Brasil já não pergunta "quem ganha" as eleições mas sim "quando ganha"
Nas sondagens da última semana para as eleições do Brasil de outubro de 2022, Lula da Silva (PT) aparece no limiar dos 50%, com perto de 30 pontos de avanço sobre Jair Bolsonaro (PL), o seu mais próximo concorrente, e acumulando mais intenções de voto do que todos os rivais juntos. Nesse cenário, a pergunta da imprensa, dos politólogos e da população em geral está a deixar de ser "quem ganha" a corrida presidencial e sim "quando ganha" - logo à primeira ou apenas à segunda volta?
Na pesquisa de opinião do instituto Ipec, encomendada por veículos de comunicação do Grupo Globo, Lula surge com 48% num primeiro cenário, no qual são colocados os nomes dos 12 pré-candidatos assumidos. Em segundo lugar, com 21%, ou seja, a 27 pontos de distância, surge Bolsonaro, atual presidente. O ex-ministro Sergio Moro (Podemos) soma 6% e o pela quarta vez candidato Ciro Gomes (PDT) 5%. João Doria (PSDB), governador de São Paulo, e o surpreendente deputado federal André Janones (Avante) chegam a 2%. A senadora Simone Tebet (MDB) e o Cabo Daciolo (PMN), que entretanto desistiu e aconselhou voto em Ciro, obtêm 1%. Os demais não pontuam.
Num segundo cenário, apenas com cinco nomes, Lula chega aos 49%, Bolsonaro aos 22%, Moro aos 8%, Ciro mantém os 5% e Doria passa a 3%. No levantamento feito de 9 a 13 de dezembro com 2002 brasileiros de 144 municípios e margem de erro de dois pontos, chama a atenção a rejeição ao atual presidente: 55%, mais 16 pontos do que em fevereiro. E apenas 19% dos eleitores aprovam o seu governo, uma queda de nove pontos face àquele mês. Lula domina sobretudo entre os mais pobres e empata com Bolsonaro até no eleitorado que parecia mais fiel ao presidente, os evangélicos.
Por sua vez, uma pesquisa presencial do instituto Datafolha, de 13 a 16 de dezembro, com 3666 pessoas, revelou que Lula soma 48%, Bolsonaro 22%, Moro, 9%, Ciro 7% e Doria, 4%.
"Há fortes condições de retorno ao poder cinco anos após o golpe mas é muito cedo para salto alto porque quanto mais crescemos, mais crescem os ataques, as calúnias, as fake", reagiu Elvino Bohn Gass, líder parlamentar do PT, ao DN.
"No entanto", prossegue o parlamentar, "a vantagem consolida-se porque Lula é um líder de dimensão internacional, porque o povo tem esperança no regresso do seu projeto democrático popular e porque Bolsonaro é um desastre".
Para a colunista do portal UOL Olga Curado, "a conversa no séquito do ex-capitão já não é sobre chegar à segunda volta; é sobre não ter a eleição resolvida na primeira". "A soma de todas as vias, segundo a pesquisa, não dá um Lula e o efeito das sondagens não vai tardar. O desembarque do "centrão" está próximo", completa.
A jornalista refere-se ao grupo de partidos que domina o Congresso e tem por característica juntar-se a quem está no poder ou, em época de campanha, a quem lidera sondagens.
"Bolsonaro tenderá a ser "cristianizado"", diz ao DN o cientista político Vinícius Vieira. "A expressão da gíria política brasileira refere-se a Cristiano Machado, candidato centrista em 1950 que foi abandonado pelos caciques a favor de Getúlio Vargas, ou seja, os caciques de hoje, a que costumamos chamar de "centrão", grupo que não tem o menor pudor em apoiar candidatos à direita e depois à esquerda e vice-versa, tenderão a abandonar Bolsonaro e apoiar Lula", defende o professor da Fundação Armando Álvares Penteado.
No título do seu artigo de opinião em O Globo, Bernardo Mello Franco diz que "Lula é favorito na eleição na fome", sublinhando o flagelo que estará, depois da gestão catastrófica da pandemia e da economia do governo de Bolsonaro, no centro do debate, sucedendo à "corrupção", tema em foco há quatro anos.
"Os argumentos falaciosos juntados pelo ex-capitão, às expensas de Moro, para rejeitar o antigo presidente, são frágeis diante das experiências atuais do quotidiano do pobre povo brasileiro", acrescenta Olga Curado.
Para Vinícius Vieira, "os mais pobres, por norma na região Nordeste ou nas periferias das grandes cidades, depois de sofrerem muito na pandemia, não encontram razões para votar em Bolsonaro ou em Moro, que nunca disse nada sobre pobreza, a não ser que a corrupção impacta na economia".
"Já nas eleições de 2018, o antipetismo não se fez sentir entre as classes socioeconómicas mais baixas da população, nas quais o então candidato do partido, Fernando Haddad, foi o mais votado segundo os números da época, logo, em 2022, com Lula, que foi, gostemos dele ou não, quem olhou para elas com mais cuidado, é natural esta vantagem", conclui o académico.
O iminente anúncio de uma lista com Lula, como candidato a presidente, e Geraldo Alckmin, candidato presidencial derrotado em 2006, de saída do social-democrata PSDB e a caminho do socialista PSB, como seu vice-presidente, pode, entretanto, revelar-se "imbatível", diz Vieira. "Porque atrai em paralelo os pobres e os empresários, ao sinalizar um Lula moderado e a mover-se para o centro".
"É cedo para falar de vice, o momento é de tentar criar uma federação partidária à esquerda", adverte o deputado Bohn Gass. "Mas admito que Alckmin é um nome forte, um nome que traz uma ampliação à candidatura do Lula numa eleição que será muito agressiva".
Com efeito, a 10 meses da votação, observadores preveem uma das campanhas mais agressivas da história. Ciro Gomes, por exemplo, foi alvo na quarta-feira, dia 15, de uma operação da polícia federal, instituição que Moro acusa Bolsonaro de querer aparelhar, por supostos favorecimentos nas obras do Estádio Castelão, em Fortaleza, antes do Mundial-2014 no país. "Parte da polícia federal claramente se entregou a Bolsonaro e está a prestar-se a qualquer tipo de serviço sujo", reagiu Ciro.
Horas depois, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que, nos bastidores, membros do seu partido, o PDT, o pressionaram a abandonar a corrida em favor de Lula, que condenou a operação policial contra o rival.