Bill Clinton em 2014 em Lisboa para uma conferência na Universidade Europeia.
Bill Clinton em 2014 em Lisboa para uma conferência na Universidade Europeia.Álvaro Isidoro / Global Imagens

Bill Clinton publica um novo policial e popularidade ajuda à conta bancária do antigo presidente

Bill Clinton foi popular apesar do escândalo Lewinsky e é recordado pelo crescimento económico. Após sair da presidência, tem feito conferências e escrito livros. Acaba de lançar The First Gentleman
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A autobiografia A Minha Vida foi um grande sucesso de vendas em 2004 e ajudou muito Bill Clinton, já ex-presidente, a construir uma fortuna familiar que se calcula poder chegar a 200 milhões de dólares. Entretanto, publicou uma espécie de segundo volume, dedicado aos anos pós-Casa Branca, e se este quarto de século de reforma (sim, saiu da presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2001!) continua a ser muito político, basta pensar no apoio à carreira de Hillary, a verdade é que Clinton se tornou uma figura multifacetada, criando uma fundação, fazendo conferências , servindo de emissário especial da ONU e até sendo autor de livros policiais, como este The First Gentleman, que acaba de lançar e que, como dois outros do género, é co-assinado por James Patterson, um escritor best-seller. Aos 78 anos, e até dois meses mais novo do que o presidente Donald Trump, o antigo presidente continua uma figura popular, nos Estados Unidos mas sobretudo mundo fora. Mesmo em Portugal, que visitou como presidente perto do fim do mandato, depois para uma conferência organizada pelo DN e finalmente em 2014 para uma palestra na Universidade Europeia, em Lisboa. Como se explica este protagonismo de um presidente que esteve envolvido em escândalos sexuais, entre eles a célebre ligação a Monica Lewinsky, uma estagiária na Casa Branca?

“Bill Clinton foi o primeiro presidente baby-boomer dos EUA, expressão consagrada relativamente àqueles que nasceram logo após a Segunda Guerra Mundial; seguir-se-lhe-ão George W. Bush, Barack Obama e Donald Trump. Que significado pode estar subjacente àquela designação? Uma juventude vivida sob o signo da prosperidade económica, e de um ethos que consagra essa mesma juventude como instante mítico que se afirmava nos tempos da nova fronteira, expressão cunhada pelo igualmente jovem presidente Kennedy, cujo mandato seria também ele elevado a uma dimensão mítica - Camelot. ‘There’s a whole new generation with a new explanation’, proclamava Scott Mckenzie numa canção icónica da década de 1960 sobre uma outra nova fronteira, São Francisco. Talvez tenha sido isso, essa nova explicação, que o jovem Bill sentiu quando um dia saudou o anfitrião de Camelot... e uma célebre fotografia preservou. Quando lembramos as realizações do seu mandato, em particular aqueles que afirmaram esse tecido social mítico norte-americano que conhecemos como classe média, não podemos ignorar que, na sequência da tradição protestante, eles atualizaram a euforia da Terra Prometida que os Pais Fundadores colocaram no horizonte de expectativas de todo um povo. Em consonância com o ethos dos baby-boomers, portanto”, explica Mário Avelar, autor de livros como América - Pátria de Heróis ou Nascimento de uma Nação - História (s) da Literatura Americana.

O também professor catedrático de Estudos Ingleses e Americano confessa curiosidade por este The First Gentleman (que Bill teria sido, se Hillary depois de senadora e chefe da Diplomacia tivesse conquistado a Casa Branca), sendo que os dois anteriores livros escritos a meias por Clinton e Patterson foram publicados em Portugal pela Porto Editora, com os títulos O Presidente Desapareceu e A Filha do Presidente.

Germano Almeida, analista de Política Internacional do Canal Now e autor de vários livros sobre os Estados Unidos, incluindo um sobre Hillary Clinton, democrata derrotada por Trump em 2016, tem uma visão mais crítica dos Anos Clinton: “Podia ter entrado para a História como um dos presidentes mais bem-sucedidos do século XX, mas as falhas pessoais mancham um legado político francamente positivo. Eleito com apenas 46 anos - terceiro mais jovem da História americana -, veio de um dos estados mais pobres da Federação Americana, o Arkansas. Globalista, projetou uma ideia de esperança e renovação, com os ‘Novos Democratas’, juntando fortíssimo apoio de negros e hispânicos com o eleitorado branco de classe média (que hoje apoia fortemente Trump). Corporizou um liberalismo social, comprometido com o apoio aos mais vulneráveis, mas aberto a um pragmatismo fiscal e sem excessos regulatórios. Onde falhou? Na gestão da ‘guerra da direita’ - expressão de Hillary - que os republicanos montaram ao casal Clinton e que levou a um impeachment que só não teve como consequência a sua queda porque no Senado só metade (e não os dois terços) dos senadores votaram pela destituição do presidente”. Sobre a persistente popularidade, pelo menos como escritor, do político nascido em 1946 numa terriola chamada Hope, nesse Arkansas onde chegou a ser governador, Almeida destaca que tendo sido “eleito pela primeira vez com apenas 43% dos votos, viria a ser um dos presidentes com mais alta taxa de aprovação nas últimas décadas (próximo dos 60% no primeiro mandato; geralmente acima dos 60% no segundo mandato), fruto do bom desempenho económico dos EUA nos anos 1990. O impeachment custou-lhe fase de menor apoio e, ironicamente, a sua imagem nos anos pós-presidência foi-se deteriorando, à medida que o clima de polarização ideológica se agravou na sociedade americana”.

Hoje Clinton é um duro crítico de Trump, tendo ainda recentemente afirmado numa entrevista, comentando a atual Administração: “nunca vi nada assim”. Clinton esteve fortemente envolvido na campanha da mulher em 2016, e agora também em 2024 foi um entusiasta apoiante de Kamala Harris, derrotada por Trump.

The First Gentleman é o novo policial escrito por Bill Clinton e James Patterson. A Porto Editora publicou os dois anteriores, com os títulos O Presidente Desapareceu e A Filha do Presidente.
The First Gentleman é o novo policial escrito por Bill Clinton e James Patterson. A Porto Editora publicou os dois anteriores, com os títulos O Presidente Desapareceu e A Filha do Presidente.

Durante esta última campanha, ainda antes de Joe Biden desistir de tentar a reeleição, Clinton saiu também em defesa do presidente octogenário quando criticado sobre as suas condições para exercer o cargo. E a filha de Bill e Hillary, Chelsea, que era uma adolescente quando viveu na Casa Branca, publicou um livro sobre mulheres que são exemplo, e incluiu Harris.

“As opiniões sobre Bill Clinton são variadas e frequentemente polarizadas. Considerado por muitos como um líder eficaz que impulsionou a economia americana durante os seus dois mandatos presidenciais, no entanto outros criticam-no pelo escândalo sexual com Monica Lewinsky e o subsequente processo de tentativa de destituição, impeachment, como se diz aqui”, sintetiza Francisco Resendes, diretor do Portuguese Times. Que acrescenta, enquadrando a época: “político por excelência e carismático, Clinton foi quanto a mim um dos presidentes mais conservadores do Partido Democrata, quando na realidade os tempos eram outros, muito antes da ascensão do movimento woke, que evoluiu ao longo do tempo tendo ganho força e importância no início e meados da década de 2010, particularmente no contexto do movimento Black Lives Matter e outros movimentos de justiça social. Clinton foi presidente numa época em que os partidos políticos não estavam tão fortemente alinhados ideologicamente, de uma forma ou de outra, como hoje. Uma época em que os democratas conservadores e os republicanos liberais eram mais predominantes e o Congresso ainda conseguia funcionar relativamente bem,mesmo com um governo dividido. Descrevê-lo-ia como um verdadeiro moderado, um centrista. Tinha opiniões conservadoras sobre a imigração, opiniões moderadas sobre programas de bem-estar social e direitos, e opiniões liberais sobre o aborto e a saúde. Tentou sem sucesso criar um sistema de saúde de modelo europeu, o Universal Health Care”.

O diretor do grande jornal de língua portuguesa dos Estados Unidos destaca ainda a componente de política externa, sobretudo económica : “Clinton desempenhou um papel fundamental na implementação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte, o NAFTA. Sancionou o acordo em 1993, dando continuidade às negociações iniciadas pela administração Bush. O NAFTA (visão de Ronald Reagan concretizada) tinha como objetivo eliminar as barreiras comerciais e as restrições ao investimento entre os Estados Unidos, o Canadá e o México. O seu mandato fica também marcado quando em 2000 assinou a Lei das Relações Estados Unidos-China, concedendo à China o estatuto de Relações Comerciais Normais Permanentes, anteriormente conhecido como Nação Mais Favorecida”.

Clinton, aluno de excelência formado por Georgetown e Yale e bolsista Rhodes em Oxford, manteve igualmente boa relação com Boris Ieltsin, numa época em que a Rússia, enfraquecida pelo fim do comunismo, procurava entender-se com o Bloco Ocidental.

Também Dennis Redmont, jornalista americano a viver em Portugal, um veterano da Associated Press, chama a atenção para o desempenho do antigo presidente que agora é autor de policiais de sucesso (o primeiro da trilogia vendeu três milhões de exemplares): “Clinton presidiu durante oito anos a uma expansão económica a uma média de 4%. Elevou o padrão educacional nas escolas secundárias e diminuiu a criminalidade com armas de fogo através de um projeto de lei bipartidário, além de reduzir a dívida nacional e as despesas do governo. Também desmantelou mais de 1500 ogivas da União Soviética. O seu legado foi obscurecido pelo seu comportamento fora do casamento, mas já vimos coisas piores ao longo da história”. Sobre a vida pós-Casa Branca como romancista, o antigo correspondente da AP em Lisboa, e depois diretor da agência, com base em Roma, para a Europa do Sul, diz que Clinton conseguiu uma existência confortável em parte graça ao parceiro de golfe, Patterson, mas apesar de se tornar campeão de vendas, até mesmo com este livro mais recente, prefiro a realidade, que supera sempre a ficção!”

Já Julieta Almeida Rodrigues, doutorada pela Columbia e romancista que vive entre Portugal e os Estados Unidos, olha com sentido de humor para este Clinton escritor depois de ter sido político. “Os americanos de elite estão sempre a reinventar-se. Com dinheiro, saúde, e tempo livre, que melhor fazer do seu tempo durante a reforma? Os thrillers podem ser muito divertidos, informativos”, diz a autora de Leonor e José, um livro agora com edição portuguesa, mas que saiu originalmente em inglês nos Estados Unidos.

Em entrevista recente à BBC, lado a lado com Patterson, Clinton confirmou que se divertia a escrever os policiais, pois “é uma aventura, e na minha idade avançada gosto de continuar a trabalhar”.

Com problemas de saúde ao nível do coração, Clinton seguiu a recomendação de um médico e hoje é vegan convicto, ao ponto de Chelsea ter dito que o pai era “o vegan mais famoso do mundo”.

Veremos se o novo livro, com o marido de uma presidente a ser acusado de assassínio, comprova a popularidade de Clinton. Teremos edição portuguesa em breve?

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