Brasil. A mãe de todas as eleições
Nem uma telenovela da TV Globo arriscaria um enredo tão fantástico como o das eleições do Brasil de outubro de 2022: frente a frente Jair Bolsonaro (PL), líder da extrema-direita brasileira e atual presidente, Lula da Silva (PT), chefe de estado de 2003 a 2010 e favorito de todas as sondagens, e Sergio Moro (Podemos), que, enquanto juiz, mandou prender Lula e, enquanto ministro, saiu do governo a disparar contra Bolsonaro.
"Devemos estar preparados para uma guerra", disse Luiz Roberto Barroso, que, na qualidade de presidente do Tribunal Eleitoral é uma espécie de árbitro deste "impasse mexicano" como são chamados os "duelos a três", bem representados nas cenas finais de O Bom, o Mau e o Vilão, filme de 1966 de Sergio Leone. Os observadores não classificam as eleições de outubro como "western spaghetti", no entanto; preferem uma metáfora mais atual: "combate de MMA"
"As eleições de 2022 devem ter a pancadaria mais forte e os debates mais sangrentos desde 1989 [as primeiras eleições depois da redemocratização], vai ser um banho de sangue na televisão, como num octógono de UFC, com Bolsonaro chamando Moro de traidor, Moro chamando Lula de corrupto e este se fazendo de vítima depois de ter sido, segundo o Supremo Tribunal Federal, injustamente condenado pelo ex-juiz", disse ao DN Vinícius Vieira, professor da Fundação Armando Álvares Penteado.
Acresce que as personagens secundárias da eleição estão longe de ser meros coadjuvantes: João Doria (PSDB), governador de São Paulo, tem a seu favor o crédito de ter contratado a vacina que mais brasileiros imunizou e a legitimidade de ter ganho as primárias do seu partido; Ciro Gomes (PDT) afirmou ao DN sentir-se mais preparado do que nunca, depois de nas três eleições anteriores em que participou jamais ter chegado à segunda volta; e ainda há mais seis candidatos e uma candidata, a senadora Simone Tebet.
Esse número generoso de concorrentes ao Palácio do Planalto pode, por outro lado, levar à fusão de candidaturas no campo entre Lula e Bolsonaro e a que se vulgarizou chamar de "terceira via". Moro e Doria, por exemplo, já se reuniram mas nenhum deu sinais, ainda, de aceitar sair da corrida em prol do outro. E ambos não desdenhariam ter Tebet como vice.
Bolsonaro ainda estuda quem será o candidato a vice, uma vez que nunca esteve em sintonia com o atual, o general Hamilton Mourão. Lula, por sua vez, surpreendeu ao lançar a hipótese Geraldo Alckmin, seu rival nas eleições de 2006. Será um xadrez complicado, que envolve alianças federais, regionais e estaduais, a ser jogado ao longo do ano.
Mas enquanto o país está distraído com a política, a economia dá graves sinais de desgaste. "O que temos é uma economia que cresceu pouco em 2018, pouco em 2019, e entrou em recessão em 2020", resumiu Claudio Considera, coordenador de projetos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, ao jornal Correio Braziliense. No terceiro trimestre de 2021, o PIB do Brasil caiu 0,1% e o país entrou em recessão técnica. "E em 2022 haverá uma economia estagnada, com investimentos que não descolam e inflação de dois dígitos", previu o especialista.
Na questão sanitária, o país onde morreram até agora cerca de 620 mil pessoas de covid-19 e em que o caos no combate à doença justificou uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal que acusou duas empresas e 65 pessoas, entre as quais o presidente, de múltiplos crimes, teme agora a chegada em força da variante Ómicron.
Como tal, a realização do carnaval mais famoso do mundo, o do Rio de Janeiro, está em dúvida, assim como os outros dois mais concorridos do país, o de Salvador e o de São Paulo. Centenas de cidades, entretanto, já cancelaram as suas festas, incluindo as capitais estaduais Cuiabá, Campo Grande, Fortaleza, Belém e Belo Horizonte.
Não há carnaval, a primeira das três paixões nacionais, há futebol, a segunda dessas paixões. Em novembro, o autoproclamado "país do futebol", já mais campeão do mundo do que qualquer outro, com cinco troféus no currículo, busca a sexta taça mundial no Qatar, a partir de novembro, numa competição que é a obsessão dos brasileiros. De jejum de títulos há 20 anos - as últimas quatro edições foram ganhas pelos europeus Itália, Espanha, Alemanha e França - o selecionador Tite e o craque Neymar partem "obrigados" a trazer a "Copa".
Já a terceira paixão brasileira, as telenovelas, está garantida com Bolsonaro, Lula e Moro nos papéis principais.
dnot@dn.pt