Bolsonaro planeou, participou e liderou o golpe, diz a polícia
A Polícia Federal do Brasil (PF) diz ter identificado provas “inequívocas” de que Jair Bolsonaro “planeou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava concretizar o golpe de Estado e a abolição do Estado democrático de direito”. Segundo relatório divulgado nas últimas horas, o ex-presidente propagou informações falsas sobre o sistema eleitoral, tentou atrair as Forças Armadas para o golpe e tinha conhecimento de todos os passos do plano executado por assessores, militares e integrantes do seu governo.
Bolsonaro pode vir a responder pelos crimes de tentativa de golpe de estado, tentativa de abolição do estado democrático de direito e organização criminosa, caso a Procuradoria-Geral da República acolha o relatório e o torne réu. As penas máximas acumuladas para esses crimes chegam a 30 anos de prisão.
O próprio nega a participação. “Nunca debati golpe com ninguém, se alguém me viesse falar nisso, eu falaria ‘e o day after, como a gente fica perante o mundo?'”
Ainda segundo o documento da PF, que cita Bolsonaro em 643 ocasiões, “as evidências colhidas, tais como os registos de entrada e saída de visitantes do Palácio do Alvorada [residência oficial do presidente], conteúdo de diálogos entre interlocutores do seu núcleo próximo, análise de ERB [localização dos telemóveis], datas e locais de reuniões, indicam que Jair Bolsonaro tinha pleno conhecimento do planeamento operacional Punhal Verde e Amarelo, bem como das ações clandestinas praticadas sob o nome de código Copa 2022″.
A operação Punhal Verde e Amarelo visava, além de concretizar um golpe de estado para manter Bolsonaro no poder, assassinar por envenenamento o presidente e o vice-presidente eleitos em outubro de 2022, respetivamente Lula da Silva e Geraldo Alckmin, e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), juiz Alexandre de Moraes, numa explosão. Para se comunicarem entre si, os operacionais criaram o grupo Copa 2022 na aplicação Signal, onde cada um respondia pelo nome de uma seleção presente no Mundial do Qatar, que então se disputava.
O documento a detalhar os assassinatos foi impresso no Palácio do Planalto [onde o presidente trabalha] pelo general Mario Fernandes, então número dois da Secretaria-Geral da Presidência, que operava num gabinete ao lado do de Bolsonaro.
O relatório da PF aponta ainda que o 8 de janeiro de 2023 – data em que apoiantes de Bolsonaro depredaram as sedes dos três poderes em Brasília – foi fruto de incitação orquestrada por golpistas do núcleo do ex-presidente para justificar um golpe de Estado.
O episódio aparece no documento como "uma entre outras ações para pressionar o comandante do Exército a aderir ao golpe de Estado”. Segundo os investigadores, uma mensagem do general Mário Fernandes ao general Freire Gomes, então comandante do exército, de 7 de novembro de 2022, fala da necessidade de um “evento disparador” para o golpe.
Jair Bolsonaro elaborou, entretanto, um decreto para dar sustentação jurídica a uma ruptura institucional após as eleições de 2022 que resultaram na vitória de Lula, afirma ainda a PF no relatório. De acordo com a polícia, o ex-presidente editou a “minuta do golpe”, produzida pelo núcleo jurídico da organização criminosa, que, na prática, previa impedir a posse de Lula.
Outros pontos do relatório revelam a adesão de militares de alta patente ao golpe, como Almir Garnier Santos, o ex-comandante da Marinha. Mensagens obtidas pela investigação afirmam, por exemplo, que “tanques no Arsenal” da Força estavam “prontos” para o golpe. O citado Freire Gomes, do Exército, e Baptista Junior, ex-comandante da Força Aérea, recusaram participar.
Além de Bolsonaro, constam entre os restantes 36 indiciados quatro ex-ministros, assessores próximos do ex-presidente, 19 militares, o presidente do PL, partido de Bolsonaro, Alexandre Ramagem, diretor do serviço de inteligência no governo anterior, um padre, o neto do último ditador antes da redemocratização do país e até o “marqueteiro” oficial de Javier Milei, presidente da Argentina.