Autoridades iranianas contabilizaram 103 mortos mas depois reviram as baixas mortais para 95 no duplo atentado em Kerman.
Autoridades iranianas contabilizaram 103 mortos mas depois reviram as baixas mortais para 95 no duplo atentado em Kerman.EPA/MEHR NEWS AGENCY

Atentado no Irão faz cem mortos e aumenta tensão no Médio Oriente

Sucessor de Soleimani culpa Estados Unidos e Israel da dupla explosão junto do mausoléu do general iraniano. Líder do Hezbollah promete “guerra sem limites” se Telavive atacar o Líbano.
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Horas depois de um ataque com drone ter liquidado seis elementos do Hamas, incluindo o seu vice-chefe, no sul de Beirute, território controlado por outro movimento islamista, o Hezbollah, uma dupla explosão não longe do mausoléu de Qassem Soleimani, o general iraniano morto há quatro anos (também num ataque com drone), matou pelo menos 95 pessoas e sacudiu de novo o frágil statu quo na região.

Enquanto o líder do Hezbollah prometeu que Israel deve esperar “uma resposta e uma punição” pela morte do seu número dois, o atentado no cemitério da cidade iraniana de Kerman recebeu, para já, uma reação mais contida por parte de Teerão.

As duas explosões ocorreram com 20 minutos de intervalo na estrada a caminho do cemitério, em Kerman, no sul do Irão, onde Soleimani está enterrado. Uma multidão dirigia-se para o local em comemoração do aniversário da morte de Soleimani num ataque executado pelos Estados Unidos, no aeroporto de Bagdade, em 2020.

Segundo a agência noticiosa Tasnim, as bombas estavam em duas malas, a 700 metros e a um quilómetro da tumba de Soleimani, e terão sido detonadas por controlo remoto. Num primeiro momento foi noticiado que o ataque terrorista teria sido executado por dois suicidas. O ministro do Interior iraniano, Ahmad Vahidi, disse que a maioria das vítimas morreu na segunda explosão e prometeu uma reação “rápida e vigorosamente” aos atentados.

Em menos de 24 horas, o Irão e seus aliados foram surpreendidos com dois ataques mortíferos. Se no caso do ataque com dois mísseis que matou Saleh al-Harouri, vice-líder do Hamas, o movimento islamista palestiniano aponta o dedo a Israel (que não confirma nem desmente), os ataques aos seguidores de Soleimani são motivo de especulação, entre grupos terroristas locais a atores estatais.

“O Estado Islâmico demonstrou que está disposto a fazê-lo. Israel pode ter querido intensificar a escalada contra o Irão para o forçar a fazer algo que arrastasse os Estados Unidos contra o Irão. Tudo isto são possibilidades”, disse Hassan Ahmadian, professor de Estudos do Médio Oriente na Universidade de Teerão à Al Jazeera.

O presidente iraniano Ebrahim Raisi disse que os autores do “ato hediondo” vão ser identificados e punidos, no entanto, para o sucessor de Soleimani na liderança da força Quds não há dúvidas: “Apresentamos as nossas condolências ao povo de Kerman, que foi atacado por gente sanguinária patrocinada pela América e pelo regime sionista”, disse Esmail Qaani.

Os Estados Unidos foram lestos a negar qualquer envolvimento no duplo ataque e declararam que nenhum país tem “interesse numa escalada” na região. “Os EUA não estiveram envolvidos de forma alguma. Qualquer afirmação em contrário é absurda”, afirmou o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, que também isentou Telavive: “Não temos razões para acreditar que Israel esteve envolvido nesta explosão.”

Analistas como Ali Vaez, do Crisis Group, este em declarações ao New York Times, lembram que o modus operandi de Israel em operações no solo iraniano não envolveu o ataque indiscriminado à população, mas a cientistas nucleares, altos quadros do aparelho de segurança ou instalações nucleares.

O ataque em Beirute deixou também o Hezbollah, movimento patrocinado pelo Irão, numa posição incómoda. O seu líder prometeu responder ao ato “perigoso” que resultou na morte dos seis dirigentes do Hamas e que, se Israel atacar, o Hezbollah irá para a guerra. Num discurso, Hassan Nasrallah afirmou que as “organizações da resistência estão a agir independentemente umas das outras”, cada uma no seu próprio país. “Durante três meses até à data, tivemos mártires, sacrifícios, pessoas deslocadas, danos, destruição, perigos e preços a pagar. Mas também temos resistência, coragem, luta, desafio, perdas nas fileiras do inimigo e recusa de rendição”. Para Nasrallah, os ataques de 7 de outubro fizeram com que a questão palestiniana tenha sido “relançada e Israel não conseguiu acabar com os palestinianos”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros do frágil governo do Líbano, Abdallah Bou Habib, declarou à BBC 4 que estão em conversações com o movimento xiita para os “convencer” de que “não devem responder” à morte do número dois do grupo Hamas.

“Se o inimigo pensar em fazer guerra contra o Líbano, então a nossa luta será sem fronteiras, sem limites, sem regras. E eles sabem o que quero dizer. Não temos medo da guerra. Não estamos hesitantes.”
Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah

85% da população de Gaza deslocada 

No final de 2023, 1,9 milhões de palestinianos, quase 85% da população total da Faixa de Gaza, estavam deslocados internamente, incluindo quem foi deslocado várias vezes, estima a agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos (UNRWA). O mais recente relatório aponta ainda para que, entre os deslocados, 1,4 milhões estão alojados em 155 instalações da UNRWA, embora a maioria se concentre em Rafah, que recebe mais de um milhão de pessoas (dez vezes mais do que a sua população já de si amontoada).

É neste quadro que dois ministros da extrema-direita do governo israelita, Ben Gvir e Bezalel Smotrich, propuseram colonizar Gaza e “encorajar” a população palestiniana a emigrar. “Estes comentários são inflamatórios e irresponsáveis”, reagiu o Departamento de Estado norte-americano através do porta-voz, Matthew Miller. Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês qualificou as declarações de “provocadoras”. 

cesar.avo@dn.pt

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