Desde o ataque de 7 de outubro de 2023 que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, fala nas sete frentes de batalha em que o seu país está envolvido - do Hamas na Faixa de Gaza ao Irão, passando pela Cisjordânia e a Síria, o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Iémen e os grupos armados xiitas no Iraque. Mas o próprio primeiro-ministro também tem as suas batalhas pessoais, algumas delas anteriores até à guerra em Gaza, e isso ficou claro esta semana.Na segunda-feira (4 de agosto), o Governo israelita demitiu a procuradora-geral, Gali Baharav-Miara - uma decisão suspensa pelo Supremo Tribunal - em mais um capítulo da guerra de Netanyahu contra o sistema de Justiça. Na terça-feira (5 de agosto), subiram de tom os ataques dos aliados do primeiro-ministro ao chefe do Estado-maior das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), o tenente-general Eyal Zamir, que é contra a ideia de ocupação total da Faixa de Gaza - o plano que Netanyahu defende e deverá pôr esta quinta-feira a votação no Gabinete de Segurança. Qual será a próxima batalha?Sistema de justiçaEm janeiro de 2023, o Governo israelita propôs uma reforma que, segundo os críticos, iria enfraquecer o sistema de justiça e minar a democracia do país. A ideia de Netanyahu era limitar o poder do Supremo Tribunal (que tem o poder de declarar a legislação inconstitucional) e dar ao Governo o controlo sobre as nomeações judiciais, entre outras medidas. A proposta levou milhares de israelitas às ruas, com muitos críticos a dizer que se tratava de uma tentativa do primeiro-ministro de escapar à justiça. Netanyahu, que nega as acusações de suborno, fraude e quebra de confiança, está a ser julgado desde 2020 por alegada corrupção em torno de supostos favores que terá feito a empresários dos media em troca de presentes e uma cobertura mediática favorável. O próprio presidente dos EUA, Donald Trump, criticou recentemente o julgamento. Não foi Baharav-Miara, que assumiu o cargo de procuradora-geral em fevereiro de 2022, que acusou Netanyahu, mas é ela que está a levar em frente o processo e a investigar também vários assessores do primeiro-ministro pelo chamado Qatargate (as alegadas ligações que tinham ao Qatar, um país que acusam de apoiar o Hamas). Em parte por causa deste escândalo (mas não só), o primeiro-ministro demitiu também Ronen Bar, o líder do Shin Bet (a secreta interna, responsável pela investigação). A nomeação do sucessor, o major-general David Zini, foi travada pela justiça, mas deverá avançar dentro de semanas.Entretanto, esta segunda-feira (4 de agosto), o Governo votou de forma unânime a demissão de Baharav-Miara. Mas, como noutros casos, o Supremo Tribunal bloqueou essa decisão. Muitos no Executivo já deixaram contudo claro que não confiam na procuradora-geral, não sendo claro se é possível travar a sua saída (ela já avisou que isso abre a porta a outras demissões políticas no futuro) e quais serão os próximos passos. Chefe do Estado-maiorO tenente-general Eyal Zamir assumiu o cargo de chefe do Estado-maior das IDF no início de março, depois de o antecessor, o tenente-general Herzi Halevi, se ter demitido em resultado das “falhas” durante o 7 de Outubro e numa altura em que estava em choque com o primeiro-ministro por causa da isenção dos ultra-ortodoxos de cumprirem o serviço militar. Mas se Netanyahu esperava maior apoio de Zamir do que de Halevi - que no momento de sair deixou o recado de que a liderança política também devia assumir a culpa pelos ataques do Hamas - isso não veio a acontecer. O atual chefe do Estado-maior tem sido contra a ocupação total da Faixa de Gaza (os militares controlam atualmente 75%), considerando que isso representa uma ameaça para os cerca de 20 reféns (num total de 50) que ainda estão vivos. Num encontro na terça-feira (5 de agosto) com Netanyahu, Zamir apresentou propostas para aumentar a presença dos militares em Gaza, mas o primeiro-ministro já terá tomado a sua decisão (segundo os media israelitas). O chefe do Estado-maior terá deixado claro que irá cumprir o que for decidido, não pondo em cima da mesa a hipótese de se demitir. Mas Netanyahu sabe do seu desacordo e, se algo correr mal, certamente será lembrado que as IDF eram contra. Famílias dos refénsOs planos de Netanyahu em relação a Gaza chocam também com as famílias dos reféns, que alegam que o primeiro-ministro está “a levar Israel e os reféns em direção à devastação”. Não é a primeira vez que as famílias, que estão todas as semanas nas ruas, entram em choque com Netanyahu, tendo-o acusado no passado de “abandonar” os reféns e “condená-los à morte” para “manter a integridade da sua coligação”.A divulgação dos vídeos de dois reféns completamente esqueléticos, Evyatar David e Rom Braslavski, intensificou a contestação a Netanyahu. As famílias querem que ele aceite um acordo com o Hamas e depositaram toda a esperança na pressão de Trump, mas o primeiro-ministro não parece disposto a ceder depois de as negociações indiretas com o grupo terrorista terem falhado. Opinião públicaO trauma do ataque do 7 de Outubro pode ter unido os israelitas (criou um movimento de solidariedade nacional), mas isso não significa que os tenha unido em torno de Netanyahu. Uma sondagem do Instituto de Democracia de Israel, publicada no início do mês passado (em plena guerra de 12 dias com o Irão), revela que só 40% dos israelitas (46% dos judeus israelitas e 10% dos árabes israelitas) confiam no primeiro-ministro. Outra sondagem, em março, mostrava que 87% dos israelitas acham que Netanyahu deve assumir a responsabilidade pelos eventos do 7 de Outubro, enquanto 73% querem que se demita (agora ou depois da guerra). Nada de novo, os números têm sido assim basicamente durante todo a guerra, apesar de alguns picos diante de sucessos como a morte dos líderes o Hezbollah. Esta é outro dos conflitos de Netanyahu, que está pressionado por muitos a convocar novas eleições, mas sabe que é difícil um sétimo mandato (é o primeiro-ministro que mais anos passou à frente dos destinos de Israel, primeiro de 1996 a 1999, depois de 2009 a 2021 e finalmente desde dezembro de 2022). Não é só a nível interno que não há confiança em Netanyahu. O primeiro-ministro israelita tem críticos no estrangeiro desde o primeiro momento da guerra, mesmo se a grande maioria dos líderes apoiou o direito de Israel a defender-se depois do ataque do Hamas. Contudo, o aumento constante dos mortos na Faixa de Gaza e, mais recentemente, as imagens de fome extrema (que Netanyahu continua a insistir que não existe no enclave) fizeram subir essas críticas. De tal forma que vários países, incluindo França, Reino Unido, Canadá e até Portugal, que admitem reconhecer o Estado palestiniano em setembro. Crimes de guerraO primeiro-ministro não está apenas a ser julgado pela justiça israelita, sendo alvo de um mandado de captura da parte do Tribunal Penal Internacional desde 21 de novembro de 2024 por crimes de guerra - usar a fome como método de guerra e atacar de propósito a população civil - e crimes contra a humanidade de morte, perseguição e outros atos desumanos. Netanyahu (tal como o ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, igualmente acusado) nega as acusações. Contudo, qualquer país signatário do Estatuto de Roma tem a obrigação de o deter (apesar de alguns já terem deixado no ar a hipotese de não o fazerem). Ao mesmo tempo, Israel está a ser acusado pela África do Sul (muitos outros países já se juntaram ao processo no Tribunal Internacional de Justiça) de “genocídio” no enclave palestiniano. Netanyahu, que nega mais uma vez as acusações e diz que Israel está a defender-se, não é diretamente acusado, mas é outra dor de cabeça. Especialmente porque a nível interno também já se começam a ouvir vozes que aceitam designar o que está a acontecer na Faixa de Gaza como “genocídio” - algo que nunca tinha acontecido até agora. Extrema-direitaOutras das lutas de Netanyahu é contra os nacionalistas com os quais se aliou para conseguir formar governo em 2022. O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, cujos partidos tiveram 10% dos votos, têm pressionado o primeiro-ministro a avançar para a ocupação total da Faixa de Gaza - defendem que Israel nunca devia ter saído do enclave em 2005 - e são contra enviar mais ajuda humanitária para o enclave. Cada vez que existe a possibilidade de um acordo com o Hamas, algum deles ameaça demitir-se e deixar o Governo sem maioria. Foi o que aconteceu no acordo de janeiro, que permitiu 60 dias de trégua - na altura parte da oposição disse que apoiaria o Executivo se fosse preciso. Ben Gvir demitiu-se, regressando ao Governo quando Israel violou o acordo de cessar-fogo em março - depois de recusar negociar a segunda fase, que permitiria libertar mais reféns e chegar ao fim da guerra. No mês passado, o jornal norte-americano The New York Times publicou um artigo em que alega que o acordo que permitiu a trégua em janeiro já estava em cima da mesa em abril de 2024 - mas Netanyahu não o apresentou aos ministros depois de Smotrich avisar que se houvesse algum “acordo de rendição”, ele deixaria de ter Governo. E o primeiro-ministro terá escolhido continuar no poder. O legadoNo final, a guerra mais importante de todas para Netanyahu é aquela que vai decidir qual será o seu legado. Mesmo que nas sete frentes de batalha de Israel tenha tido vários sucessos - o regime de Bashar al-Assad caiu na Síria, o Hezbollah teve as suas capacidades claramente reduzidas no Líbano com a decapitação da maior parte da sua liderança e o programa nuclear iraniano terá sido, no mínimo, atrasado mais uns anos - ainda não há solução e saída à vista na Faixa de Gaza. Neste momento, o legado de Netanyahu está para sempre ligado àquele que foi o pior ataque contra judeus desde o Holocausto - mesmo que o primeiro-ministro recuse assumir qualquer responsabilidade. Uma solução para a guerra em Gaza que possa ser acolhida pelos países árabes - requer coragem política, mais do que a coragem militar que já provou ter - poderá contudo abrir as portas para o alargar dos Acordos de Abraão. Nesse sentido, a Arábia Saudita seria o maior prémio possível. O normalizar das relações com os sauditas (que no passado assinalaram o desejo de o fazer) seria um legado de que Netanyahu se poderia orgulhar.