Há seis meses que o presidente Lyndon B. Johnson agonizava com a decisão sobre se deveria recandidatar-se ou não à presidência dos Estados Unidos. Na noite de 31 de março de 1968, há precisamente 56 anos, LBJ chocou a nação com um discurso televisivo em que renunciou à candidatura. Ninguém estava à espera e poucos sabiam da decisão, que terminava de forma abrupta uma presidência tumultuosa. A sua popularidade estava bem abaixo de 40%, a guerra no Vietname era um desastre e LBJ tinha tido vários problemas de saúde, incluindo operações à vesícula, pedras nos rins, infeções respiratórias e problemas cardíacos..As primárias no Partido Democrata já decorriam quando Johnson decidiu retirar-se da corrida, abrindo caminho para uma situação caótica que determinou o sistema que temos hoje. Essa sucessão de acontecimentos permanece como uma rara exceção numa história repleta de incumbentes reeleitos..Joe Biden, atual presidente dos Estados Unidos com 81 anos, seguiu a tradição de procurar a reeleição. Donald Trump, ex-presidente com 77 anos, voltou a candidatar-se e procura regressar à Casa Branca em 2025. Mas a idade avançada de ambos e as crescentes exigências de campanha têm motivado perguntas que noutros anos não se colocaram: o que acontece se um candidato que vence as primárias de um partido morre ou tem um problema de saúde que o impede de prosseguir?.Tudo depende do momento em que algo acontece, explicou ao DN o professor de Ciência Política Thomas Holyoke, da Universidade Estadual da Califórnia em Fresno..“Se as convenções ainda não tiverem acontecido, os partidos têm mecanismos alternativos que podem usar para selecionar outros candidatos”, indicou o analista. “Após a convenção, é um problema muito maior tentar mudar a pessoa cujo nome está no boletim de voto.”.Tanto Joe Biden como Donald Trump garantiram as nomeações dos partidos Democrata e Republicano durante as primárias, que começaram a 15 de janeiro. Nenhum sofreu particularmente para alcançar o objetivo. Apesar do protesto dos “não-comprometidos”, que recusaram votar em Biden em estados como o Michigan, o incumbente alcançou os 1968 delegados de que precisava após a Super Terça-Feira (05 de março) e tem perto de 2600 delegados assegurados, garantindo a nomeação..No caso de Donald Trump, que no início se bateu com mais de uma dúzia de competidores nas primárias republicanas, a última candidata de pé, Nikki Haley, não conseguiu sequer chegar aos 100 delegados. Trump ultrapassou os 1215 delegados de que precisava para garantir a nomeação e já vai em quase 1700..São estes delegados que irão confirmar os nomeados nas Convenções dos partidos: a republicana decorre de 15 a 18 de julho em Milwaukee, Wisconsin, e a democrata acontece em Chicago, Illinois, entre 19 e 22 de agosto. Se alguma coisa acontecer a algum deles entretanto, há tempo suficiente para escolher outros candidatos que se baterão pela nomeação nas respetivas convenções..“É uma especulação importante”, frisou Thomas Holyoke. “O que fazem se Biden ou Trump tiverem um AVC antes de novembro? Pode acontecer.”.Houve um caso recente com um candidato muito mais novo. John Fetterman, agora com 54 anos, teve um AVC a quatro dias das primárias democratas para o Senado, que acabou por vencer, e a seis meses das eleições gerais. Após uma paragem de recuperação, o candidato retomou a campanha e venceu o oponente republicano, Mehmet Oz..“Fetterman mostra que ter um AVC não é necessariamente um impedimento para a vitória”, referiu Holyoke. “Mas não penso que com Biden ou Trump o caso seja similar.”.Donald Trump, 77 anos, quer regressar à Casa Branca em 2025. -- Foto: EPA/SARAH YENESEL.Alternativa feminina?.O embate entre Joe Biden e Donald Trump, que está previsto para 5 de novembro, é uma repetição do que aconteceu nas presidenciais de 2020 e tem como bónus o facto de ser uma corrida entre dois candidatos que já ocuparam a Casa Branca – e os dois mais velhos de sempre. Há um outro ângulo interessante: no caso de serem impedidos de prosseguir na eleição, ambos podem ser substituídos por mulheres 30 anos mais novas..“No caso de Biden, o cenário mais provável seria elevar Kamala Harris a candidata à presidência”, indicou ao DN a cientista política Daniela Melo, professora na Universidade de Boston. “Apesar das dificuldades que tem tido com a opinião pública, Harris mantém o apoio de uma grande parte dos delegados democratas que selecionariam o candidato”, disse a especialista. “Também seria possível que aparecessem outros candidatos dispostos a disputar delegados na convenção de agosto, como Gavin Newsom da Califórnia.”.O foco em Kamala Harris, atual vice-presidente da Administração Biden, também é apontado como provável por Thomas Holyoke. No entanto, o politólogo avisou que ela não é olhada como uma alternativa de peso, sendo isso justificado ou não..“A perceção é de que ela não é uma forte candidata presidencial, a tal ponto que os republicanos estão mais ou menos a correr contra ela”, frisou. O professor referia-se aos anúncios e menções da campanha de Trump que dão Biden como incapaz e defendem que um voto nele é, na verdade, um voto em Kamala Harris. A posição sugere que Trump considera que Harris é mais fácil de vencer que Biden..Holyoke referiu ainda a possibilidade de surgirem outros nomes, como o de Gretchen Whitmer, a governadora do Michigan, ou de Gavin Newsom, o governador da Califórnia. “Não tenho a certeza se agora apoiariam Newsom”, ressalvou Holyoke, “porque a Califórnia está, de repente, a enfrentar um défice maciço.”.Ambos os nomes foram falados no ano passado como potenciais candidatos, antes de a estrutura do partido se ter firmado em torno de Joe Biden e da sua recandidatura. Se algo acontecesse, “haveria uma corrida louca para tentar garantir os votos dos delegados”, frisou..O professor considerou também que o Comité Nacional Democrata terá desenhado um plano de contingência, dada a idade de Biden e a preocupação – mesmo nas hostes do partido – quanto à sua capacidade de aguentar o ritmo da campanha..“É possível que o partido democrata tenha uma ideia do que fará se alguma coisa acontecer a Biden, antes ou depois da convenção.”.No caso do Partido Republicano, o cenário é distinto. “Não me parece que Trump, que agora tem um punho de ferro sobre o partido, sequer permitisse tal tipo de especulação”, salientou Holyoke..Poderia haver aqui um cálculo virado para a outra candidata que conseguiu delegados nas primárias, Nikki Haley. Foi, inclusivamente, essa a análise que muitos fizeram da razão por que ela demorou tanto tempo a desistir da corrida: quereria garantir delegados no caso de Trump não prosseguir na campanha, por exemplo devido aos processos criminais..Mas Holyoke torce o nariz devido à forma como as primárias evoluíram. Na desistência, ao contrário do que se esperava, a candidata não deu o seu apoio formal a Trump como nomeado republicano..“Não consigo imaginar que Nikki Haley chegaria à nomeação republicana”, indicou. “Ela tem o apoio da ala mais tradicional do partido, os apoiantes MAGA de Trump não vão votar nela”, continuou, sublinhando que ela se manteve distante dessa base e se opôs ao seu candidato..“Não me parece que Haley tenha qualquer hipótese de conseguir o lugar de Trump. Mas há alguém que tenha?”, questionou Holyoke. “Trump não inspirou muitos herdeiros e isso foi provavelmente intencional.” O republicano não quer, disse, qualquer sinal de poder ser desafiado..Daniela Melo indicou o mesmo. “No caso dos Republicanos, é muito menos claro quem seria o sucessor de Trump. Nem Ron de Santis, nem Nikki Haley conseguiriam o consenso dos delegados”, referiu..Uma possibilidade, segundo os dois analistas, seria a elevação de um dos filhos de Trump que estivesse disposto a candidatar-se na convenção – nomeadamente Eric ou Donald Trump Jr., mas não Ivanka, que não parece interessada numa carreira política..“Ou então, guerra aberta na Convenção entre os delegados de veia trumpista e todos os outros”, antecipou Daniela Melo. “É difícil prever a conclusão destes cenários neste momento, porque não há candidatos fortes que possamos apontar como herdeiros naturais do movimento de Trump.”.Holyoke aventou a hipótese de Ron DeSantis voltar à baila, uma vez que ele foi o candidato que mais se modelou à imagem de Trump e tem a simpatia de muitos eleitores da base. Para o analista, DeSantis teria mais hipóteses que Haley, ainda que esta fosse mais elegível contra Biden, porque a base “prefere ter um purista que alguém que pode ganhar.”.E se algo acontecer após a convenção?.Uma vez firmado o nomeado na Convenção, uma desistência ou impedimento subsequente obriga a processos diferentes em cada um dos partidos..“No caso de um deles falecer após a nomeação oficial, então caberá ao Comité Nacional de cada partido selecionar um candidato”, resume Daniela Melo..As regras do Partido Democrata dão ao Comité o poder de indicar um nomeado para uma eleição nacional após a convenção, através de uma consulta entre os líderes do partido, os governadores democratas e a liderança no Congresso..São raros os casos em que candidatos morreram ou tiveram de se afastar neste processo, mas existem. Em 1968, quando Lyndon B. Johnson recuou na sua recandidatura após as primárias de New Hampshire, Robert F. Kennedy – irmão do presidente assassinado – saltou para a corrida. Estava a caminho da nomeação, mas foi assassinado em Los Angeles no dia em que venceu as primárias da Califórnia. O partido viu-se então confrontado com uma questão importante: a quem seriam atribuídos os delegados que Kennedy assegurara? A Convenção, que decorreu em Chicago, foi marcada por ondas de violência nas ruas e essa sucessão de acontecimentos tornou-se a base para o sistema atual de delegados..Quatro anos mais tarde, o candidato democrata a vice-presidente, Thomas Eagleton, foi forçado a retirar-se já depois da Convenção quando se descobriu que tinha recebido tratamento de saúde mental. O Comité democrata convocou um encontro em que nomeou um substituto..Já no Partido Republicano, o Comité pode organizar uma segunda convenção ou selecionar de imediato um novo candidato..dnot@dn.pt