Paulo Gonet é o atual PGR do Brasil
Paulo Gonet é o atual PGR do BrasilBright Lights / FIBE

“Atuação da Justiça Eleitoral em 2022 deixou uma marca”, diz PGR brasileiro

Paulo Gonet Branco, que foi vice-procurador eleitoral das Presidenciais de 2022, conversou com o DN durante o fórum sobre transformação digital FIBE em Madrid.
Publicado a
Atualizado a

O jurista de 62 anos, possui uma extensa carreira no Ministério Público e na advocacia. Em 2023, foi indicado para o cargo de PGR pelo presidente Lula da Silva. No entanto, o nome já havia sido sondado pelo ex-presidente Bolsonaro para ocupar o cargo no mandato anterior. Conhecido nos bastidores do poder como um profissional de caráter técnico, é o responsável atualmente por processos com impacto na política brasileira, como investigações que envolvem Bolsonaro. O mesmo já se havia posicionado a favor de tornar Bolsonaro inelegível.

Como avalia os primeiros meses à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR) do Brasil?

Intensos [risos]. Tão intensos que quase não dá tempo para refletir sobre eles. Mas, da mesma forma, um desafio interessante que exige que a gente tenha uma abertura cada vez maior para ouvir os outros, para compreender as diferenças que existem em todas as realidades, para que a gente não se contente com as nossas pré-compre- ensões, mas que a gente procure também checá-las com os factos, como eles são vistos por outras pessoas, e atuar a partir daí. Se eu conseguir a meta de tornar o Ministério Público cada vez mais eficiente no dia a dia, com as mudanças de cada instante, mantendo a sua integridade institucional, eu acho que teria conseguido exercer de uma forma razoável as missões que me foram confiadas.


Referiu em vários discursos, como na sabatina do Senado, por exemplo, a importância da independência dos poderes, em especial do Ministério Público. De alguma maneira, acha que isso está a acontecer desde o início do seu mandato?

Os desafios são sempre bastante intensos, porque as causas que chegam à Procuradoria-Geral são causas de grande impacto na política. Mas eu acho que, como você lembrou, eu afirmei no início da gestão, nós temos de fazer uma distinção entre a atuação do agente político e a atuação do agente técnico, que pode ter repercussão na política. Então, o que é importante é saber que o Ministério Público não tem representação democrática para criar políticas públicas. A nossa representação é técnica e o êxito das nossas atuações está ligado à capacidade de nós justificarmos o nosso agir de um modo também técnico. Buscando o confronto das políticas públicas com os comandos constitucionais e, ao mesmo tempo, implementando e colaborando para implementar as decisões dos representantes do povo. Então, isso tudo é o que significa respeito pela separação dos poderes e também atenção com a colaboração que deve existir entre os poderes.

Dissertou em Madrid sobre os desafios que o Brasil enfrentou nos últimos anos para manter o Estado Democrático de Direito. Acha que essa atuação pode servir de exemplo?

Essa troca de ideias dos países que são democratas e que procuram preservar o regime democrático é essencial para que o sistema permaneça e para que o sistema possa enfrentar as dificuldades que, às vezes, vão se revelando no percurso da vida das instituições. Então, esse momento de reflexão, em que as experiências de vários países confluem para que haja uma meditação mais aprofundada e mais eficaz da descoberta do momento atual, para que a gente possa enfrentá-lo sempre com o Norte, de preservar o regime democrático, é da maior importância. É contrastar e conversar com o cenário europeu, que forma esse diálogo. Aqui em Madrid, pela primeira vez, fortalece o que está sendo feito e conquistado no Brasil a duras penas, porque existe também uma resistência das plataformas digitais, das gigantes internacionais. As plataformas se tornaram universais, então é importante que também a reflexão sobre o que elas fazem seja universal, que a gente descubra os pontos em comum, os problemas que nós enxergamos na atuação dessas plataformas, para que possamos ter também uma conversa internacional, uma interação de forças de várias culturas para as plataformas.  As redes sociais têm uma função importantíssima, mas não podem criar deturpações nos benefícios que a internet e o mundo digital produzem. A gente escutou em algumas das mesas a questão de que os direitos a serem garantidos são os direitos de sempre, a imagem, a intimidade, a veracidade, mas a importância dessa regulamentação, dessa legislação específica, vem no momento em que tudo está acontecendo diante dos nossos olhos muito rápido. Então, eu acredito que é óbvio que temas como liberdade de expressão, o direito à privacidade, direito de imagem, direito de propriedade intelectual, tudo isso está envolvido no problema que o mundo digital apresenta, mas esses problemas, como eles englobam tantos fatores de uma só vez, acabam exigindo um enfoque específico.

Sobre uma polémica recente no Brasil, envolvendo Elon Musk, defendeu que os representantes do X (antigo Twitter) sejam ouvidos no Brasil. Qual é a sua visão a respeito desse assunto?

Ali foi uma questão bem específica. Havia uma notícia de que não se ia obedecer a uma ordem judicial, o que caberia ao Ministério Público, em primeiro lugar, é saber se essa notícia procedia. Então nós fizemos essa indagação. Estamos esperando as respostas para ver quais são as providências que serão tomadas. 

Na condição de ex-vice-procurador-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acha que o trabalho realizado em 2022 foi uma lição para as eleições municipais deste ano?

Tem uma coisa curiosa que você está dizendo. Nós vamos sempre estar atrás das inovações tecnológicas. A capacidade de criação, de recriação das coisas superam muito a nossa imaginação e a nossa capacidade de reação imediata. Mas eu acho que, nas últimas eleições, a gente lavrou um grande tento, que foi esse de estarmos mais próximos das ameaças que poderiam prejudicar uma expressão da população livre, e livre no sentido também de consciente da sua vontade. O combate às fake news, o combate ao uso iliberal, antidemocrático, arbitrário das redes sociais foi algo que marcou a época. Exigiu uma coragem cívica muito intensa dos principais protagonistas do processo. E eu tenho a impressão que vai deixar uma marca para o futuro. Não só de que é possível sempre evoluir na causa da proteção dos valores democráticos, mas também que isso é indispensável. Nós estamos sempre a par dos novos desafios. Temos de ter essa conexão com a sociedade civil, especialmente essa especializada em assuntos técnicos. A participação em foros como esse é da maior importância para isso. E essa interdisciplinaridade no confronto dos desafios de cada momento, essa consciência dessa interdisciplinaridade é um ponto positivo que nós obtivemos nas últimas eleições. E eu acho que vai ser um marco diretor das ações para os próximos pleitos eleitorais.

amanda.lima@globalmediagroup.pt

O DN viajou a convite do FIBE

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt