Lula lembra que o PT, partido que fundou, é indissociável da igreja.
Lula lembra que o PT, partido que fundou, é indissociável da igreja.Facebook de Lula da Silva

“Bote Fé no Brasil”. Lula cria slogan para atrair evangélicos

Depois de sondagens revelarem queda de popularidade naquele segmento, presidente brasileiro cita “milagres”, “fé”, “crença” e “Deus” em discursos. “Pode não chegar”, alerta investigadora.
Publicado a
Atualizado a

Só pode ocorrer este milagre por causa da fé de vocês, aliás, se vocês não acreditassem em milagres, se vocês não tivessem fé, jamais teriam votado para presidente da República num pernambucano que não tem diploma universitário”, disse Lula da Silva, a 4 de abril, na inauguração de uma estação de água que vai atender 20 cidades nordestinas sujeitas à seca. Mas aquela inauguração serviu também, como se percebe pela sequência de referências religiosas, para inaugurar o novo slogan do governo, “Bote Fé no Brasil”, criado com o objetivo de gerar diálogo com os eleitores evangélicos, cerca de 30% do total no país.  

Um mês antes, no início de março, uma sondagem do instituto Quaest assustou o Palácio do Planalto ao revelar, a dois anos e meio das próximas eleições gerais e em ano de eleição municipal, um aumento da desaprovação de Lula entre aquele segmento religioso: o índice chegou a 62%, mais seis pontos do que na pesquisa anterior, de dezembro. Já a aprovação recuou outros seis pontos percentuais, de 41% para 35%. Entre os entrevistados católicos, Lula teve aprovação de 58% e reprovação de 39%.

Oficialmente, o governo não confirma que o objetivo do slogan “Bote Fé no Brasil” seja atrair o eleitorado evangélico, muito conotado com Jair Bolsonaro, como prova a manifestação de apoio ao ex-presidente, a 25 de fevereiro, na Avenida Paulista, organizada por um dos seus líderes, o pastor Silas Malafaia. Mas admite a piscadela de olho. “O slogan surge apenas porque o povo do Brasil é um povo de fé”, justificou Paulo Pimenta, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social. “Agora é evidente que fazemos pesquisa, a palavra ‘fé’ ajuda as pessoas a ouvirem-nos”.

Christina Vital, investigadora da Universidade Federal Fluminense e autora de Religião e Política: Medos Sociais, Extremismo Religioso e as Eleições de 2014, diz ao DN que seduzir evangélicos, entretanto, “não depende somente do voluntarismo do governo”. “No governo anterior, Bolsonaro foi além do voluntarismo em direção aos evangélicos, esses evangélicos percebiam nele uma liderança que falava a mesma língua, no caso de Lula, há uma distância evidente”.

As redes sociais, diz Vital, são fundamentais. “No contexto de grande polarização política no Brasil, muitas pessoas têm sido bombardeadas com medos e pânicos em relação aos políticos e às agendas das esquerdas”, afirma. “Nas redes sociais de vários políticos influentes de direita, além dos robôs que mandam mensagens Ininterruptas em grupos de WhatsApp ou Telegram, os políticos das esquerdas são atrelados ao comunismo e as agendas das esquerdas descritas como ameaças à família e ao desenvolvimento moral e espiritual das pessoas, ora isso vai construindo uma barreira que, não sendo intransponível, é muito significativa”.

O estilo dos dois presidentes, o atual e o anterior, também não ajudam. “Bolsonaro, que passou a maior parte do tempo da presidência a proteger-se de processos contra ele e a família, investiu muito nas redes económicas evangélicas de forma a insuflar essas pessoas na sua defesa, já Lula, como qualquer presidente que se dedica a políticas públicas e ao desenvolvimento do país, a governar, enfim, tem menos tempo para alimentar essas bases”, conclui a pesquisadora.

Um vice é a solução?

Juliano Spyer, antropólogo, autor de Povo de Deus e criador do Observatório Evangélico, foi mais longe: sugeriu, em artigo no jornal Folha de S. Paulo, que nas eleições presidenciais de 2026 Lula opte por um vice-presidente evangélico (o atual, Geraldo Alckmin é fervoroso católico).

“O PT escolheu lidar com evangélicos como um problema no campo da comunicação. É uma atitude preguiçosa: enterrar a cabeça no chão torcendo para o problema desaparecer”, começa por defender Spyer.
“O que, então, restará na mesa como fichas de jogo, para o presidente e para seu partido, caso essa estratégia falhe nas eleições municipais deste ano e evangélicos continuem rejeitando o governo? Interlocutores evangélicos com quem conversei -conservadores nos costumes - concordaram que um candidato a vice evangélico pode funcionar como uma bala de prata para o governo. Demonstra a disposição de Lula de governar o país junto com esse grupo”, observou.

Lula lembrou, em discurso no Rio de Janeiro, que o PT, partido que fundou, é indissociável da igreja. “A qualquer cidade que eu ia que não tinha o PT mas tinha um padre progressista e uma comunidade, nós criávamos o PT lá, foi assim que o PT se transformou no partido mais importante da esquerda da América Latina”.

Nesse embalo, a 4 de abril, naquela inauguração da estação de água que vai atender 20 cidades nordestinas sujeitas à seca, o presidente brasileiro não se limitou à referência religiosa citada no primeiro parágrafo. Nordestino e natural de Pernambuco, como os que o ouviam, falou sobre a importância de se combater a desigualdade social no país por meio de investimento na área da educação, através do programa de incentivo aos estudantes recém-lançado, o “Pé de Meia”, num tom quase messiânico. “Resolvi investir na educação. E com as graças de Deus e com o milagre da fé, eu sou o presidente que mais fez universidades neste país, que mais fez escolas técnicas neste país”, disse, olhando para os céus e elevando as mãos.

“O outro milagre que eu vejo é o milagre da crença”, continuou, segundo reportagem do jornal O Tempo, ao destacar a importância de os pais e mães não perderem a fé no sonho dos filhos, mas que, para isso, o Estado precisa gerar oportunidades de educação e de emprego.

E rematou: “Eu vejo a fábrica de fake news, a fossa que só fala mentira, só prega o ódio, só conta falsidade todo dia, mas a gente não pode acreditar, porque Deus não é mentira, Deus é a verdade e ninguém pode utilizar o nome de Deus em vão, como eles usam todo o santo dia”.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt