Nas manifestações a favor de Jair Bolsonaro, ninguém é mais ameaçado e ofendido, nem mesmo Lula da Silva, do que Alexandre de Moraes, o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) que, de acordo com os manifestantes, persegue o ex-presidente e o bolsonarismo. Nos últimos anos, o Partido dos Trabalhadores (PT), do atual chefe de estado, atacou, mais ainda do que Bolsonaro, o ex-juiz, ex-ministro e hoje senador Sergio Moro. “Só vou estar bem quando eu f… o Moro”, disse o próprio Lula. “Sai Moraes, deixa de ser canalha”, exigiu Bolsonaro, que, alegadamente, aprovou um plano para executar o magistrado.O “ditador de toga” ou “cabeça de ovo”, como é chamado pelos bolsonaristas (a esquerda, por sua vez, trata-o pelo aumentativo carinhoso “Xandão”), determinou no dia 4 a prisão domiciliar de Bolsonaro com proibição de visitas e recolha de telemóveis porque o réu, em processo de suposto golpe de estado, infringiu, segundo o magistrado, as medidas cautelares anteriores a que estava obrigado. Uma medida excessiva? Justa? E Moro, que determinou a 7 de abril de 2018 a prisão de Lula, líder das sondagens para as eleições daquele ano que acabariam por eleger Bolsonaro, de quem o juiz se tornaria ministro da Justiça, por corrupção passiva pela alegada ocultação da propriedade de um apartamento? Foi excessivo? Justo? Há comparação entre Moro e Moraes?Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing, responde ao DN que “sim, pode haver”. “Moraes e Moro, cada qual no seu contexto, simbolizam respostas a desafios da justiça do Brasil: Moraes encarna a defesa da ordem democrática perante ameaças imediatas mesmo que, para isso, ele tenha expandido fronteiras de atuação judicial, o que, portanto, pode ser tecnicamente questionado, e Moro simbolizou a luta contra a corrupção sistémica, alcançando feitos inéditos mas ultrapassando os limites da imparcialidade e da técnica processual”. “Ambos acabam colhendo louros, um por salvar a democracia, outro por purgar a corrupção, mas são criticados pelos meios empregados”, completa.Victor Neiva, advogado em Brasília da Mendonça e Neiva Advocacia com graduação em Direito Ambiental mas ação reconhecida na área dos Direitos Humanos, diz ao DN que “não há paralelo”. “Moro foi um caso claro de lawfare [uso do sistema legal como arma de combate político], com articulação entre juiz, ministério público e imprensa”, afirma. “Sobre Moraes, pode-se questionar a abertura de um inquérito judicial por um juiz mas essa decisão nem foi dele, foi de Dias Toffoli, então presidente do STF, o inquérito foi-lhe distribuído e ele teve de o assumir, se houve uma decisão heterodoxa nesse processo todo foi de Toffoli”. “E essa iniciativa, polémica e incomum mas não proibida, foi validada pelo plenário por 10 votos a um”, acrescenta Crespo.Para o especialista, “Moraes teve medidas inéditas, como o bloqueio de perfis de redes sociais, e abriu debates sobre liberdade de expressão digital e sobre excesso de concentração de poderes, ao figurar como vítima potencial, investigador e juiz no caso das fake news, mas se ele esticou a corda foi porque ninguém, como Bolsonaro, a esticara tanto também nos ataques à democracia, logo, não havia uma previsão constitucional de qual deveria ser a resposta”. “E se, juridicamente, esses métodos são raros é porque o próprio STF teve de assumir a frente das investigações uma vez que Augusto Aras, o Procurador-Geral da República (PGR) nomeado por Bolsonaro, engavetava investigações”.“Com o ataque coordenado de Bolsonaro às instituições com colaboração de Aras, é natural que a reação do poder judicial fosse dura mas convém sublinhar que a situação de Bolsonaro face à do preso comum no Brasil é muito moderada, outro réu qualquer já estaria preso”, afirma Neiva. E acrescenta: “Como Alexandre de Moraes tem perfil conservador, foi nomeado pelo então presidente Michel Temer e sempre foi muito mais alinhado com a direita do que com a esquerda, não faz sentido falar em parcialidade”. “Já Sergio Moro", lembra o advogado, "tinha combinações com o promotor [o hoje deputado Deltan Dallagnol] ajustadas ao calendário político, numa situação de parcialidade evidente, a vara de Curitiba perseguia politicamente como veio à tona na Vaza Jato [divulgação de mensagens entre Moro e procuradores onde se provava parcialidade]”.Marcelo Crespo nota, a propósito, que “Moro usou a divulgação de escutas telefónicas sigilosas, como aquela de 2016 entre a presidente Dilma Rousseff e Lula, que atirou para a imprensa, prática vista como juridicamente ilegal e politicamente incendiária, e ainda tornou pública delação de Antonio Palocci [ex-ministro de Lula e Dilma] às vésperas das eleições de 2018…”, “Através da Vaza Jato soube-se que havia combinação entre ele e o promotor, o que é proibido por violar a imparcialidade, por isso, em abril de 2021, Moro tornou-se suspeito por 7-4 no plenário por ter agido com preconceito no caso do Lula, o que invalidou todas as provas”.