Assad, o quinto ditador vítima da Primavera Árabe
Quando em dezembro de 2010 o vendedor ambulante tunisino , Mohamed Bouazizi se imolou pelo fogo em Sidi Bouzid para protestar contra a prepotência da polícia, desencadeou no país uma revolta popular que depressa alastrou a todo o mundo árabe, com a população a sair à rua num grito de revolta e de esperança na liberdade. No espaço de pouco mais de um ano, quatro ditadores foram derrubados, não só Zine Abidine Ben Ali, na Tunísia, como Hosni Mubarak no Egito, Muammar Kadhafi na Líbia e Ali Saleh no Iémen. Bashar al-Assad, na Síria, foi também desafiado, e uma rebelião armada tomou conta de boa parte do país, mas o regime que herdara do pai, Hafez, sobreviveu durante 13 anos graças ao apoio militar da Rússia e do Irão, mesmo nunca reconquistando todo o território. Agora, também Assad filho caiu, depois de ofensiva relâmpago da oposição islamita, que beneficiou dos russos estarem mais preocupados com a guerra na Ucrânia e o iranianos, mais o seu aliado Hezbollah (outro apoiante do regime de Damasco), terem como prioridade resistir a Israel.
O destino dos quatro ditadores derrubados logo pela chamada Primavera Árabe é conhecido: Ben Ali morreu no exílio na Arábia Saudita em 2019; Kadhafi, que governou 42 anos, foi morto em finais de 2011 durante a guerra civil líbia (onde a NATO apoiou a oposição); Mubarak morreu em 2020 num hospital militar no Cairo depois de estar anos preso; Ali Saleh foi morto pelos houthis no Iémen em 2017 depois de um regresso ao país em que revelou ter ainda ambições políticas, um erro trágico de um homem desde 1978 habituado ao poder. Assad, por seu lado, fugiu agora da Síria e é dado como estando em Moscovo, sob proteção dos russos. Governava desde 2000, tendo sucedido ao pai, que foi o homem forte do país durante três décadas. A guerra civil síria, marcada por extrema brutalidade do regime de Damasco mas também pelos rebeldes, muitos deles jihadistas, deixou como legado meio milhão de mortos, sete milhões de deslocados internos e seis milhões de refugiados, uma boa parte na vizinha Turquia.
Dos países da Primavera Árabe, hoje só a pequena Tunísia insiste na via democrática, mesmo que o atual presidente, Kais Saied, seja acusado de tentação autoritária depois do sistema ter passado de parlamentar para presidencialista. A Líbia continua num caos, com várias fações a disputar o poder. No Egito, um ex-general, Abdel Fattah al-Sisi, governa com mão de ferro, muito na linha de Mubarak. No Iémen, depois de um longa guerra civil, os houthis dominam hoje a maior parte do país, mas são desafiados interna e externamente e envolveram-se no conflito de Israel com o chamado Eixo da Resistência liderado pelo Irão.
Resta agora saber o destino da Síria pós-Assad, onde, além dos interesses estrangeiros, a começar pela Turquia principal apoiante da oposição, há vários grupos que continuarão a desafiar quem quer que seja que governe em Damasco, como é o caso dos curdos, muito agarrados à sua autonomia, na falta de poderem ter um Estado próprio. A própria unidade entre os rebeldes sírios, importante para a ofensiva fulgurante contra Assad, deverá ser de pouca dura, já que inclui desde jihadistas mais ou menos assumidos a forças moderadas, também movimentos laicos. Continuam também por se entender como lidarão os alauitas, a poderosa minoria a que pertencem os Assad, com um futuro governo dominado por muçulmanos sunitas como os do grupo Hayet Tahrir al-Sham que os veem como alheios ao islão, apesar de serem um ramo do xiismo.