Atribulado arranque da campanha na Catalunha com futuro de Sánchez no ar
Trinta horas antes do arranque da campanha eleitoral na Catalunha o presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, anunciou uma pequena pausa para “refletir” e anunciar ao país, na próxima segunda-feira, se continua ou não no cargo. Esta inesperada notícia, no mesmo dia em que foi conhecida a existência de uma investigação à sua mulher por suposto tráfico de influência e corrupção, abalou a atualidade política espanhola - e também a catalã. Ninguém se atreve a adivinhar o impacto que o anúncio do chefe do Executivo vai ter na composição do próximo parlamento catalão, saído das eleições de 12 de maio.
Tendo em conta estes acontecimentos “modificou-se tudo e não temos ainda sondagens onde fique refletida uma possível mudança de voto. Custa-me pensar nisso. O que sei é que mudaram as coordenadas do discurso”, explica ao DN Oriol Bartomeus, politólogo e diretor do Instituto de Ciências Políticas e Sociais (ICPS). “Esta situação muda muito a campanha eleitoral catalã, nomeadamente o ambiente político e o debate. Estavam claros quais iam ser os temas a tratar e agora encontramo-nos perante outra coisa”, acrescenta o politólogo.
Há diferentes interpretações do acontecido. “Uma parte considera que é uma jogada política de Pedro Sánchez e os socialistas catalães ainda estão em choque”, sublinha. Pouco depois de publicada a carta de Sánchez, o ex-presidente do governo catalão Carles Puigdemont , exilado na Bélgica, interrogava-se também na rede social X se essa postura era “um movimento tático”. Afirmava ser uma “decisão política pouco habitual de um dirigente com a sua experiência, com conhecida capacidade de resiliência”. O também candidato do Junts per Catalunya considera que Sánchez não deveria ser vulnerável às críticas, mesmo quando são “selvagens e desumanizadoras”. E lembrou que a política espanhola e muita imprensa de Madrid é muito selvagem, “mas quem entra já sabe como é”.
As últimas sondagens dão uma vitória aos socialistas, o PSC, e os dois principais partidos independentistas, Junts per Catalunya e ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) ficariam em segundo e terceiro lugar. Dependendo da sondagem, as posições invertem-se. “Estamos numa situação muito complicada porque as coisas vão estar muito renhidas”, afirma Bartomeus. Historicamente o parlamento catalão tem representação de vários partidos “e tínhamos bem definidos os limites dos acordos, com o bloco independentista e o bloco não independentista”, reflete. Mas agora, o leque de possibilidades é muito maior e vai ser decisivo o resultado de cada partido. No entanto, parece que “com uma vitória contundente do PSC não se poderá negar-lhe a formação de governo”, explica o politólogo. Desaparecerá o Ciudadanos, tal como aconteceu no parlamento nacional? Entrará a Aliança Catalã, um novo partido independentista de extrema-direita? Em que bloco ficaria? “Todas são situações muito complicadas de entender antes das eleições”, disse o politólogo.
E não se pode esquecer que ERC e Junts estão a negociar com o governo a lei da amnistia e apoiaram a investidura de Pedro Sánchez. Se ganhar o candidato socialista, Salvador Illa, que impacto pode ter no governo central? Perderá Sánchez o apoio dos independentistas? Na opinião de Felipe González, Illa não será o próximo presidente da Generalitat, mesmo com uma vitória do partido. “Provavelmente a estratégia do PSOE na Catalunha dará resultado, mas a possível vitória de Illa põe em risco a permanência no poder de Sánchez”, explicou o ex-primeiro-ministro espanhol num encontro com os correspondentes estrangeiros.
Nas sondagens chama também a atenção o possível resultado do Junts de Carles Puigdemont, ficando à frente da ERC. “Realmente há uma penetração do fenómeno Puigdemont no espaço da ERC. É uma personagem que pode ter votos neste outro espaço independentista. Pode ser surpreendente, mas é assim, é um fenómeno”, sublinha Oriol Bartomeus. Outra questão é se a ERC aceitaria investir Puigdemont como presidente do governo regional e ainda por cima, “com a lei da amnistia ainda por aprovar, ele não pode vir a Espanha sem ser detido”.
O projeto da Catalunha
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Pere Aragonès, candidato da ERC e atual presidente da Generalitat, resumia assim esta semana, num encontro com a imprensa estrangeira, as três principais opções que existem nestas eleições - “Salvador Illa, às ordens do Governo espanhol. O projeto de Carles Puigdemont que é... Carles Puigdemont, o seu regresso e a dúvida sobre o que vai fazer depois. E o projeto da ERC que é a Catalunha.” O seu discurso e as suas propostas para a próxima legislatura estão baseadas em três pontos. O primeiro, o referendo: “Vamos chegar a um acordo com o Governo para fixar as bases de um referendo reconhecido”, afirma Aragonès. O segundo, “negociar um financiamento para a Catalunha que permita arrecadar a totalidade dos impostos pagos pelos catalães”. Na Catalunha, diz, pagam-se 52 mil milhões de euros ao Estado e recebemos 25 mil milhões, pelo que “o benefício seria muito importante”. E em terceiro lugar, “vamos reforçar o estado social e a língua catalã”.
O líder da ERC mostrou-se muito confiante nas futuras negociações com o Governo, lembrando que já conseguiram os indultos aos presos políticos e “estamos a ultimar a lei da amnistia”. Numa segunda fase, tentariam estabelecer as bases de um referendo reconhecido, “acordado entre os dois governos”. Mas no momento de falar de acordos para poder formar Governo, não é muito realista apesar de considerar que as sondagens não refletem o que vai acontecer na realidade. “Muito eleitorado decide o voto durante a campanha eleitoral e estamos com muita esperança e atitude positiva, pensamos que vai correr muito bem”, afirma Aragonès.
Estas declarações foram feitas pelo candidato da ERC antes de ser conhecida a carta de Sánchez. E no arranque da campanha eleitoral, Aragonès lançou uma mensagem muito direta ao presidente do Governo espanhol. “Eu também estou profundamente apaixonado pela minha mulher, mas não abandono quando a extrema-direita ataca, combato-a”. O presidente do Governo catalão diz entender a atitude de Sánchez como parte de uma estratégia política porque enquanto se fala da situação pessoal não se falta de outros assuntos que não lhe interessam, como o caso “Koldo”. E diz não perceber que o primeiro-ministro precise de cinco dias para decidir se continua ou não.
Aposta nos serviços públicos
“Todos os socialistas do PSC estamos contigo, Sánchez. Força, presidente”, foi a mensagem de apoio ao primeiro-ministro publicada pelo candidato socialista às eleições catalãs. Todas as sondagens até agora dão Illa como vencedor, mas a questão que se coloca é se conseguirá forma governo. E, sem dúvida que o antigo ministro da Saúde não estava à espera de um arranque de campanha tão convulso, estando ainda a tentar perceber se esta situação o vai beneficiar ou prejudicar. Pouco antes de ser conhecida a pausa de Sánchez, o candidato socialista também teve um encontro com correspondentes para analisar a campanha e a atualidade política da Catalunha.
Illa considerou então que muitas coisas mudaram na região desde as últimas eleições, entre elas, “baixou muito o apoio aos partidos secessionistas. O projeto fracassou e o contexto internacional mudou, pandemia, conflito bélico na Ucrânia”. Illa fala de “dez anos perdidos” na Catalunha e acredita que as preocupações dos catalães passam hoje pela “seca prolongada e os maus resultados educativos”, entre outros. E dá um exemplo. Na última década, no território espanhol, sem contar com a Catalunha, triplicou a potência instalada em renováveis enquanto “nesta região continua a ser a mesma que há dez anos”. Por isso a sua intenção é “iniciar uma nova etapa onde os serviços públicos sejam prioritários”.
O PSC aspira a governar e, ao mesmo tempo, “que Espanha continue com Pedro Sánchez”. Está convencido de que ERC e Junts não vão ganhar, mesmo somando os votos dos dois partidos. Também lembra o enfrentamento que existe entre estas duas forças independentistas. E quando é interrogado sobre o referendo, garante “para mim está descartado, e não vou apoiá-lo”. O motivo é simples, “sobre tudo o que seja positivo para unir a sociedade catalã e a espanhola estou disponível para falar. O que for para dividir é errado”.
E na segunda-feira, quando se conhecer o caminho que vai seguir Pedro Sánchez, veremos se este já difícil cenário político na Catalunha fica ainda mais complicado.