Brasil. Eleições no Congresso reeditam o duelo presidencial

Lula, "a jogar para o empate", apoia recondução de Rodrigo Pacheco no Senado. Bolsonaristas querem reduto de oposição na casa, via eleição de Rogério Marinho. Na Câmara dos Deputados, Arthur Lira, generoso na atribuição de benesses aos pares, é apoiado por quase todos.
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O terramoto eleitoral entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro, que terminou com a vitória tangencial do primeiro nas presidenciais de 30 de outubro, terá hoje uma réplica com a eleição para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal, as duas casas do legislativo brasileiro. Na primeira, os 513 deputados federais devem reconduzir Arthur Lira, apoiado pelo governo e pela oposição, por mais dois anos, mas no segundo os 81 senadores vão optar entre a reeleição do favorito Rodrigo Pacheco, apoiado por Lula, e Rogério Marinho, candidato do bolsonarismo.

É, pois, para o Senado que os holofotes apontam. Pacheco, 46 anos, membro do PSD, partido que se define como "de direita, de centro e de esquerda", foi eleito em 2021 - as eleições para a presidência das casas realizam-se de dois em dois anos - tanto com o apoio do PL, de Bolsonaro, como do PT, de Lula, a quem cedeu espaço na Mesa do Senado - com Romário, do PL, na segunda vice-presidência, e Rogério Carvalho, do PT, na terceira secretaria.

Desta vez, no entanto, Pacheco prepara-se para ser generoso com o PT, de quem se aproximou após a eleição e sobretudo depois dos ataques às sedes dos três poderes a 8 de janeiro, e isolar o PL. Dessa forma, o partido de Bolsonaro lançou Marinho, 56 anos, ministro do Desenvolvimento Regional de 2020 a 2022.

Segundo as contas da imprensa e da maioria dos parlamentares, o bloco de Pacheco soma 39 dos 41 votos necessários para a reeleição. E Marinho, 23. Há 19 parlamentares - os 10 do União Brasil e os cinco do Podemos, partidos de direita, e os quatro do PSDB, de centro-direita - indefinidos.

A apenas dois senadores da maioria, os aliados de Pacheco estimam uma vitória com 50 a 60 votos totais. Na contabilidade do campo de Marinho, entretanto, cada candidatura tem 35 votos garantidos e 11 deputados seguem indecisos. Eduardo Girão (Podemos), um terceiro concorrente, sem hipóteses, apoia Marinho em caso de segunda volta.

Para contrariar o favoritismo do candidato governista, a oposição acredita no histórico de traições de última hora em eleições por voto secreto. "Votação secreta dá uma vontade danada de trair...", dizia Tancredo Neves, o presidente eleito em 1985 mas falecido antes da posse, cuja frase célebre paira sempre nos céus de Brasília em dias como o de hoje.

"Marinho é a melhor opção para tentarmos um reequilíbrio entre os três poderes", opinou Jair Bolsonaro, em videochamada dos EUA durante encontro na segunda-feira, dia 30, dos parlamentares eleitos do PL.

A extrema-direita, que tem no Senado um abrigo ruidoso, composto por Flávio Bolsonaro, primogénito do ex-presidente, por Hamilton Mourão, ex-vice-presidente, por Damares Alves, ex-titular da pasta da Família, Mulher e Direitos Humanos, e mais três ex-ministros de Bolsonaro, visa nesta eleição, além de garantir um núcleo de oposição no poder legislativo, influência no poder judicial, uma vez que futuros juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) têm de passar pela aprovação da câmara alta do Congresso. Mais: o presidente do Senado pode colocar em votação o impeachment de cada um desses 11 juízes do STF, entre os quais Alexandre de Moraes, principal alvo da ira bolsonarista na qualidade de presidente do Tribunal Superior Eleitoral durante a campanha.

Do outro lado, Fabiano Contarato, líder parlamentar do PT no Senado, elogia o "comportamento irrefutável do atual presidente da casa na defesa da ordem democrática" desde as eleições e dos ataques de 8 de janeiro. Sem candidato no campo da esquerda, o PT "joga para o empate" ao apoiar o moderado Pacheco.

A presidência do Senado tem como atrativos, além da citada influência no poder judicial, o agendamento (ou o arquivamento) da votação de projetos caros ao governo e a última palavra na aprovação do orçamento. Além disso, o presidente é a terceira figura na linha sucessória, depois do vice-presidente do executivo, Geraldo Alckmin, e do presidente da Câmara dos Deputados.

Na Câmara dos Deputados prevê-se duelo menos disputado, com toda a gente, oposição incluída, a jogar para o tal empate. Arthur Lira, do PP, foi aliado de Bolsonaro mas reconheceu a vitória de Lula logo após o fecho das urnas, ajudou a aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional que deu espaço ao orçamento do novo governo e condenou com veemência o 8 de janeiro.

Lula e a oposição avaliaram que correriam riscos demasiado elevados se o confrontassem, até porque Lira está cada vez mais popular entre os pares, depois de ampliar, nas últimas semanas, o auxílio moradia, o reembolso de combustível e o número de voos disponíveis aos deputados, para repúdio geral dos editoriais dos principais jornais brasileiros.

Contra a reeleição de Lira, que ocupa o papel de líder do "centrão", o bloco de quase duas centenas de deputados que vota ao lado de todos os governos mediante cargos no executivo, concorre apenas Chico Alencar, do PSOL, partido equiparável ao Bloco de Esquerda. "Seria muito mau, inclusivamente para o próprio Governo Lula, que o Lira tivesse 400 ou 500 votos, pois ele viraria uma espécie de copresidente, imagine-se a capacidade de chantagem do "centrão" nesse cenário...", justificou Alencar.

Lira, porém, parece fadado mesmo a esse papel de "copresidente", pelo menos até 1 de fevereiro de 2025, quando terminará o seu segundo mandato.

O dia parlamentar brasileiro, entretanto, inicia-se com a posse, sob dispositivo de segurança reforçado, tendo em conta os ataques de dia 8, dos 513 deputados e dos 27 (um terço) senadores eleitos em outubro, porque, como os mandatos no Senado são de oito anos, os demais 54 (dois terços) já estavam na casa. As votações estão marcadas para o início da noite em Lisboa. Além das presidências, está ainda em jogo o comando de cerca de 40 comissões temáticas permanentes, disputadas ombro a ombro pelos partidos.

A Câmara dos Deputados já foi presidida por figuras como Ulysses Guimarães, considerado um dos pais da democracia do Brasil, Aécio Neves, candidato derrotado às eleições de 2014, e, em três ocasiões, por Michel Temer, presidente de 2016 a 2018 após impeachment de Dilma Rousseff. O mais poderoso de todos os presidentes, entretanto, foi Eduardo Cunha que em 2016 conduziu esse impeachment mas acabou preso por corrupção anos depois. O Senado foi presidido, por exemplo, por José Sarney, primeiro presidente do pós-redemocratização, por três vezes.

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