Ataque de Garzón às 'macrogranjas' vira dor de cabeça para Sánchez

As declarações do ministro do Consumo, que faz parte da aliança Unidas Podemos, não caíram bem na coligação e estão a ser usadas pela direita contra o primeiro-ministro.
Publicado a
Atualizado a

A polémica está lançada em Espanha por causa das macrogranjas, as grandes quintas de produção intensiva de gado de dimensões industriais. Uma entrevista do ministro do Consumo, Alberto Garzón, da aliança Unidas Podemos, transformou-se numa dor de cabeça dentro da coligação de governo, com a oposição de direita a usar as declarações como uma arma de arremesso contra o primeiro-ministro, Pedro Sánchez. Isto a um mês das eleições antecipadas na região de Castela e Leão, devendo o tema dominar a campanha.

"A pecuária extensiva é uma forma ambientalmente sustentável de produção de gado e tem muito peso em partes de Espanha, nas Astúrias, partes de Castela e Leão, Andaluzia e Extremadura", afirmou Garzón ao jornal britânico The Guardian. "Isto é sustentável. O que não é sustentável são as chamadas mega-quintas... Encontram uma aldeia numa zona despovoada de Espanha e põem lá quatro mil, cinco mil ou dez mil cabeças de gado. Poluem o solo, poluem a água e exportam esta carne de má qualidade destes animais maltratados."

A entrevista foi publicada no dia a seguir ao Natal, mas foi já em janeiro que incendiou o debate político em Espanha. Tudo começou quando o presidente da Junta de Castela e Leão, Alfonso Mañueco, do Partido Popular (PP), partilhou no Twitter um artigo de um site especializado em pecuária com o título "Garzón afirma no The Guardian que Espanha exporta carne de má qualidade de animais maltratados". Mañueco, que convocou eleições antecipadas para 13 de fevereiro depois de romper com o Ciudadanos, criticava o "ataque" do governo espanhol "aos nossos criadores de gado" e dizia que podiam contar com ele "na defesa dos homens e das mulheres do campo".

Twittertwitter1478086750325071880

A Unidas Podemos acusa os lóbis da pecuária intensiva e a direita de distorcerem as palavras de Garzón de forma a parecer que estava a atacar todo o setor. No caso do partido, o objetivo seria atrair o voto rural - alegando que a esquerda é "citadina" e por isso não pode representar o campo. "Não posso fazer nada se estão a construir uma mentira contra mim", afirmou o ministro, que tem reiterado em várias entrevistas que o que ataca (e não está sozinho nessa luta) são as macrogranjas, os modelos extremos de agricultura intensiva. Garzón admite que há produção de gado de caráter intensivo que é um negócio familiar, em unidades pequenas, que é sustentável. O setor pecuário representa 2,3% do PIB em Espanha.

Twittertwitter1478116397809078272

A crítica de Mañueco foi a primeira de várias à direita, com o líder do PP, Pablo Casado, a exigir a demissão de Garzón. "Peço uma retificação, uma desculpa e que se assumam responsabilidades frente aos ataques aos agricultores e produtores de gado", indicou. Com o avançar da polémica, os ataques passaram também a visar o primeiro-ministro, que acusa de não ter mão no governo por não poder demitir Garzón sem a luz verde da Unidas Podemos.

Mas as críticas ao militante do Partido Comunista e coordenador da Esquerda Unida, vieram também dos sócios de governo. O ministro da Agricultura, Luis Planas, qualificou de "infelizes" as palavras de Garzón, alegando que o setor "não merece que o seu trabalho seja posto em causa". Isto apesar de o seu ministério ter preparado um decreto que visa limitar a 850 o número de cabeças de gado bovino nas quintas. Por seu lado, o presidente da região de Aragão, Javier Lambán, defendeu que Garzón "não pode ser ministro nem mais um dia". Já o presidente de Castela-Mancha, Emiliano García-Page, disse que "não se pode prejudicar gratuitamente, e sem nenhum fundamento, um setor tão importante como a pecuária".

Na passada segunda-feira, o primeiro-ministro disse lamentar "muitíssimo" a polémica que as declarações de Garzón suscitaram, porque "estamos a falar de um setor que produz uma carne de extraordinária qualidade". Nesse mesmo dia, o antigo líder da Unidas Podemos, Pablo Iglesias, agora comentador, criticou Sánchez. "Nas coligações pode haver cotoveladas, mas é indecente que se utilizem falsidades para atacar um sócio, apesar de haver diferenças", disse Iglesias no programa Hora 25 na Cadena Ser. "É um erro muito grave e isso vai pesar", acrescentou.

Também a vice-primeira-ministra Yolanda Díaz saiu em defesa de Garzón: "Seria bastante surrealista que um ministro que está a cumprir com o acordo de governo e o que diz a ciência tivesse que sair", afirmou. Apesar de o termo macrogranjas não aparecer neste documento, é referido que "vão empreender-se medidas de aconselhamento às explorações agrárias para melhorar a sustentabilidade da produção de gado e a conservação dos solos agrícolas".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt