se dentro de casa mas há relatos sobre pilhagens levadas a cabo por homens armados.

As forças talibãs libertaram milhares de prisioneiros que se encontravam em várias prisões do país durante a ofensiva que decorreu durante as últimas semanas.

Combatentes talibãs foram destacados para as maiores artérias da cidade e para junto dos cruzamentos no centro da cidade, de acordo com os vídeos que foram divulgados nas últimas horas.

"Há combatentes talibãs em cada rua e nos cruzamentos da cidade", disse à Associated Press, Shah Molhmmad, um jardineiro de 55 anos, referindo que há menos trânsito de veículos automóveis e motociclos nas ruas da capital.

Suhail Shaheen, um porta-voz talibã disse através do Twitter que "os combatentes têm ordens para não entrarem nas casas dos civis e para protegerem a vida, a propriedade e a honra".

O mesmo porta-voz disse também que as forças se vão manter fora do bairro onde estão situadas as embaixadas, onde se encontra o complexo norte-americano para "evitarem a confusão e problemas".

No mesmo bairro encontram-se as residências dos "senhores da guerra" afegãos que se refugiaram em Cabul nas últimas semanas em fuga da ofensiva talibã.

O Afeganistão foi controlado pelos talibãs entre 1996 e 2001 impondo a "Lei Islâmica": as mulheres foram obrigadas a confinamento em casa e as pessoas acusadas de crimes foram amputadas ou executadas na praça pública.

Os talibãs protegeram Osama bin Laden, líder da Al Qaeda, nos anos que se seguiram ao ataque a Nova Iorque, em 2001.

Calcula-se que atualmente vivem na cidade de Cabul cinco milhões de pessoas.

Com Lusa e AFP

atualizado às 16.30

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