Biden evitou (para já) o shutdown mas Congresso adiou a sua agenda
O dia começou com uma vitória para o presidente dos EUA, mesmo que parcial: o orçamento foi prorrogado até 3 de dezembro, evitando para já um shutdown, isto é, a paralisação dos serviços federais. O plano inicial de incluir na mesma votação a suspensão do teto da dívida, de forma a evitar um default a 18 de outubro, foi travado no início da semana no Senado e essa será mais uma dor de cabeça para Joe Biden. Mas primeiro está em causa uma das prioridades da sua agenda legislativa: o plano de um bilião de dólares para as infraestruturas. Diante da divisão entre os próprios democratas, a votação na Câmara dos Representantes foi adiada na noite de quinta-feira e não era certo que fosse passar na madrugada de sábado em Lisboa, mesmo com o plano de Biden de ir até ao Capitólio para os convencer.
O "drama legislativo", como a agência AP lhe chamou, é mais embaraçoso para Biden porque envolve o próprio Partido Democrata - que tem a maioria nas duas câmaras do Congresso. Apesar de o plano de infraestruturas do presidente ter passado ainda em agosto no Senado, com um apoio histórico dos dois partidos (69 votos contra 30), adivinhavam-se os problemas quando chegasse à Câmara dos Representantes. Tudo porque a ala progressista do Partido Democrata ameaçava não o aprovar sem antes os senadores darem também luz verde ao mais ambicioso plano de políticas sociais de Biden, que prevê gastar 3,5 biliões de dólares ao longo de dez anos.
Ao contrário do plano de infraestruturas, que inclui quase 550 mil milhões de dólares ao longo de cinco anos para obras públicas em todo o país e agradava a muitos republicanos, a agenda social é impossível de vender à oposição, já que prevê que seja pago com o aumento dos impostos sobre as empresas e os mais ricos. Para evitar o esperado filibuster republicano no Senado (na prática são precisos 60 votos e os democratas só têm 50), a maioria quer avançar sozinha através de um processo apelidado de "reconciliação orçamental".
O problema é que os democratas têm de chegar primeiro a acordo, havendo divergências até em relação ao valor que o plano deverá ter. O senador Joe Manchin (Virgínia Ocidental) tem defendido que não vá além dos 1,5 biliões de dólares, o que para os progressistas é pouco, enquanto Krystem Sinema (Arizona) não avança com um valor. O impacto do plano, que prevê por exemplo o reforço dos subsídios de família e financiar a expansão de programas de saúde ou de educação, dependerá do investimento que for feito.
Sem luz ao fundo do túnel sobre o plano de políticas sociais, a líder da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi, optou por adiar ao final da noite de quinta-feira a votação do plano das infraestruturas. A ideia seria conseguir votar o plano ainda esta sexta-feira (provavelmente já noite ou madrugada em Lisboa), esperando-se que mais umas horas de negociações pudessem ser suficientes para ultrapassar o impasse. Tinha sido a própria Pelosi a estabelecer o prazo de aprovar a legislação esta semana.
Biden, que passou décadas no Senado e é conhecido pela sua capacidade de encontrar compromissos, já tinha cancelado uma deslocação a Chicago na quarta-feira. Tudo para continuar a negociar pessoalmente uma forma de avançar na sua agenda legislativa. Nesta sexta-feira, o presidente optou também por continuar em Washington, em vez de viajar para a sua casa no Delaware, efetuando uma rara visita ao Capitólio para falar aos democratas e tentar desbloquear a situação.
Mesmo que o plano de infraestruturas acabe por passar, as dores de cabeça não terminam aí para o presidente. Sem o aumento do teto da dívida, os EUA entrarão pela primeira vez em default sobre a sua dívida acumulada de 28 ,4 biliões de dólares a 18 de outubro. A secretária do Tesouro, Janet Yellen, alertou os congressistas que esse cenário seria "catastrófico" e já avisou para possíveis "danos irreparáveis", assim como uma consequente crise económica e uma recessão. "Não seremos capazes de pagar todas as contas do governo", indicou.
O limite artificial imposto pelo Congresso ao endividamento tem sido várias vezes aumentado - 78 vezes desde 1960. Os democratas juntaram-se à maioria republicana no Senado várias vezes nesse sentido, durante a presidência de Donald Trump, incluindo numa suspensão do limite da dívida, que acabou em agosto. Mas os republicanos não estão disponíveis para fazer o mesmo, alegando que são os planos de Biden para gastar biliões de dólares na sua agenda que obrigam a aumentar o teto da dívida (o que não é verdade, já que o dinheiro é usado para pagar compromissos passados, não futuros).
A lei para suspender o teto da dívida foi aprovada na quarta-feira na Câmara dos Representantes, mas esperam-se obstáculos no Senado - a tentativa do líder da maioria, Chuck Schumer, de conseguir que passasse com uma maioria simples foi travada pelos republicanos. Há dúvidas de como poderá passar. Inicialmente, os democratas queriam incluir esta legislação junto à prorrogação do orçamento que evitou o shutdown. Mas a oposição rejeitou votar ambas as medidas em conjunto e para impedir que o governo ficasse sem financiamento.
O "drama legislativo" junta-se à caótica retirada militar do Afeganistão, à contínua ameaça do coronavírus e até às imagens violentas de migrantes haitianos a serem perseguidos por guardas fronteiriços a cavalo para causar uma nova queda da popularidade de Joe Biden. Segundo a sondagem da AP-NORC de setembro, 50% dos norte-americanos aprovam as ações do presidente, contra 49% que desaprovam. Em agosto, o democrata tinha uma aprovação de 54% e em julho de 59%. Ainda assim faz melhor do que Donald Trump na mesma altura do seu mandato: 32% aprovavam as suas ações e 67% desaprovavam na sondagem de setembro de 2017.
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